Vale a pena rechear um plantel de emprestados? – O caso Mirandés

Ricardo LopesAgosto 20, 20238min0

Vale a pena rechear um plantel de emprestados? – O caso Mirandés

Ricardo LopesAgosto 20, 20238min0
O Mirandés está a reforçar-se com uma série de atletas emprestados, mas até que ponto isto é uma boa estratégia para o clube espanhol?

O CD Mirandés não está perto de ser um histórico do futebol espanhol, embora atue no segundo escalão do país vizinho, estando inclusivamente na quinta temporada consecutiva na La Liga 2. A equipa de Miranda de Ebro, pequena cidade da província de Burgos, não é de todo a mais rica, nem a que tem mais rendimentos financeiros na divisão em que está. Porém, tem conseguido sobreviver com relativa tranquilidade na competição em que participa, afastando-se das lutas pela manutenção, onde por vezes existem equipas muito mais potentes e com a capacidade para almejar bem mais alto.

O emblema de Castela e Leão utiliza um método para conseguir dar qualidade à sua equipa, sem gastar muito capital: o uso e abuso da cedência de jogadores. Numa divisão que não conta com um limite de empréstimos (contrariamente ao que acontece na Primeira Liga Portuguesa, por exemplo), os plantéis do Mirandés têm poucos jogadores que pertencem na realidade aos seus quadros, sendo algo comum nas últimas temporadas pelo Anduva. Há defensores da proibição/limitação/imposição de cláusulas desta prática, contudo a realidade é que a experiência tem sido positiva, ao olharmos para o curto prazo.

Existem uma série de atletas que conseguiram dar o salto no Mirandés, voltando para as suas instituições capazes de lutarem por um lugar, ou renderem uma bela transferência. Há nomes muito interessantes na lista, como Rodrigo Riquelme, Sergio Camello, Imanol, Sergio Carreira, José Salinas, Nico Serrano, Roberto López ou Raúl García, que estão num patamar de primeiro escalão, ou próximo disso.

O novo avançado do Osasuna, Raúl García, esteve inclusivamente apontado ao Sporting durante o presente mercado de transferências, mas acabou por assinar pelo emblema de Pamplona, deixando mais de seis milhões de euros do Real Betis. A passagem pelo Mirandés em 2022/23 foi fundamental para este desfecho, conseguindo ser o vice artilheiro da competição.

Emprestar jogadores aos “jabatos” tornou-se uma medida inteligente que pode ser aplicada por qualquer equipa da LaLiga, que queira que os seus jovens se desenvolvam num ambiente de qualidade e onde saiba que vão ter minutos.

Na presente época, o Mirandés conta com dez jogadores cedidos, para todas as posições do campo, sendo que alguns já começaram a mostrar serviço. É praticamente metade do plantel. Carlos Martín, avançado emprestado pelo Atlético de Madrid, e com experiência na equipa principal dos “colchoneros”, é o nome com mais probabilidade de conseguir explodir, marcando inclusivamente dois golos na primeira jornada. Também há que dar atenção a outros dois jovens que estão emprestados: Diego Moreno e Gabriel Martínez.

O primeiro, lateral direito de 22 anos, com 14 jogos realizados pelo Osasuna na temporada passada, pode vir a ser um destaque de todo o campeonato e ser reintegrado na equipa de Arrasate. O segundo, é um extremo direito com 20 anos e idade e que na temporada passada esteve em grande no San Fernando, sendo a época 2023/24 mais um passo em frente na sua carreira, mantendo o seu contrato com o Girona, que deverá conseguir tirar proveitos a nível desportivo e financeiro com o jovem espanhol, a médio prazo.

Com a aplicação desta política, a média de idade do onze titular do Mirandés é de 21,4 anos, o segundo valor mais baixo, apenas ultrapassado pelo Villarreal B, que faz sentido ter uma média de idades pequena, já que o seu principal objetivo é formar. Outro ponto que impressiona, na análise desta caraterística, é a diferença dos “rojillos” para a terceira equipa com uma média de idades mais baixa, que é o FC Andorra, com 24,3 anos, um bom número, mas muito mais próximo da mediana, em comparação com os outros dois exemplos.

Se olharmos no médio e longo prazo, esta política acaba por perder o interesse. A verdade é que os jogadores se desenvolvem notoriamente no Anduva, tornando o Mirandés um passo fundamental para as suas carreiras. No entanto, o clube nunca conseguirá almejar por algo mais, porque lhe falta o essencial: a base. Ao não ocorrer a manutenção de alguns jogadores por dois/três/quatro anos, é complicado atingir a luta pela promoção, ou sequer assumir essa batalha. Todas as pré-temporadas são literalmente um “começar de novo”. Neste último caso, inclusivamente com a entra da de uma nova equipa técnica, já que Joseba Etxeberria rumou ao Eibar, deixando o banco órfão de um timoneiro por alguns dias. Alessio Lisci também teve de fazer essa adaptação, além de receber muitos jovens e atletas provenientes de todas as partes de Espanha e que apenas vão ficar por um ano.

Com a opção tomada pela diretiva, o Mirandés passa as suas temporadas a trabalhar para outros clubes, que inclusivamente podem estar na mesma divisão. José Salinas é um exemplo deste ponto, já que tem contrato com o Elche, onde deverá ser titular, após um ano em Miranda de Ebro. Não é de estranhar que possam chamar a este emblema um entreposto.

É fácil de entender a ideia de que o Mirandés poderá passar mal sem estes empréstimos. A não ser que venda um jogador de muita qualidade, com o qual tenha contrato por um grande valor, que neste momento não existe, é praticamente possível montar uma equipa de “meio de tabela” sem depender das cedências, já que são muitos os atletas que teriam que chegar e a maioria não teria o nível dos jovens que já atuaram no Anduva. Toda a operação seria difícil de dirigir em apenas um mercado de transferências, por muito bom scouting que exista e uma hipotética utilização de certos valores da equipa B. No fundo, esta questão tornou-se como um suporte essencial de vida, já que o Mirandés é totalmente dependente de cessões e não se imagina a realização de um “desmame”.

O valor atual do plantel é de pouco mais de nove milhões de euros, apenas à frente de Ferrol, Alcorcon, Eldense e Amorebieta. Se contarmos apenas com os ativos que pertencem de verdade ao Mirandés, este número tem uma grande quebra.

Toda esta situação acaba por ser uma “faca de dois gumes”, já que existem bons jogadores que podem ser aproveitados em 42 jornadas, mas que não se irá conseguir retirar o melhor partido deles, sendo que outros o irão fazer, por vezes sem grande mérito. O Mirandés está preso no meio da tabela por causa disto, sendo uma situação difícil de solucionar, mas que não aparenta incomodar os adeptos, pelo menos para já. Não existe lucro, balanços financeiros muito positivos, que são fundamentais para um clube, qualquer um que seja, possa lutar por algo mais.

Não será fácil descobrir uma perspetiva evolutiva e que ao mesmo tempo seja sustentável, de modo a libertar o Mirandés desta política, que consegue trazer resultados dentro das quatro linhas, mas que em tudo o resto é nula.

Como conclusão, concordando ou não com a política aplicada, esta estratégia pode ser analisada em vários prazos, que nos dão duas perspetivas bastante distintas de ver o tema. O projeto desportivo depende de qual a primazia que é dada. Neste caso, os resultados são para ser imediatos, existindo o pensamento época a época, algo que impende um alargar de horizontes.


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