O regresso de Portugal a casa: o que correu bem, mal e o que mudar?
Amargo, foi este o sabor que ficou na boca de todos os portugueses com a eliminação precoce (terá sido?) da Selecção Nacional no Mundial de Futebol 2018. Foi sem dúvida a prova em que maiores esperanças se depositavam em ganhar, uma vez que o elenco de Fernando Santos tinha desde um astro, a vários novos diamantes que já estão a assustar a Europa, a veteranos com muitos anos de experiência e outros jovens que têm sido revelação nas suas ligas.
Era de facto um grupo coeso, forte e que ouvia Fernando Santos, seguindo um modelo de jogo que para a maioria dos espectadores é pouco atractivo, banal e que roçava uma espécie de calcio mas sem aquele ataque mordaz e que tinha pormenores de deleite. Contudo, sempre que Portugal não teve que tomar por inteiro a iniciativa de jogo, o resultado foi bom a satisfatório menos.
Contra o fatídico jogo frente ao Uruguai, e ao contrário do que a maioria deseja achar, a Selecção das Quinas esteve bastante bem especialmente no controlo de bola, saída com a mesma, combinação de ligas, procura de espaços e velocidade.
Então porque é que o jogo acabou com uma desvantagem a favorecer os albicelestes? Falta de clarividência no que fazer no último terço, ausência de uma boa combinação de saltadores nos centros atirados quer por Raphael Guerreiro, Ricardo Quaresma ou Adrien Silva, parco acompanhamento a quem entrava pela quina da área (Bernardo Silva fez sempre um bom movimento) e aproveitamento dos raros erros que os uruguaios consentiram durante 90 minutos.
Ou seja, Portugal foi eliminado coincidentemente quando “abandonou” aquela forma de jogar mais sofrível, anti-velocidade, anti-posse de bola e sem testar a baliza adversária durante largos traços de tempo.
Mas vamos ao que foi bom (e que precisa ser desmistificado), ao que correu mal (e que necessita de ser já revisto) e aquilo que se pode mudar sem quebrar com a lógica de grupo criada por Fernando Santos. Entre os vários pontos que podias focar, optámos por nos cingirmos a dois em cada secção. Que outros acrescentava?
O BOM (OU SATISFATÓRIO DEPENDENDO DA ESCALA)
WILLIAM CARVALHO ENTRE A LENTIDÃO E A BOA EXECUÇÃO
Quando em meados de Maio Fernando Santos anuncia que não levará Rubén Neves ao Mundial porque não vai jogar com um trinco clássico, ficou uma dúvida no ar. Como ia Portugal jogar neste esquema? Ao fim de quatro jogos, percebeu-se que William Carvalho jogava mais numa mistura de 6/8 com João Moutinho/Adrien Silva a fazer de co-piloto da saída para o ataque ou de primeira barreira para a defesa.
O trinco formado no Sporting CP, pareceu um peixe fora de água ante a Espanha apesar das constantes recuperações de bola que foi responsável por, ou pelas segundas bolas conquistadas. Falhava precisamente no fulgor físico, na brutalidade na pressão sobre os jogadores mais criativos e em surgir junto à área com outro poder (género Casemiro da canarinha).
Mas dentro da lógica de jogo que Fernando Santos procurava, era isto que se esperava de William Carvalho nas suas funções enquanto defesa: recuperações, tapar possíveis ressaltos, eliminação de espaços, presença entre Adrien Silva e Bernardo Silva e tapa buracos para as subidas de Raphael Guerreiro ou Cédric/Ricardo Pereira. Terminou o Mundial com 10 desarmes, 27 recuperações de posse e 3 intercepções em jogadas de elevado perigo.
No que toca aos detalhes no ataque, William tratou a bola sempre de uma forma elegante, apresentando 87% de eficácia no passe. Lembrar que uma boa parte dos passes de William Carvalho foram em cima da linha do meio-campo para o lado ou para um colega que estivesse mais atrás, normal na missão do falso trinco. Mas e no lançamento rápido? Se o jogo com Marrocos foi um tormento para sair com o esférico controlado, muito devido à grande intensidade imposta pelos marroquinos.
Com o Irão e Uruguai, William Carvalho foi um bom pêndulo no ataque com excelentes passes em profundidade, triangulações interessantes com os seus parceiros no meio e um bom trabalho de apoio. Foi dos jogadores portugueses mais “elegantes” a jogar, ficando no entanto o a questão: o que teria sido se William Carvalho estivesse em forma (os últimos meses no Sporting CP foram complicados, entre lesões e más prestações)?
PEPE, UM VINHO QUE ENVELHECE MELHOR QUE UM VINHO DO PORTO
Um Mundial de alta categoria de Pepe, em que fez sentir a sua presença na área com boas recuperações de bola, cortes cirúrgicos e uma boa comunicação, ao nível do que se espera de um dos melhores centrais à escala mundial. Já não se denota aquela fisicalidade vazia que o levou a ser expulso em outros tempos, mostrando uma preponderância e calma cada vez mais surpreendente.
