José Mourinho, um caso de ódio (in)explicado

Pedro AfonsoSetembro 13, 201812min0

José Mourinho, um caso de ódio (in)explicado

Pedro AfonsoSetembro 13, 201812min0
Mourinho chega a Manchester com o cunho de vencedor e a esperança de ser o Salvador de um United em decadência. Passados 3 anos, parece faltar paciência e reconhecimento de um trabalho árduo que ainda está no início. Haverá esperança para o futuro de Mourinho em Old Trafford?

A chegada de José Mourinho a Old Trafford veio concretizar um desejo e um namoro de há vários anos, com todos os intervenientes do futebol inglês a concordarem que se tratava de algo inevitável. A saída de Ferguson do leme dos “Red Devils” deixou um vazio no banco do United que Moyes e Van Gaal foram incapazes de colmatar. Faltavam títulos, faltava atitude, faltava arrogância, e quem melhor do que Mourinho para devolver essa glória a um gigante adormecido? Mas uma incógnita persistia: estaria Mourinho capaz de controlar a sua personalidade conflituosa e iniciar um reinado de longos anos?

Problemas filosóficos

A Direção do United não conseguiu colocar o dedo na ferida e compreender verdadeiramente a fonte dos problemas que assolam atualmente o clube (e que são os mesmos de há 3 anos atrás). Ferguson tinha uma maneira de trabalhar e gerir a equipa do Man Utd que parece não ter lugar no futebol atual. Fergie não era um treinador, era um manager, e esta diferença não se prende apenas com o nome, mas estende-se à própria filosofia de gestão do clube e para a qual a direção do clube não estava preparada.

Cada treinador tem as suas valências específicas e vertentes do Desporto onde são mais fortes e apenas dois ou três treinadores se aproximam do perfil que Ferguson apresentava, com Mourinho à cabeça. O “velho escocês” não era um prodígio tático e, curiosamente (ou não), os seus grandes sucessos apareceram nas épocas em que tinha melhores jogadores. Ferguson era, no entanto, um mestre na gestão das relações interpessoais e na descoberta de novos talentos e na sua potenciação. O português não foge muito a este perfil, alterando-se o foco da descoberta de novos talentos para o aproveitamento do já existente e no seu “espremer” até ao tutano.

Como todos os grandes treinadores, também tinha grandes jogadores (Fonte: Goal.com)

O problema é que a Direção parece não compreender que a contratação de Mourinho não acarretava apenas e só a contratação de um treinador, mas sim a alteração de todo o paradigma de gestão do clube, tendo de abdicar de partes da mesma que poderiam não querer abdicar (como o controlo das contratações), bem como um investimento mais avultado do que aquele que foi feito com os seus antecessores, algo que voltaria para assombrar o português…

A Falácia do Investimento

Os clubes apenas vencem quando têm os melhores jogadores. Esta verdade “la palissiana” parece ter sido esquecida nos últimos anos, onde o foco se voltou para os modelos de jogo e para as rotinas técnico-táticas. Se é verdade que, em última instância, são os modelos que definem os vencedores entre equipas de valia semelhante, antes de chegarmos a esta discussão é necessário que as equipas se equiparem. E urge terminar com uma falácia que rodeia o plantel do United: não está recheado de jogadores de classe mundial, muito menos é comparável ao dos seus rivais diretos.

Mourinho herdou um plantel de Van Gaal com enormes lacunas e pouquíssimos jogadores de classe mundial. Jogadores como Daley Blind, Schweinsteiger, Schneiderlin, Rooney e Depay mostraram não estar à altura para estes voos e o papel do português foi o de limpeza do plantel. Poderão discutir a legitimidade do português para a mesma, mas a verdade é que passados 3 anos, os jogadores que foram dispensados por Mourinho não conseguiram almejar a mais do que clubes de segunda linha europeia ou até a Liga MLS.

Apesar de ser indiscutível aos olhos dos adeptos, Rooney foi incapaz de singrar no Everton e está agora na MLS… (Fonte: Skysports)

Os que ficaram, como Phil Jones, Marcos Rojo, Darmian, Smalling, Martial, Fellaini, entre outros, demonstraram ser muito curtos para um clube da dimensão do United. Um exercício rápido de análise destes jogadores faz-nos perceber que não teriam lugar em qualquer um dos rivais do United e o seu destino seria, também, o de singrar num clube de segunda linha europeia.

É óbvio que Mourinho não está isento de culpas na incapacidade de retirar o melhor de jogadores como Juan Mata, Ander Herrera, Luke Shaw ou até de Pogba, mas este é o mesmo Mourinho que transformou Lingard e Rashford em importantes (ainda que ambos tivessem dificuldades em afirmar-se no 11 dos rivais), dar uma nova vida a Valencia, Young e Fellaini.

É também óbvio que Mourinho investiu muito e nem sempre bem: Bailly e Lindelof parecem ter sido erros de casting, com ambos a custarem cerca de 30M€; Pogba ainda não fez nada que justificasse os 100M€ que o United investiu em si (apesar de o francês achar que sim); Mkhitaryan foi um flop (apesar de o continuar a ser no Arsenal); e Sánchez parece longe do craque que se mostrou no Emirates.

