Os jogadores e o direito a fazerem birra

Ricardo João LopesAgosto 24, 20256min0

Os jogadores e o direito a fazerem birra

Ricardo João LopesAgosto 24, 20256min0
Terá sido o comportamento de Viktor Gyökeres uma birra? Ricardo João Lopes explica a sua opinião neste artigo para o Fair Play

O mercado de transferências marca um período em que clubes e jogadores sofrem com rumores a nível diário, quer de entradas, quer de saídas. No futebol profissional, falando de campeonatos de primeira categoria, os emblemas salvaguardam as suas peças mais importantes geralmente com contratos médios/longos, sendo que em alguns estão incluídos uma cláusula de rescisão.

Esta cláusula pode vir a ser fundamental. Se em certos exemplos, sabemos de antemão que a mesma jamais será atingida, em outros passa a ser uma salvaguarda para as equipas detentoras dos passes dos jogadores, que podem negociar a existência da mesma, tal como todos os pontos de um vínculo.

Outrora, víamos atletas a realizarem a totalidade das carreiras em X ou Y emblema, algo apreciado pelo público. Quiçá Francesco Totti seja o exemplo mais notório deste tipo de casos, que marcam uma era. No entanto, há jogadores que são igualmente apreciados pelos aficionados, mesmo não representando as equipas durante todas as temporadas enquanto futebolistas: Três exemplos bem específicos em Portugal: Sebastián Coates, Luisão e Pepe. Destes três, somente o último deixou a Primeira Liga para representar um gigante europeu. Os dois primeiros certamente tiveram propostas das Big 5 (o uruguaio atuou inclusivamente em Liverpool e Sunderland antes de se afirmar em Alvalade), mas optaram por manter-se em Lisboa, ganhando o carinho dos adeptos.

Não estamos a falar de exemplos dos anos 60 ou dos anos 70, mas são jogadores de outra geração, que realizaram a sua infância e adolescência longe da internet. O futebol foi a salvação para muitos e o maior sonho era representar o emblema do coração.

Hoje em dia os futebolistas estão a tornar-se cada vez mais individualistas, colocando em primeiro lugar o que o privilegia em lugar da instituição, que é quem lhe paga o ordenado ao final do mês. Viktor Gyokeres é o grande exemplo do que é ter um péssimo comportamento. O sueco fez história pelo Sporting, sendo possivelmente o melhor ponta de lança que passou por Portugal nos últimos 15/20 anos. Já se adivinhava uma saída para bem longe de Alvalade no verão de 2025, até porque a sua cláusula de 100 milhões de euros poderia chamar a atenção de alguns tubarões (acabou por não acontecer). Não estamos aqui para avaliar o negócio que o levou para o Arsenal, mas sim as suas atitudes.

Viktor Gyokeres não se apresentou no centro de treinos no dia proposto, sendo que inclusivamente foram-lhe concedidos mais dias de férias que aos demais. O ponta de lança pensou que ao faltar ao começo dos trabalhos iria conseguir forçar uma mudança para Londres, mas apenas logrou que os adeptos deixassem de o admirar, para desejarem o seu não regresso. O jogador mostrou uma falta de profissionalismo ao não se apresentar em Alcochete, desobedecendo a ordens superiores.

Ninguém obrigou Viktor Gyokeres a assinar um contrato de X anos, com uma cláusula de rescisão. O escandinavo fê-lo de bom grado, sabendo que o seu passe passaria a estar nas mãos do Sporting, que teria o direito de aceitar ou rejeitar qualquer proposta abaixo dos 100 milhões de euros, a sua cláusula de rescisão. Frederico Varandas inclusivamente afirmou que aceitaria ofertas de 80 milhões de euros, facilitando a sua saída.

O avançado contava com o sonho de atuar na Premier League, mas ‘esqueceu-se’ do mesmo quando assinou pelo Sporting, já que o mesmo contava com propostas do principal escalão do futebol inglês, onde seria seguramente um protago\nista. Claro que o Viktor Gyokeres não é um caso único, há múltiplos por aí, tais como Alexander Isak ou Wissa.

O futebolista é um trabalhador com diretos e deveres. Os jogadores de topo têm salários que poucas profissões podem igualar e são seguidos por milhares de pessoas. Imaginem o que aconteceria a uma pessoa que fizesse no seu trabalho o que Viktor Gyokeres fez no seu? Certamente levaria um castigo pesado, com um possível despedimento à vista. Hoje em dia, o jogador de futebol procura crescer na carreira, sem se lembrar que tem obrigações por cumprir. Interessa cada vez menos a idolatria, mas sim a conta bancária e o sucesso individual.

Nestes casos, de jogadores que auferem muito mais que a média da profissão, a razão tem que ser atribuída às instituições. O Sporting seguramente não iria dificultar a saída de Vitor Gyokeres para o Arsenal caso o avançado tivesse realizado a pré-temporada. Os gunners é que teriam que apresentar uma oferta que agradasse todas as partes. O sueco manter-se-ia nos corações dos sportinguistas se não fizesse o ‘filme’ que acabou por fazer e que lhe ficou muito mal à vista de quase todos.

Estas birras não ficam bem a ninguém quando não têm motivo. Obviamente, se falarmos em salários em atraso ou outros direitos violados, a situação muda de figura, já que direitos e deveres são para as duas partes. Naturalmente que os atletas têm o direito de estarem descontentes, caso trabalhem e não usufruam dos resultados do seu esforço. Porém, o exemplo de Viktor Gyokeres não faz parte destes tristes casos que assolam o futebol nacional e internacional

Infelizmente a tendência é piorar. Os jogadores são cada vez mais afetados pelos empresários e procuram novos destinos demasiado jovens, quando ainda não têm uma opinião própria formada. Os futebolistas são cada vez mais apanhados em escândalos fora do campo, o que afeta a sua profissão (veja-se o caso de Neymar Júnior), colocando a sua imagem em causa e as dos colegas. Viktor Gyokeres conseguiu cumprir o seu desejo (Alexander Isak e Wissa também o devem conseguir), mas a atitude que tomou foi totalmente errada e o Arsenal também terá que estar atento. Imaginemos que o Real Madrid vê no sueco um grande alvo para o verão de 2026? Como podemos confiar que o avançado não fará o mesmo que fez para rumar ao Emirates? A desconfiança assombra o mundo do futebol e não deveria ser assim. Antes de serem futebolistas, os jogadores são homens que deveriam ter valores e integridade, algo que se está a esvair com o tempo.


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