Apesar 6 golos sofridos em 4 jogos, Pepe só teve meia-culpa frente à Espanha, no momento em que permite Diego Costa fugir após ganhar a frente a José Fonte. À parte disso, Pepe foi preponderante contra Marrocos (a par de Rui Patrício, foi quem mais salvou as Quinas nesse encontro) e Irão, apostando bem na sua leitura do jogo para socorrer Portugal em alguns momentos de maior sofrimento.
O posicionamento de Pepe foi a roçar a perfeição, apresentando-se sempre bem na hora de interceptar um cruzamento (dentro da área esteve bastante bem nos duelos aéreos, não estando tão bem na área oposta… ironicamente, foi no último jogo que apareceu bem no meio dos defesas do Uruguai) e de aliviar a defesa portuguesa de situações de perigo iminente.
Inteligente, móvel (já não tem a velocidade de outros tempos, resolvendo esse problema através de um bom posicionamento) e duro, Pepe formou uma boa dupla com José Fonte, em que a harmonia e boa comunicação só falhou precisamente no último encontro, contra o Uruguai (o central que joga agora na CSL deixou o avançado do PSG pelas suas costas).
Mesmo com a eliminação precoce, Pepe nunca foi um responsável directo pelos contra-tempos, sendo um dos melhores dos 23 convocados. Contudo, aqui vem um problema que explicamos na seguinte secção.
ENTRE O FUTURO QUE DEVIA TER CHEGADO E A VETERANICE LIMITADORA
E NA DEFESA RESIDE O GRANDE PROBLEMA
Pepe, 35 anos, José Fonte 34 anos (fará 35 em Dezembro), Bruno Alves, 36 anos (completa 37 em Novembro)… um problema de grandes dimensões que Fernando Santos terá de lidar no futuro próximo. Dificilmente algum dos três chegará ao próximo europeu e para já só há Ruben Dias em termos de novos centrais. A somar ao central do SL Benfica ainda há Luís Neto (está meio perdido na Rússia), Paulo Oliveira (uma equipa entre o bom e o mau na La Liga), Edgar Ié, Ricardo Ferreira e Rolando (e poderíamos dizer Ruben Semedo não fosse o central ex-Sporting CP estar numa situação crítica da sua vida).
Só mesmo Rúben Dias parece estar na senda de se afirmar na posição, o que levanta sérios problemas para o futuro de Portugal. Durante décadas a fio as Quinas tiveram sempre um rol de centrais de elevada categoria que garantiram sempre equilíbrio e solidez ao eixo defensivo. Agora, parece ser uma situação preocupante para o seleccionador Nacional.
O problema começa pelo facto dos principais clubes portugueses não conseguirem confiar em centrais da cantera, com Dias a ser uma excepção que surgiu mais por necessidade do que por mérito. Fala-se de Diogo Queirós, Diogo Leite, Francisco Ferro e pouco mais a jogar nas equipas secundárias dos Grandes nacionais. Uma possível solução será formar e utilizar centrais de equipas como o SC Braga, Vitória SC ou Rio Ave.
Lá fora a jogar ainda há Diogo Verdasca (Saragoça) e pouco mais. Como anular este problema?
NOVOS DIAMANTES QUE PRECISAM DE OUTRA DEFINIÇÃO
Bernardo Silva fez um jogo de excelente categoria frente ao Uruguai, mas ficou-se por isso… nem contra Espanha, Irão ou Marrocos vimos um vislumbre do fantasista do Manchester City que teve graves problemas em encontrar formas de fugir ou de sequer ter a bola no pé.
Uma boa maioria dos adeptos nacionais culpa a estratégia de Fernando Santos, que parecia fazer com que os jogadores fugissem do controlo de bola o mais rápido possível. Contudo, não se pode tirar culpas ao tratamento que Bernardo Silva dava ao esférico, com passes mal armados, combinações erradamente decididas e falta de intensidade para agarrar no jogo.
Foi notório em alguns momentos do jogo com o Irão ou Marrocos, a forma como Cristiano Ronaldo ou João Moutinho/Adrien Silva davam constantemente indicações a Bernardo de Silva, parecendo que o médio-ofensivo estava perdido no que fazer em campo. O mesmo se aplica a João Mário que esteve vários furos abaixo daquele jogador que despontou no Europeu em 2016.
Não foi falta de forma, foi mesmo a ausência de intensidade e de ideias que dessem outra dimensão de jogo a Portugal… passes falhados, momentos em que desaparecia por completo do encontro, postura amorfa e outros apontamentos que tiraram alguma daquela pimenta que João Mário trazia para dentro do campo.
A somar a estes dois houve Gonçalo Guedes, que ganhou a titularidade nos jogos de preparação para o Mundial e acabou por ser uma aposta falhada. O extremo caiu no vazio em todos os jogos que actuou, notando-se uma queda crescente desde a primeira ronda da competição.
