Ninguém despediria um treinador com 2 troféus… A não ser Keizer

Pedro AfonsoSetembro 7, 20196min0
O despedimento de Marcel Keizer no último dia do Mercado de Transferências deixa a descoberto uma "elasticidade" do clube leonino pouco antes vista. Merecia o holandês uma saída pela "porta pequena"?

A saída de Marcel Keizer do Sporting CP surge de forma repentina e, de certa forma, inesperada. No final do Mercado de Verão, a SAD leonina decidiu mudar o rumo da sua equipa técnica, despedindo um timoneiro que trouxera 2 títulos em pouco mais de meia época, algo que nem Jorge Jesus com as suas super-equipas conseguira fazer, muito menos a grande maioria dos seus antecessores nos últimos 10 anos.

Para compreender o insólito da situação, teremos de recuar até Novembro de 2018. Após um Verão “quente”, talvez o mais complicado de toda a história do clube, Frederico Varandas avança para o despedimento de José Peseiro, que pegara na equipa destroçada tática e emocionalmente, e apresenta Marcel Keizer como o seu substituto. Uma aposta de risco, num treinador praticamente desconhecido, que se provaria acertada: 2 títulos e o terceiro lugar na Liga NOS, após um ano de privação dos seus maiores craques.

Dois troféus em cerca de 8 meses (Fonte: Público)

Obviamente que nem “tudo foram rosas” e o futebol praticado pelos pupilos de Keizer, inicialmente deslumbrante, rapidamente foi entendido e contrariado pelos adversários, levando a dificuldades na reta final da temporada. Não obstante, os objetivos principais foram cumpridos, num ano em que as contratações escassearam e o planeamento da época não havia sido feito por si.

Chegados à pré-temporada de 2019/2020, Keizer tem finalmente a possibilidade de provar a sua capacidade de levar uma equipa a praticar o futebol que imagina, treinar e selecionar os jogadores de raíz para se aproximar da sua visão. E é aqui que entram os problemas para o holandês: se é verdade que os resultados foram aparecendo, muito por culpa de um enorme Bruno Fernandes que carregou a equipa ao longo da época passada, também é verdade que o futebol de Keizer apresentava imensas lacunas táticas que não poderiam ser explicadas apenas pela ausência de matéria-prima de qualidade nos quadros de futebol do Sporting CP.

O tipo de futebol vertical e móvel que Keizer busca, reminescente da criatividade e ousadia holandesas, vive de um grande rigor defensivo e, principalmente, da capacidade de defender bem com poucos. Para o tipo de jogo que Keizer buscava, o trabalho ao pormenor do momento da perda de bola e da consequente transição defensiva, bem como a própria organização defensiva, necessitavam de um trabalho aprimorado e de um rigor e perfeccionismo técnico-tático que Keizer nunca foi capaz de demonstrar. As suas decisões táticas também podem ser questionadas em vários momentos, optando por sistemas com 3 centrais, como no caso da Supertaça contra o SL Benfica, onde a lacuna seria explorada através do número de jogadores e não do rigor posicional. Sobravam apenas individualidades para poder ombrear com essa falta de rigor técnico-tático por parte da equipa técnica de Keizer, mas sempre tendo em mente que os jogadores que possuía à sua disposição não eram o portento de qualidade que muitas vezes se gosta de apregoar.

Doumbia, um dos espelhos da mediocridade do plantel (Fonte: TEAMTalk)

Parece, então, uma decisão extemporânea e pouco justificada de Frederico Varandas, o Presidente da SAD Leonina, ao despedir um treinador que fora sua aposta pessoal há pouco menos de 1 ano. Aliás, poderá ser dito, até pelas declarações de defesa que o Presidente proferiu face a muitos ataques à estratégia de futebol da SAD Leonina, que a decisão já estaria. tomada muito antes do final do fecho de mercado e que Keizer foi apenas um “fantoche”.

Alguém iria despedir um treinador que tinha acabado de vencer uma Taça da Liga e uma Taça de Portugal naquelas condições?

Quando se afirma algo deste calibre para justificar um despedimento, apenas se verifica que a gratidão e a compreensão não entram no vocabulário de quem gere o clube. Porque as condições de instabilidade e de falta de qualidade mantém-se após 1 ano de trabalho e não é a saída de Keizer que irá resolver todos os problemas que o Sporting CP apresenta.

Toda a pré-temporada leonina em termos de preparação se centrou apenas num cânone: Não vender Bruno Fernandes. O critério de contratações foi nulo/inexistente, tendo as maiores contratações sido feitas quando a decisão de despedir Keizer já havia sido tomada. Ou seja, não só não forneceram os reforços ao timoneiro para fazer o seu trabalho, como esperaram deliberadamente pela saída deste (e de jogadores como Raphinha e Bas Dost) para apresentar as novas armas para o treinador seguinte.

Um exemplo de profissionalismo, ostracizado pelos adeptos (Fonte: Record)

Este total desrespeito pelo trabalho de um treinador que aceitou, como o próprio Presidente havia afirmado, o trabalho numa altura em que quase ninguém queria treinar o Sporting CP, torna-se uma “facada” de proporções imensas, a aliar àquela que já havia sido dada a José Peseiro, quase 1 ano antes. Os adeptos não podem, também, lavar as mãos deste acontecimento. Os 5-0 frente ao Eterno Rival podem pesar, mas a memória deve ser um pouco mais longa que um par de semanas. A saída de Bas Dost é, em grande parte, provocada pelo descontentamento dos adeptos face a um jogador que marcou 93 golos em 3 épocas (!), num ato totalmente irracional de criação de bode expiatório.

Todos os intervenientes do histórico clube lisboeta devem “pôr as mãos na consciência” e perceber o seu papel para dar a volta a uma crise bem mais profunda do que aquela que tem vindo a ser publicitada por Frederico Varandas. Cuidar bem dos seus funcionários, entender os momentos e os resultados como parte de um processo de maior dimensões e, acima de tudo, paciência, num clube que há pouco mais de 1 ano perdera quase 10 jogadores devido a um ataque “terrorista” dos próprios adeptos. Quo Vadis, Sporting Clube de Portugal?


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