Itália, Anos de Chumbo e Futebol – Parte II
Não se pode ter uma compreensão da história política da Itália contemporânea sem analisar as eleições gerais dos idos de 1948. E estas não são compreendidas sem analisar a geografia europeia da “Guerra Fria”. Num vislumbre rápido do mapa europeu, apenas havia 6 estados pró-EUA (Republica Federal Alemã, França, Áustria, Portugal, Espanha e Suíça), portanto uma vitória do Partido Comunista Italiano nas eleições de 1948, poderia ser um duro golpe para Washington.
Por ordem de Harry S. Truman, foram entregues 1 milhão de dólares à CIA para financiar partidos de direita, especialmente o Democrazia Cristiana. Ao mesmo tempo, no sul houve campanhas de intimidação de militantes comunistas e socialistas – com mortes, inclusivamente -, recorrendo aos serviços das mafias sicilianas e napolitanas.
As eleições foram disputadas entre o Democrazia Crisitiana (liderada por Alcides Gaspari) e o Frento Democratico Popolare (uma coligação de socialistas e comunistas, dirigidas por Palmiro Togliatti – o sucessor do mítico Antonio Gramsci no PCI). O resultado das eleições foi o que se previa, uma vitória da Democrazia Cristiana, com a Itália a ser um membro fundador da NATO/OTAN no ano seguinte (1949).
A entrada da Itália para a NATO não foi nada pacífica, especialmente na zona geográfica onde o PCI tinha mais força politica. E é nesses protestos, que começa o ciclo de violência política que marcará a fase seguinte. Luigi Trastuli, um jovem (21 anos) operário de fábrica que participava num protesto, é assassinado com três tiros no peito por militantes de extrema-direita. Doravante, quer a esquerda, quer a direita começam a advogar a lutar armada como meio político.
Na década de 60, vários movimentos de esquerda começam a autogestionar fábricas e organizar greves. Com o escalar da violência política nas ruas, os dois principais partidos italianos assinam um acordo que chamaram de “Compromesso Storico” (Compromisso Histórico). Enrico Berlinguer (PCI) e Aldo Moro (DC) juntam assim os “seus” partidos em 1973 causando, em muitos militantes de extrema-esquerda, um sentimento de traição. Pois, muitos não haviam esquecido a história recente da eleição de 1948.
Daí para a frente há um escalar da violência política, as Brigadas Vermelhas raptam Aldo Moro durante 55 dias, assassinando-o ao fim desse período.
Como futebol é política – ao contrário do que muitos dizem – tudo isto se manifestou nas curvas dos estádios italianos. Uma das primeiras claques a aparecer com uma ideologia de esquerda foram os Fedayn da Roma. Rivais dos Irriducibili, os Fedayn escolheram o seu nome em homenagem aos guerrilheiros palestinianos que estavam a iniciar as suas primeiras ações. Mais tarde esta claque juntar se ia a outras claques e formariam os C.U.C.S. – mas estes já não tinham uma ideologia política definida, havendo convívio de várias tendências.
A zona onde mais se manteve essa definição do campo ideológico foi na zona forte do PCI, a Emilia-Romagna e Tocasna. As Brigate Autonome Livornese (BAL) apenas nascem em 1999 – daí o grande Cristiano Lucarelli jogar com número 99 -, mas são herdeiras de toda uma tradição que começou com o Gruppo Autonomo e os Sbandati. A formação das B.A.L. está ligada à necessidade de fazer uma grande claque antifascista, ao invés de ter vários grupos menores no estádio. Por iniciativa das B.A.L. formou-se uma agrupamento de ultras que tinham uma ideologia politica definida (comunista) e que se deveriam opor abertamente ao crescimento do fascismo nos estádios, essa união designou-se Fronte di Resistenza Ultras – era composta por ultras do Ternana, Ancona, Modena, Casertana, Savona e Cosenza.
Todos estes ultras recuperaram músicas como Bandiera Rossa (hino do PCI), Fischia il Vento e Bella Ciao (hinos partisans). Rostos do Che Guevara, Stalin e foices e martelos abundam nos seus tifos e bandeiras.
Este extremar de posições políticas foi importantíssimo para o começo do movimento Ultra em Itália, que depois se difundiu por toda Europa.
Imagens: na galeria de imagens desta publicação podemos ver dois mapas, um das eleições italianas de 1948 e outro da localização das claques que se definem politicamente como extrema direita. Se observarmos com atenção, verificamos que a zona onde o PCI ganhou as eleições, não há claques que – pelo menos abertamente – se definam como de direita.