O arménio continua a ser figura marginal, apesar do seu enorme talento (Fonte: Independent)

Diga-se o que se disser, uma análise dos plantéis dos adversários demonstram uma maior profundidade que não é passível de ser obtida com 3 idas ao mercado, mas que vem de uma estabilidade prévia do clube, com maior matéria prima para trabalhar. Apenas Liverpool partia da mesma posição que o United e, até agora, tem ficado atrás do United…

Ilusões de Grandeza

O que nos leva a um problema estrutural que afeta muitos clubes europeus, como AC Milan, Inter de Milão, Sporting CP, Valência, Lyon, Schalke…, que é a sensação de uma relevância desportiva que já não existe. Todos os clubes vivem de títulos e de resultados, algo que o United não tem desde a saída de Ferguson.

Nos últimos 10 anos, o Manchester United conquistou 2 títulos da Premier League (ambos conquistados por Alex Ferguson), 4 FA Community Shield, 1 FA Cup, 1 Liga Europa e 2 Football League Cup. Destes 12 títulos, Mourinho foi responsável por 3, Van Gaal por 1, Moyes por 1 e Ferguson por 7. Desde a saída de Ferguson que o United nunca havia terminado a Liga acima do 4º lugar e a classificação mais baixa fora o 7º lugar no ano de Moyes (2013/2014). Quanto a competições europeias, apenas Mourinho foi capaz de trazer mais um troféu (inédito na história do clube), num ano em que o clube nem se qualificara para a Champions League.

O saudosismo deturpa a memória: o holandês não era nem mais simpático, nem praticava melhor futebol nem contratava melhor que Mourinho (Fonte: Skysports)

Parece claro que o United deixou de ser um clube intocável no futebol europeu e, até no futebol inglês, algo que os adeptos e a própria direção do clube teimam em não compreender. A história não ganha títulos, não convence jogadores (basta ver a nega que Boateng deu ao United este mercado de Verão) e não traz futebol bonito sem paciência da massa adepta. O clube precisava de títulos e Mourinho conseguiu-os. Se o futebol é bonito (que não é), é uma discussão distinta, mas os problemas de base do United são mais profundos do que a beleza com que a equipa vence em campo: é mesmo a falta de resultados em campo, e que Mourinho contrariou, que denotam a incapacidade de lidar com uma nova realidade de um clube que sempre foi grande.

As Fake News

A história de Mourinho em Inglaterra é bem mais antiga do que 2015 e Mourinho está ainda a pagar pela sua chegada meteórica a Terras de Sua Majestade. A sua postura agressiva, as suas frases controversas, as críticas abertas aos órgãos de Comunicação Social e até aos árbitros transformaram o português numa figura explosiva que contrastava com o clima de Fair Play que reinava em Inglaterra.

Mourinho nunca mudou e as suas passagens por Milão, Madrid e o seu regresso a Londres foram pautadas por controvérsias desnecessários e momentos tristes por parte do técnico português. Parece claro que o seu ingresso no United transformaria o português num dos alvos preferenciais da CS, sedenta de vingança. Para além disto, o panorama futebolístico inglês alterou-se, fruto também do advento das redes sociais. Tal como em Portugal, existem muitos programas de análise futebolística, mas estes com grande ênfase nas componentes de análise das equipas e não de fait divers. O que não invalida que os intervenientes, como Carragher, Neville, Ferdinand, Giggs, Gerrard, entre outros, não possuam a sua agenda própria e influenciem a opinião pública acerca do que é “bom” e “mau” futebol.

Um já falhou de forma esclarecedora num clube europeu, o outro nem sequer teve a oportunidade de tentar… (Fonte: TEAMtalk)

O Futebol Apoiado é a nova Moda e existe um esforço coletivo por parte dos “entendidos” em Futebol de o passar como a única forma de praticar o Desporto. E é, então, normal que treinadores com modelos de jogo aborrecidos mas eficazes, como Mourinho, se apresentem como os vilões que atrasam o desenvolvimento do Desporto num País que há muito perdeu a preponderância e importância de Fundador do Futebol. Este fenómeno é transversal a todos os Países, e apenas assim se justificam os ataques cerrados a treinadores como Mourinho enquanto treinadores como Klopp, Emery e Tuchel, que falharam em momentos capitais com as suas grandes equipas, se consigam esquivar a críticas tão cerradas por parte da Imprensa.

Mourinho pôs-se a jeito, mas nada justifica um enxurrilho de notícias como aquelas que foram lançadas no último mês acerca do português, desde a derrota com o Brighton (em cada ponto pode clicar para aceder a uma notícia correspondente ao que falamos):

Mas no meio desta comoção toda, pouco se fala da ausência de contratações sonantes para o clube, algo que os seus rivais não se coibiram de fazer, apesar do seu historial de investimento, da falta de caráter dos seus jogadores, com Pogba a falar de atitudes inadequadas em jogos que terminam em derrotas, do momento de comunhão do português com os adeptos no final do jogo com o Tottenham

Existe uma clara tendência da Comunicação Social para alvejar Mourinho, um alvo fácil, por sua própria culpa. Mas é também importante que o adepto saiba respeitar quem já provou vezes sem conta o seu valor e que saiba distinguir o trigo do joio no que toca a notícias, num momento da História onde tudo é digno de manchetes e urge vender. Se Mourinho é perfeito e está ao nível dos seus adversários? Não e pode nunca mais lá retornar. Se é o melhor treinador que o United poderia ter neste momento? Sim, apesar dos delírios de grandeza que fazem os adeptos acreditar que qualquer um faria um melhor trabalho que um dos melhores treinadores de todos os tempos. Nas palavras de Mourinho:


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS