Itália, Anos de Chumbo e Futebol – Parte II

João FreitasJaneiro 26, 20204min0

Itália, Anos de Chumbo e Futebol – Parte II

João FreitasJaneiro 26, 20204min0
O outro lado da moeda dos Anos de Chumbo e das lutas partidárias dentro e fora dos relvados explicados em mais um artigo da Enciclopédia do Desporto em Português

Não se pode ter uma compreensão da história política da Itália contemporânea sem analisar as eleições gerais dos idos de 1948. E estas não são compreendidas sem analisar a geografia europeia da “Guerra Fria”. Num vislumbre rápido do mapa europeu, apenas havia 6 estados pró-EUA (Republica Federal Alemã, França, Áustria, Portugal, Espanha e Suíça), portanto uma vitória do Partido Comunista Italiano nas eleições de 1948, poderia ser um duro golpe para Washington.

Por ordem de Harry S. Truman, foram entregues 1 milhão de dólares à CIA para financiar partidos de direita, especialmente o Democrazia Cristiana. Ao mesmo tempo, no sul houve campanhas de intimidação de militantes comunistas e socialistas – com mortes, inclusivamente -, recorrendo aos serviços das mafias sicilianas e napolitanas.

As eleições foram disputadas entre o Democrazia Crisitiana (liderada por Alcides Gaspari) e o Frento Democratico Popolare (uma coligação de socialistas e comunistas, dirigidas por Palmiro Togliatti – o sucessor do mítico Antonio Gramsci no PCI). O resultado das eleições foi o que se previa, uma vitória da Democrazia Cristiana, com a Itália a ser um membro fundador da NATO/OTAN no ano seguinte (1949).

A entrada da Itália para a NATO não foi nada pacífica, especialmente na zona geográfica onde o PCI tinha mais força politica. E é nesses protestos, que começa o ciclo de violência política que marcará a fase seguinte. Luigi Trastuli, um jovem (21 anos) operário de fábrica que participava num protesto, é assassinado com três tiros no peito por militantes de extrema-direita. Doravante, quer a esquerda, quer a direita começam a advogar a lutar armada como meio político.

Na década de 60, vários movimentos de esquerda começam a autogestionar fábricas e organizar greves. Com o escalar da violência política nas ruas, os dois principais partidos italianos assinam um acordo que chamaram de “Compromesso Storico” (Compromisso Histórico). Enrico Berlinguer (PCI) e Aldo Moro (DC) juntam assim os “seus” partidos em 1973 causando, em muitos militantes de extrema-esquerda, um sentimento de traição. Pois, muitos não haviam esquecido a história recente da eleição de 1948.

Daí para a frente há um escalar da violência política, as Brigadas Vermelhas raptam Aldo Moro durante 55 dias, assassinando-o ao fim desse período.

Como futebol é política – ao contrário do que muitos dizem – tudo isto se manifestou nas curvas dos estádios italianos. Uma das primeiras claques a aparecer com uma ideologia de esquerda foram os Fedayn da Roma. Rivais dos Irriducibili, os Fedayn escolheram o seu nome em homenagem aos guerrilheiros palestinianos que estavam a iniciar as suas primeiras ações. Mais tarde esta claque juntar se ia a outras claques e formariam os C.U.C.S. – mas estes já não tinham uma ideologia política definida, havendo convívio de várias tendências.

A zona onde mais se manteve essa definição do campo ideológico foi na zona forte do PCI, a Emilia-Romagna e Tocasna. As Brigate Autonome Livornese (BAL) apenas nascem em 1999 – daí o grande Cristiano Lucarelli jogar com número 99 -, mas são herdeiras de toda uma tradição que começou com o Gruppo Autonomo e os Sbandati. A formação das B.A.L. está ligada à necessidade de fazer uma grande claque antifascista, ao invés de ter vários grupos menores no estádio. Por iniciativa das B.A.L. formou-se uma agrupamento de ultras que tinham uma ideologia politica definida (comunista) e que se deveriam opor abertamente ao crescimento do fascismo nos estádios, essa união designou-se Fronte di Resistenza Ultras – era composta por ultras do Ternana, Ancona, Modena, Casertana, Savona e Cosenza.

Todos estes ultras recuperaram músicas como Bandiera Rossa (hino do PCI), Fischia il Vento e Bella Ciao (hinos partisans). Rostos do Che Guevara, Stalin e foices e martelos abundam nos seus tifos e bandeiras.

Este extremar de posições políticas foi importantíssimo para o começo do movimento Ultra em Itália, que depois se difundiu por toda Europa.

Imagens: na galeria de imagens desta publicação podemos ver dois mapas, um das eleições italianas de 1948 e outro da localização das claques que se definem politicamente como extrema direita. Se observarmos com atenção, verificamos que a zona onde o PCI ganhou as eleições, não há claques que – pelo menos abertamente – se definam como de direita.

Foto: RT

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