Com a Espanha falhou dois lances claros de golo, atrapalhando-se por completo. Nunca foi uma unidade útil nas transições da defesa para o ataque, apareceu mal a cobrir na área (um dos golos da Espanha é culpa directa do extremo) e com Marrocos foi engolido pela defesa, não esboçando qualquer movimento ofensivo de qualidade (e houve espaço para tal, já que Cristiano Ronaldo conseguiu-o por exemplo).
André Silva foi mais útil no jogo com o Irão, mas também não teve a clarividência necessária para ser um bomber na área. Contudo, quis aparecer mais em jogo, foi buscar linhas de passe ao meio-campo, defendeu bem e criou bons problemas na área com linhas de corrida (infelizmente nesse jogo, nem Raphael Guerreiro, Cédric ou Quaresma procuraram fornecer boas bolas aos avançados de Portugal).
É fundamental que no futuro se encontre a “ponte” necessária para estes jovens atletas assumam a liderança da selecção Nacional.
UMA MUDANÇA NECESSÁRIA PARA OUTRA DIMENSÃO
EXIBIÇÕES E ALTERAÇÕES TÁCTICAS
(Por Pedro Afonso)
A caminhada dos lusitanos terminou de forma abrupta aos pés de Cavani e com muito pouca glória. Ao contrário do que o Selecionador Nacional clamou no final do jogo, os objetivos mínimos do Campeão Europeu não devem ser dados como cumpridos nos oitavos de final, muito menos aos pés do Uruguai.
Desengane-se quem relativiza este fracasso: a campanha foi miserável e as exibições não deixaram grande esperança. E a maior ironia é termos sido eliminados por uma Seleção que usou e abusou da tática que nos deu o Campeonato da Europa…
A grande mudança da Seleção das Quinas tem de passar exatamente por aí: pelas exibições. Se é verdade que a derrota com o Uruguai foi a primeira derrota de Fernando Santos nas grandes competições, a verdade é que “só” ganhamos uma de três, a única em que chegamos à final.
Os números jogam a favor de Fernando Santos, mas o futebol não é um desporto de “números” e “estatísticas” e quem joga bem está sempre mais perto de ganhar do que quem joga mal. E Portugal joga francamente mal.
Mas não seria de esperar que uma seleção que já joga junta há algum tempo, sob o comando do mesmo timoneiro, apresentasse um modelo de jogo definido, atrativo e com um grande grau de entrosamento entre os jogadores?
Ao contrário dos dois anteriores selecionadores, Fernando Santos não se pode queixar da falta de qualidade dos seus intérpretes: André Silva é o avançado de que Portugal estava orfão desde Pauleta; Bernardo Silva tem tudo para ser um dos melhores médios-ofensivos do Mundo; Rui Patrício é um dos melhores guarda-redes da Europa; entre muitos outros.
O selecionador nacional nunca primou pelo futebol brilhante que incutia nas suas equipas (chegou a defender um resultado desfavorável de 3-2, a jogar fora-de-casa, para a Taça UEFA), mas sim pelo seu incrível pragmatismo.
No entanto, o futebol deixou, há muito, de ser regido pelos “Deuses do Futebol” e pela velha máxima de que “o Futebol é assim”. Posto isto, a evolução natural do futebol da Seleção de Portugal deverá passar pela criação de uma identidade de jogo suficientemente sólida que permita tirar o melhor dos seus jogadores.
Não se compreende que, com grandes jogadores em posse como William Carvalho, André Gomes, Bernardo Silva, João Mário, Cristiano Ronaldo, se continue a apostar num futebol de contra-ataque, de retranca, à espera que o adversário se abra e permita incursões perigosas. Portugal já não é o “underdog” e à Mulher de César não basta parecê-lo…
O jogo com o Uruguai contém todas as respostas e os problemas da Seleção. Por um lado, uma Seleção dependente das individualidades, principalmente na defesa, sendo que Pepe já não é capaz de fazer a sua posição e a do seu parceiro do centro da defesa, e onde a má forma de Guerreiro o transformou num verdadeiro “passador” na ala esquerda.
Por outro lado, uma seleção presa de ideias, com jogadores de posse e de centro do terreno encostados à ala, onde pouco ou nada rendem, como João Mário e Bernardo Silva, e uma frente de ataque dependente de lançamentos longos para o espaço, já que a progressão com bola não está no ADN dos médios que o selecionador costuma escalar para o seu 11. E tudo se transfigura na segunda parte: Uruguai obriga Portugal a ter bola, coisa a que os portugueses não estão habituados.
Aqui, a migração de João Mário e Bernardo Silva para o centro do terreno levaram a uma maior qualidade de ataque posicional, maior capacidade de ataque continuado e uma aproximação àquela que deve ser a postura de Portugal, como Campeã da Europa.
Fernando Santos merece a confiança dos portugueses, bem como o grupo de jogadores que fracassaram na Rússia. No entanto, o crescimento da Seleção tem de ultrapassar este momento de estagnação e retomar o caminho da evolução, para que possamos pensar que o Europeu não foi um equívoco.