A rivalidade Brasil x Argentina no futebol: questão de irmãos
Certamente já ouviram falar que a rivalidade entre Brasil e Argentina é muito grande. E de facto, é bastante. Centenária, inclusive. Não apenas entre as selecções, mas entre os clubes de cada país também. Os “Alvi-Celestes” têm muito mais campeonatos continentais (entre Copas América, Libertadores, Supercopas e Sul-Americanas). Os “Canarinhos”, entretanto, possuem mais campeonatos do mundo. Para compreender um bocado esta rivalidade, é preciso voltar e lembrar a história entre os dois países.
Com excepção do Brasil, as recém-independentes nações da América do Sul no início do século XIX, tornaram-se repúblicas. Assim foi com a Argentina. O Brasil manteve uma monarquia sob o estatuto de Império. Ao longo daquele século, os brasileiros interferiram muito nas questões internas dos seus vizinhos, sobretudo no Uruguai e na Argentina, a patrocinar as oligarquias que favorecessem os interesses das cortes do Rio de Janeiro. Como resultado, as chamadas “Guerra do Prata” e a “Guerra da Tríplice Aliança” (1865-1870), esta última popularmente conhecida como “Guerra do Paraguai”. Era óbvio, portanto, que o Brasil não era bem visto por boa parte dos argentinos.
A implementação da República em 1889 “aproximou” os brasileiros dos seus vizinhos, mas não as desconfianças que, outrora políticas, foram transferidas para o desporto. Em um dos primeiros amigáveis entre as duas selecções, no início do século XX, o então presidente argentino, General Roca, ao intervalo entrou no balneário da equipa do seu país a pedir que os atletas reduzissem o ritmo no jogo e não ganhassem por uma vantagem muito grande porque as relações políticas com o Brasil estavam muito boas.
Bom, apesar de o Brasil ser a principal força económica e política da região, a Argentina até os anos 1960 era o país-referência da América do Sul, e sua capital, Buenos Aires, um pólo cultural, com aspectos de vida urbana muito semelhantes às grandes cidades do mundo. O Brasil, quer seja pela extensão territorial e diversidade da sua população e das suas regiões, sempre foi tido como “exótico”. Estas diferenças não demoraram para tornar-se discursos pejorativos, de sobre e de subestimação. E assim, com esta base, construiu-se esta rivalidade.
Em 1938 os argentinos não disputaram o Mundial da França em represália à FIFA ter dado direito à sede para o país europeu, uma vez que esperavam receber o certame, já que Uruguai e Itália tinham feito isto em 1930 e 1934, respectivamente. Viram os brasileiros conseguirem um terceiro lugar (já falado em artigo do Fair Play). Em 1946, na decisão da Copa América, em Buenos Aires, é pouco lembrada pela vitória da Argentina sobre o Brasil por 2 a 0, mas sim pela briga generalizada entre os futebolistas das duas equipas e o envolvimento da polícia local. Como consequência, só em 1956 elas voltariam a jogar entre si, com a idealização da “Copa Roca”, em homenagem ao supracitado ex-presidente argentino (General Roca) que muito trabalhou pelas boas relações entre as duas nações.
Com a decisão da FIFA para que o Brasil fosse a sede do Mundial de 1950, a Argentina recusou-se a participar do torneio e viu seus dois grandes rivais, Uruguai e Brasil, fazerem o jogo final da competição. Passaram-se os anos e os Canarinhos conquistaram mundiais, com seus grandes futebolistas a serem referências internacionais. Ao mesmo tempo, os clubes argentinos eram – e ainda são – protagonistas na região. Mais tarde os Alvi-Celestes conquistaram suas Copas do Mundo e grandes jogadores mundialmente conhecidos, o que fez a rivalidade ficar ainda mais forte.
Politicamente sempre os dois países estiveram “lado a lado”. A título de exemplo, apesar de haver declarado neutralidade, o Brasil aprisionou aeronaves britânicas durante a “Guerra das Malvinas” (1982). Existe também bastante intercâmbio: muitos argentinos vivem no Brasil e o turismo entre as duas nações é bastante incentivado. Há muito respeito do brasileiro para com o futebol argentino. E vice-versa também. Historicamente muito mais argentinos actuaram no futebol do Brasil do que o contrário. Pelé é “Rei”, mas Maradona é “Deus” e tem como ídolo, Rivellino (campeão do Mundo em 1970). Actualmente o ídolo de muitos miúdos brasileiros é Messi.
Este autor, a jogar de guarda-redes, quando criança gritava “Goycoechea!” nas vezes que fazia uma boa defesa, em referência ao ídolo argentino, exímio nos penáltis.
É algo histórico para saber quem é o melhor, quem é o mais “querido”, o mais “bonito”. De facto, a rivalidade entre Brasil e Argentina mais parece uma questão entre irmãos.