Portugal: entre a renovação e a reformulação de Fernando Santos
Para uma seleção ter sucesso a longo-prazo e de forma consistente, o projeto tem de ter visão e tem de existir um plano minimamente sério que seja seguido de forma competente. Estas primeiras palavras são boas na teoria, mas quando se tentam colocar na prática começam a sobressair certos problemas. O futebol português está, a bem ou a mal, refém da formação de certos clubes. E da “explosão” (ou não) da mesma.
Desde o virar do milénio que os jogadores portugueses sofreram de algum “ostracismo” dentro dos clubes, inviabilizando a possibilidade de darem o salto mais cedo e assim de se assumirem no panorama nacional ou internacional.
Vieirinha é, talvez, um desses casos gritantes. Com formação feita na totalidade ao serviço do FC Porto, só chegou à selecção Nacional depois de ter sido foi “forçado” a emigrar e tendo “sobrevivido” ao PAOK e assumido um lugar de importância no Wolfsburg durante algumas temporadas.
Outro poderá ser Bernardo Silva, que se sentiu olhado de lado na Luz durante a era de Jorge Jesus e abandonou Portugal numa tenra idade… Vingou no Mónaco e agora faz parte do plantel de maravilhas de Pep Guardiola no Manchester City.
Exemplo disso, foi a crise do Sporting CP durante o “reinado” de Bettencourt-Lopes, levando a que clube apostasse em jovens da Academia de uma forma mais expansiva: Tiago Illori, William Carvalho, João Mário, Adrien, Cédric ou Bruma foram alguns dos nomes que aproveitaram essa situação para subir ao palanque e receber um “raio de sol”.
SL Benfica e FC Porto também acompanharam as tendências e foram dando o palanque a algumas das suas pérolas: Renato Sanches, André Gomes ou Nélson Semedo para o caso das águias; Ruben Neves ou André Silva para os dragões.
Um alerta, já que o trabalho não foi só dos clubes do primeiro e segundo patamar que produziram estes jovens: clubes mais pequenos em dimensão ajudaram a descobrir os talentos, potenciando-os e abrindo-lhes os corredores do sucesso (os casos de Nélson Semedo, Renato Sanches, William Carvalho ou André Silva são exemplos máximos dessa questão).
No meio disto tudo, a Selecção Nacional “agradeceu”, em especial, Fernando Santos que pôde assim construir um grupo não só forte a nível individual, mas também coletivo.
Desde que assumiu o cargo de selecionador, o atual Homem do Leme de Portugal estreou 31 jogadores; não só jovens como Gonçalo Guedes, Ruben Neves, André Silva ou Renato Sanches, mas também atletas que eram desconhecidos para o público português como Raphael Guerreiro, Kévin Rodrigues ou Anthony Lopes.
Das 31 estreias é notório que existe o padrão de lançar atletas que vão a curto-prazo tomar as rédeas da titularidade ou, pelo menos, ser presença assídua nas convocatórias. Vejamos quem são eles e perceber o que pode ser o futuro de Portugal:
– Para a baliza Anthony Lopes e Marafona já receberam o cunho de Fernando Santos. Para além dos jogadores de Lyon e SC Braga (este último está ainda a contas com uma lesão), José Sá já fez parte de algumas convocatórias nos últimos dois anos e a estreia pode estar para breve;
– José Fonte, Paulo Oliveira, Ricardo Ferreira, André Pinto e Edgar Ié foram os homens do eixo-central que receberam a chamada de Portugal durante a estada de Fernando Santos. Se Fonte está perto do fim da sua carreira na Seleção, Oliveira, Ferreira, Pinto e Ié têm (quase) todo o tempo do mundo para agarrar o lugar.
– Raphael Guerreiro, Cédric Soares, Kévin Rodrigues, Nelson Semedo, Ricardo Pereira e João Cancelo lutam todos por duas posições, sendo que todos têm entre menos de 24 anos, ou seja, Portugal tem o futuro assegurado nas laterais.
– Danilo Pereira, Ruben Neves e Renato Sanches são os “volantes” de comando para o meio-campo mais defensivo ou de relançamento de jogo. Para além disso, há ainda Adrien, que terá pela frente mais três anos ao mais alto nível em termos de Seleção. Outro dos nomes é o de André André, mas o médio do FC Porto não deverá contar para as próximas convocatórias.
– Bruno Fernandes e Bernardo Silva são os nomes mais “apetitosos” para as camisolas de 8/10 da Selecção Nacional. Seja à bomba ou com uma troca de pés de rasgar rins, ambos têm uma qualidade imensa e foram já apostas de Fernando Santos.
– Nas alas do meio-campo surgem os nomes de João Mário, Gelson Martins, Bruma e Rony Lopes, todos eles com a qualidade necessária para assumir os lugares que são agora de Nani e Quaresma (até certo ponto). João Mário, então, tem a capacidade de saltar da ala para o meio do terreno e de decidir o jogo com um passe letal.
– Na frente, uma certeza: André Silva. O atacante formado no FC Porto foi essencial para a estratégia de Fernando Santos, com 9 golos no caminho para a qualificação para o Mundial. O avançado do AC Milan tem de ter algum espaço para poder decidir, mas quando pode (e quer) é letal. Para além de Silva, há também Gonçalo Guedes, um nome a reter e que pode trabalhar perfeitamente com Cristiano Ronaldo na frente de ataque. Gonçalo Paciência é outra solução, mais de recurso, mas que não deixa de apresentar algumas boas qualidades dentro da grande área.
De fora desta lista ficam os nomes de Ukra, Lucas João, Daniel Carriço ou Tiago Gomes, jogadores que apesar de terem sido “estreados” pelo Engenheiro do Euro, não deverão, quase de certeza, regressar ao elenco de Fernando Santos ou de Portugal.
Elevando agora a “visão” dos que se estrearam entre 2014-2017 para todos os outros nomes que ainda não mereceram uma chamada, há valores a reter:
– No centro da defesa, os nomes de Ruben Semedo, Tiago Illori e Ruben Dias parecem posicionar-se para ser parte do futuro da Seleção, com o último a estar na linha da escola dos bons centrais de Portugal.
– Mário Rui, lateral do Nápoles (emprestado pela AS Roma), é um nome interessante de seguir, uma vez que possui alguns pormenores de elevada qualidade, como a reação ao contra-ataque, velocidade em ocupar o espaço e proeminência no ataque.
– No meio-campo começa a despontar Francisco Geraldes, que apresenta competências similares a Adrien Silva… Falta experiência e oportunidades a um nível mais alto, para ver como se sai sobre pressão.
– Para o ataque há Diogo Jota que tem tudo para surpreender o futebol português, com um ritmo de jogo bem alto, qualidade de passe e capacidade em aparecer nas costas da defesa.
Hipoteticamente a selecção nacional poderá apresentar este onze em 2019 (mantendo Cristiano Ronaldo e Pepe na equipa):
Patrício; Guerreiro e Cédric/Semedo; Pepe e Paulo Oliveira; William, Adrien, João Mário e Bernardo Silva; André Silva e Cristiano Ronaldo. Suplentes: Lopes, Semedo/Cédric, Ruben Dias, Bruno Fernandes, Danilo Pereira, Gelson Martins e Gonçalo Guedes.
Um primeiro problema poderá ser a falta da experiência a nível internacional e a necessidade de manter os bons resultados. Por vezes ter os dois não é possível, mas os casos da Alemanha ou França podem ajudar a acalmar o público português.
O ponto mais preocupante para a equipa da Quinas é o eixo da defesa… Pepe, Fonte e Alves não serão facilmente substituídos, até pela segurança, experiência e agressividade imposta que dão à Seleção. Se os três se retirarem nos próximos dois anos, Fernando Santos poderá ter um problema muito complicado para resolver.
Mas se em termos de matéria-prima humana (leia-se jogadores), a equipa das Quinas se apresenta com inúmeras soluções e poucos problemas (como descrito acima), está mais do que provado que o talento, somente, não chega.
Ter boas individualidades não é suficiente para poder atacar troféus internacionais e a coesão de balneário pode mostrar-se curta a médio/longo prazo. E é neste último ponto que Fernando Santos baseia o seu sucesso. Ao contrário dos seus antecessores, o Engenheiro conseguiu criar um balneário coeso, unido, onde Ronaldo se assume, finalmente!, como o capitão de que Portugal precisava.
