A vertigem do sucesso num clube sem tempo nem tolerância
Ontem celebraram-se, entre muitas outras, duas efemérides futebolísticas. Duas efemérides de sinal contrário, uma delas relacionada com o Sporting e a outro pertence já às lendas do futebol mundial. Uma coincidência interessante e que serve de ponto de partida para este post e com especial enfoque na actual situação do Sporting Clube de Portugal.
O PASSADO… NEM TÃO RECENTE MAS PRESENTE
A coincidência:
A 6 de Novembro de 1986 Alex Ferguson foi nomeado treinador do Manchester United. Realizaria 1.500 jogos, contabilizaria treze Premier League, cinco FA Cups, quatro Taças da Liga, 10 Charity Shields Cup, duas Champions League, 1 Supertaça de Europeias , uma Taça Intercontinental, um Mundial de clubes.
Não se pense contudo que Sir Alex teve vida fácil em Manchester, como não havia tido em Aberdeen, de onde provinha. No clube da cidade escocesa de um dos mais importantes portos do Mar do Norte, demorou duas épocas para conseguir chegar à velocidade de cruzeiro nas conquistas. Frequentemente entalado entre Celtic, Rangers e Dundee United, o Aberdeen sairia do atoleiro onde se encontrava encalhado desde 1955, com Ferguson ao comando que daria o título, pela primeira vez na época 83/84, feito repetido na época seguinte.
Como já vinha vencendo a Taça da Escócia há três temporadas seguidas, os “Dons” haviam carimbado o ingresso na já extinta Taça das Taças. Aí, obrigou a Europa do futebol a perguntar quem eram estes escoceses. Quando a resposta chegou já eles iam de regresso com a conquista da competição, isto depois de eliminar o Bayern de Munich do mestre Udo Latek e dos seus alunos Pfaff, Klaus Augenthaler Dieter Hoeness e Rummenigge.
Bateria na final o sempre todo poderoso Real Madrid do mítico Di Stefano como treinador e jogadores Camacho, Juanito, Stielike e Santillana. Como registo curioso, assinale-se no ano seguinte o encontro nas meias-finais com FC Porto de Pedroto e Morais (que viria a ser técnico do Sporting por pouco tempo, vitimado por um acidente de viação) em que os da Invicta levariam a melhor até à final perdida de Basileia, ante a Juventus de Boniek e Platini.
Em Manchester seria bem pior. Já ninguém acreditava que este escocês de Glasgow seria capaz de interromper mais de duas décadas sem ver o caneco maior da Liga Inglesa. Ia já no seu terceiro ano a ouvir assobios e ler tarjas a espelhar a descrença que se ia instalando, quando arranca do meio da tabela já em Novembro para um final em que deixa a dez pontos o Aston Villa. Para tal seria determinante o ingresso de Cantona e a sua associação virtuosa com Mark Hughes. O resto da história já foi contada acima. Pelo menos o resultado de muitas tardes e noites de glória pontuadas com cânticos personalizados em seu nome e honra.
O PROBLEMA LEONINO QUE NINGUÉM QUER FALAR DE
No mesmo dia de Novembro, mas em 2009, Paulo Bento demitia-se do cargo de treinador do Sporting. Várias vezes apontado como um possível Ferguson à escala leonina, não resistiria a um mau começo de campeonato e seria vitima colateral das guerras internas e de uma presidência infeliz, com má relação com os adeptos e maus investimentos no futebol. O desgaste provocado por quatro anos sem nenhum campeonato nacional fez o resto.
É, no entanto, um dos treinadores com mais tempo no comando técnico e o mais titulado deste século: duas taças de Portugal e duas Supertaças Cândido Oliveira. Sem nenhuma taça que testemunhe, ficou a aposta nos jogadores da casa, que acabaria por se reflectir nos cofres, no prestigio internacional e até mesmo com grande quota de responsabilidade na conquista do Europeu de França, pela selecção nacional.
Passou quase uma década desde então. O Sporting vive novamente um período conturbado e tantos têm sido os momentos semelhantes que deveria começar a equacionar incluir a palavra na sua heráldica institucional.
Apresta-se a entregar a um novo treinador, um quase desconhecido, a responsabilidade de o resgatar a seu segundo período de maior jejum e o relógio continua a contar. Se quer dirigentes e adeptos não perceberem que um treinador é uma peça importante, mas apenas uma peça de uma engrenagem, o seu nome será mais um, apenas.
No actual momento que o Sporting vive o treinador e até mesmo os jogadores são frequentemente usados como peças de xadrez num tabuleiro “politico” onde debatem interesses de pessoas, grupos e grupelhos. É provável que a tolerância seja reduzida e o tempo que o Sporting precisa para se reconstruir dos escombros dos últimos meses não venha ser concedido. Se for esse caso o Sporting nunca encontrará o seu Ferguson.
E até a memória de Paulo Bento com apenas quatro troféus secundários parecerá um oásis muito longe de alcançar. Terá sido por acaso que o período de domínio leonino do futebol luso tenha surgido da estabilidade dos anos de Joseph Szabo e tenha terminado após se iniciar a dança de cadeiras, mano a mano com a instabilidade directiva, que tem marcado a liderança técnica no Sporting?