Gabri Veiga e o fim do romantismo no futebol

Ricardo LopesSetembro 3, 20238min0

Gabri Veiga e o fim do romantismo no futebol

Ricardo LopesSetembro 3, 20238min0
Será que a saída de Gabi Veiga para a Arábia Saudita é a demonstração que o futebol europeu está em queda? Uma leitura à situação

O mercado de transferências do verão de 2023 trouxe a Arábia Saudita para a ribalta do futebol. Os milhões investidos conseguiram seduzir uma série de jogadores conhecidos e com boas carreiras na Europa, a juntarem-se a Cristiano Ronaldo, que já tinha prometido que a Liga Saudita seria uma das mais fortes do desporto rei.

Ao contrário do que assistimos no passado (inclusivamente no caso China), não foram somente atletas em final de carreira ou que atuavam em campeonato periféricos que aceitaram este desafio. Jogadores como Rúben Neves ou Jota, em pleno auge das suas capacidades e a serem apontado a grandes equipas do futebol europeu, optaram por seguir para o Médio Oriente, que não é propriamente conhecido pelo bom futebol praticado.

Anteriormente, quando ouvíamos falar ou liamos algo sobre a Arábia Saudita, geralmente eram jogadores de menor envergadura e que tinham passado por Portugal, que conseguiam ser as grandes estrelas do nosso campeonato. Até mesmo alguns técnicos lusos tinham passado por lá, em contratos geralmente curtos. No entanto, a Liga Portuguesa está patamares abaixo das Big 5 e imensos profissionais dos campeonatos mais competitivos aceitaram tal proposta, para o espanto do público geral.

Por muitas razões que se queiram oferecer para esta diáspora, o dinheiro foi o principal motivo dos atletas. E esta é sem dúvida uma justificação bastante viável, já que a carreira de atleta é curta, pode acontecer algum percalço e o capital que se ganha pode ser investido em outros negócios ou simplesmente em lazer, dando para ajudar toda a família. Poucos recusariam a possibilidade de ganhar em dois ou três anos aquilo que aufeririam em quinze, em qualquer tipo de trabalho. Por que razão um futebolista e um treinador dariam uma nega a uma proposta tão interessante a nível financeiro?

Apesar desta compreensão, há que olhar para o lado romântico do futebol, porque os atores deste mundo não ganham assim tão mal, quando chegados a este patamar. Se já raramente víamos casos de atletas que passavam toda a sua carreira em um só clube, ou mudavam apenas para um último contrato (exemplos de Totti ou Gerrard, por exemplo), algo comum nas décadas de 60 ou 70, os adeptos ambicionavam que um jogador construísse paulatinamente a sua carreira, de modo a alcançar o topo, disputando a Champions, ou até mesmo chegar a uma instituição que pudesse lutar mesmo pela conquista do título.

Porque são esse estilo de percursos que dão origem aos melhores livros, aos bons filmes e a grandes conversas de café. Com o surgimento da Arábia Saudita, este fenómeno não irá deixar de ocorrer, mas já não existirá a expressão “excepção à regra”, porque o caminho do Médio Oriente e da Europa vão passar a ser uma dúvida comum em todos os jogadores, inclusivamente os mais jovens.

Gabri Veiga é o exemplo perfeito de tudo isto. O médio espanhol estreou-se pelo Celta de Vigo em ainda em 2020/21, longe de se pensar no que se tornaria nos Balaídos. Em 2022/23 a sua explosão ocorreu na totalidade, com apenas vinte anos de idade (já tem vinte e um na data em que é escrito este artigo), à boleia de Carlos Carvalhal, que o tornou o centro do jogo da equipa (em parte o seu insucesso no final da temporada se deveu a isso, já que a dependência em um ou dois jogadores faz com que toda a exibição passe pelo momento de forma de tal/tais atleta/as). Na totalidade, Gabri Veiga fez trinta e nove jogos, marcando onze golos e dando quatro assistências, o que lhe abriu as portas de vários interessados na Europa, além de chamar a atenção de Luís de la Fuente, atual selecionador de Espanha.

Acima de tudo, os adeptos do Celta de Vigo viram que tinham uma promessa nos seus quadros que poderia representar um clube e a sua região (é natural de O Porriño). Por momentos, Iago Aspas deixou de ser a única estrela da equipa e Gabri Veiga poderia ser o seu digno sucessor na liderança de um balneário e de um projeto. Caso não quisesse ficar, renderia uma bela maquia aos cofres do emblema e iria jogar numa das melhores equipas europeias, algo que acaba por orgulhar o torcedor, nem que seja na típica conversa do “olhem, este aqui jogou na minha equipa e foi formado lá”.

O mercado de transferências prometia ter em Gabri Veiga um dos seus protagonistas e de facto isso aconteceu. O jovem foi apontado ao Real Madrid, ao Barcelona, ao Newcastle, ao Manchester City, mas ia terminar no Napoli. Não seria um mau destino ir representar o atual campeão italiano, a ganhar quatro vezes mais o seu salário na Galiza. O problema era que a negociação entre os dois clubes estava lenta. O Celta, desde o primeiro dia de mercado, apontou à clausula de rescisão da sua joia: quarenta milhões de euros. O Napoli e os outros clubes no máximo chegavam aos trinta e cinco, mas seria algo que em questão de dias ou poucas semanas iria ser solucionado. Porém, chegou um protagonista que poucos esperavam que Gabri Veiga levasse como prioridade: o Al Ahli.

Um dos quatro clubes adquiridos pelo PIF, não teve qualquer problema em bater o que era pedido pela entidade patronal do espanhol, fazendo com que a transferência apenas dependesse do atleta e seu respetivo representante. Foi oferecido a Gabri Veiga um salário liquido anual de doze milhões e meio de euros, longe do que Cristiano Ronaldo aufere, mas substancialmente superior ao que ganhava no Celta ou ao que poderia receber em Itália. A proposta foi aceite, levando inclusivamente a críticas de Toni Kroos, que disse que a mudança era embaraçosa. O médio alemão transmitiu o que a maioria dos adeptos do futebol sentiu naquele momento. Já Rafa Benítez, que aceitou na altura o convite do dinheiro chinês, compreendeu e apoiou a decisão, dando o exemplo de Ferreira Carrasco:

«O acordo com o Al-Ahli vai mudar de forma positiva a vida do Gabri Veiga. Dói, mas vai ajudar o clube financeiramente. Mudar-se para a Arábia tão novo? Não é só um lugar para velhos jogadores. Treinei o Carrasco na China, ele voltou à Europa e está a jogar a Liga dos Campeões».

Aos 21 anos, ia plenamente a tempo de contruir uma bela história, com vários capítulos, ou somente um. Ainda vai a tempo de realizar uma narrativa de sucesso, acabando por regressar à Europa e a clubes com maior destaque que o Celta de Vigo (é provável que isso aconteça). Porém, o facto de ter ido para o Al Ahli tão jovem, quando era o “menino bonito” da Galiza e do futebol espanhol, é algo que nunca conseguirá apagar.


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