Monomotapa UFC, o Campeão do Zimbabué com pronúncia portuguesa

Francisco da SilvaFevereiro 25, 20186min0

Monomotapa UFC, o Campeão do Zimbabué com pronúncia portuguesa

Francisco da SilvaFevereiro 25, 20186min0
Viaje com o Fair Play pelo lendário Reino do Mutapa que, 300 anos após o seu colapso, viria o seu nome saltar agora para a ribalta do futebol do Zimbabué.

A rubrica Futebol Popular irá viajar ao Zimbabué onde o Fair Play irá transportá-lo pelas profundezas de um império lendário africano cujo o seu destino final viria a ser traçado pela ambição desmedida dos descobridores portugueses. Em 2008, o império renasceria, agora no espaço futebolístico onde um emblema de pronúncia portuguesa conquistaria o Zimbabué.


A deusa Clio, divindade grega da História, certamente que guarda com carinho um dos capítulos mais emblemáticos e autênticos da história de África. Corria a década de 20 do século XV quando o príncipe Nyatsimba Mutota decidiu abandonar o conforto de um reino Chona sulista e procurar novos recursos minerais mais a norte. Cedo encontrou terreno agrícola fértil e diversos recursos, o que o levou a fixar-se nessa zona, dando posteriormente origem a uma sociedade denominada de Mutapa ou Mwenemutapa (chefe da terra conquistada), fruto de sucessivas anexações de território. O maior impulsionador deste novo reino foi Matope, filho de Mutota, que depois de suceder ao seu pai empreendeu uma série de campanhas de expansão territorial que estabeleceu novos limites: a norte pelo Rio Zambeze, a sul pelo Rio Limpopo, a este pelo Oceano índico e a oeste pelo Deserto do Calaári.

Na entrada para o século XVI, os primeiros descobridores portugueses começaram a ficar cada vez mais curiosos e intrigados com o Reino de Mutapa, especialmente devido ao testemunho de Tomé Lopes. Este companheiro de viagem de Vasco da Gama nas viagens à Índia ficou de tal modo impressionado com as ruínas abandonadas do Grande Zimbabué, civilização dominante pré-Mutapa, que identificou Mwenemutapa como a bíblica terra de Ofir onde estariam as famosas minas de ouro do Rei Salomão. Com base nesta premissa, Vasco da Gama e Tomé Lopes convenceram a coroa portuguesa a realizar expedição comerciais e militares no sul e no litoral do continente africano, incluindo neste território lusitanamente cognominado de Monomotapa.

A convivência entre os exploradores portugueses e o Reino de Mutapa estabeleceu-se oficialmente na década de 50 do século XVI, no entanto, a relação entre estes 2 impérios não foi de todo pacífica, somando-se convulsões sociais, conflitos armados e, por fim, a subjugação dos Monomotapa ao domínio português. No final do século XVII, enquanto os portugueses se protegiam das tribos ascendentes do continente nas fortificações de Sofala e Moçambique, o Reino de Mutapa encontrava-se desagregado, abandonado à sua mercê e fortemente pressionado pela ascensão da dinastia Rozwi no Reino de Butwa. O fim da presença portuguesa nos Monomotapa aconteceu em 1693 quando Changamire Dombo, chefe do Reino de Butwa, expulsou militarmente os portugueses em 2 anos, forçando-os a atravessar o Rio Zambeze.

1695 marcaria o fim do Reino de Mutapa. Desde então, a deusa Clio jamais teceu linhas históricas intemporais desta civilização que marcou a história do continente africano, alimentou mitos da riqueza salomónica e perpetuou o papel de colonizador deste pequeno retângulo plantado à beira-mar.

Selo a assinalar a passagem portuguesa por Mutapa | Fonte: Revision Online

A Herança Lusitana na Premier Soccer League

A densidade e qualidade da informação futebolística do Zimbabué é diretamente proporcional à transparência e paz institucional que se vive neste país do sul de África. Porém, algumas histórias, estatísticas e observações recolhidas ostensivamente permitem-nos elaborar um quadro rudimentar da realidade futebolística do Zimbabué.

A Premier Soccer League teve a sua primeira edição em 1962, quando este território fértil do continente africano ainda integrava o império colonial britânico, consagrando como campeão o poderoso Dynamos Football Club. Durante as décadas seguintes, o país então conhecido como “Rodésia” atravessou uma fortíssima convulsão económica e social que viria a culminar numa sangrenta guerra civil, na proclamação da “República do Zimbabué” e na ascensão de Robert Mugabe. Se o panorama socioeconómico sofria uma profunda transformação, o domínio futebolístico continuava a pertencer ao Dynamos. Em 45 edições disputadas da principal liga zimbabueana até ao momento, os glamour boys conquistaram o trono em 22 temporadas. Contudo, a história mais bonita do Desporto Rei na outrora Rodésia viria a escrever-se em 2008.

Corria o ano de 2003 quando nascia oficialmente a 1 de Janeiro nos arredores de Harare, capital do Zimbabué, o emblema Monomotapa United Football sob a insígnia “Our Football Empire Never Rests” (traduzido à letra significa “O Nosso Império Futebolístico Nunca Descansa”). O objetivo dos fundadores do clube era, inspirando-se numa designação sagrada da história do país com origem nos exploradores portugueses, constituir uma instituição capaz de ombrear com os principais emblemas do Zimbabué, sendo que o slogan dos Monomotapa pretendia claramente definir o nome e a visão do clube.

Durante as duas temporadas seguintes, os monoz disputaram dolorosamente os escalões secundários do futebol zimbabueano até que finalmente em 2005 o Monomotapa United estreava-se na Premier Soccer League, onde iria disputar a coroa com os Glamour Boys do Dynamos, os bossos do Highlanders e a green machine do CAPS United. A estreia não foi fácil, no entanto, o clube white and red foi ganhando e consolidando ano após ano o seu espaço entre os principais emblemas do país. Em 2008, o império sagrada renasceria, agora no espaço futebolístico. Após 30 jornadas intensamente disputadas, o modesto clube de Harare superou o favorito Dynamos e conquistou pela primeira vez na sua história o ceptro de campeão nacional do Zimbabué. O cume do Olimpo futebolístico tinha sido pintado de vermelho e branco, rendido ao talento dos herdeiros do Reino de Mutapa.

Ironicamente, a participação na Liga dos Campeões Africanos em 2009 tornar-se-ia o ponto de inflexão do sucesso desportivo do Monomotapa United. Desde então, o emblema viu o seu rendimento cair drasticamente, ao ponto de na temporada de 2013 os monoz terem sido relegados para o segundo escalão do modesto futebol zimbabueano. Os 26 pontos conquistados nessa época seriam os últimos do futebol “profissional” dos Monomotapa. Em 2014, o clube foi dissolvido e tornou-se exclusivamente uma academia de formação de talentos.

A herança lusitana nos Monomotapa terminou oficialmente em 1695, contudo, mais uma vez, o Desporto Rei mostra-nos como é mestre em elevar a história mundial, por mais esquecida, colonial e sangrenta que esta seja. Dificilmente os portugueses terão nova oportunidade de celebrar a conquista da Premier Soccer League pelos Monomotapa como se de um emblema nacional se tratasse, porém, quiçá o legado de Mutota não inspire os zimbabueanos mais talentosos e, nos confins de Harare, não renasça o emblema dos monoz.

Emblema do Monomotapa UFC | Fonte: Amazon

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