Ganhar um Europeu apenas com uma vitória nos 90 minutos de jogo não demonstra apenas pontos negativos (retirando a vitória na final). Mostra, também, uma capacidade de abnegação, trabalho, sacrifício e espírito de equipa que Portugal apenas fora capaz de demonstrar em 2004 e 2006, onde, curiosamente, estivemos mais próximos de conquistar títulos.
A presença de Quaresma, Moutinho, Nani, Bruno Alves, Beto e Eliseu demonstra bem essa preocupação em garantir líderes de balneário, que transmitam o sentimento de responsabilidade aos mais novos, que os guiem numa nova etapa, que preparem a passagem de testemunho.
Apesar de ser este o caminho que Fernando Santos está a privilegiar, a solução parece ter sido apresentada por Joachim Low, na sua Alemanha “papa-títulos”. Não se trata apenas de garantir que os jovens têm jogadores experientes que os possam acompanhar, como Muller, Hummels, Neuer, Howedes ou Mustafi; trata-se também de lançar os jogadores ainda em tenra idade, de forma a garantir um processo de transição e de adaptação ao futebol da seleção germânica mais suave.
Os jovens jogadores, ao contrário do que acontece na grande maioria das seleções nacionais, não precisam de esperar até ter épocas absolutamente excepcionais, até o seu rival direto pela posição se lesionar ou reformar: são lançados a qualquer momento, desde que demonstrem o potencial e a capacidade de se enquadrar nas ideias do timoneiro alemão.
Para além disto, a gestão de Low, não se prendendo em demasia à componente psicológica, permite uma escolha de jogadores muito mais abrangente do que a de Fernando Santos, que prefere trabalhar com os jogadores que já conhece e que já são“da casa”, em vez de apostar em jogadores fora do grupo de trabalho normal.
Retornando ao verão de 2017, poderemos lembrar a Taça das Confederações organizada pela FIFA. Portugal surge com uma convocatória na máxima força, decidido a atacar o título e a rechear o relativamente parco palmarés lusitano. Todas as outras seleções se apresentam com o seu grupo de trabalho habitual. Excepto uma: a Alemanha. De toda a convocatória, o jogador mais velho era Sandro Wagner, com 29 anos, avançado do Hoffenheim.
O jogador mais novo, por sua vez, era Benjamin Henrichs, do Bayer Leverkusen. Com nomes como Plattenhardt, Demirbay, Demme, Werner, Stindl e Younes, ninguém esperava muito desta Alemanha, que parecia até desprezar a competição. Mas a verdade é que Portugal sucumbiu nos penáltis perante o Chile e a Alemanha derrotou os sul-americanos na final, trazendo para casa o “caneco”.
Esta gestão permitiu a Low retirar o melhor de dois mundos: renovar o seu leque de escolhas e inserir jogadores num modelo de jogo. E é este último ponto que faz a diferença. Todas as equipas que ganham títulos, apresentam-se rotinadas. Em 2004, Portugal apresentou-se no Europeu com uma equipa (principalmente o meio-campo) cuja base era o FC Porto. Tivemos, até à data, a melhor participação numa competição internacional.
Em 2006, a situação repete-se e, curiosamente, após esse torneio e com o desmembrar de um núcleo duro já rotinado, Portugal passa por um período mais “negro”. Em 2016, Portugal ganha o Europeu e três dos quatro elementos do meio-campo eram do Sporting CP.
O modelo de jogo é a “cola” que une todos os elementos de uma nação. Permite que todos possam participar na Seleção sem depender de rotinas adquiridas em contexto de clube ou de convocatórias “injustas”, que privilegiam o já conhecido. Permite também que todos saibam o que fazer, quando o fazer e como o fazer. Este trabalho não pode começar por Fernando Santos: tem de começar pelos escalões jovens. E o trabalho de Hélio Sousa e Rui Jorge tem sido absolutamente essencial para garantir esta transição, de forma a permitir que a perda de jogadores como Pepe, Ronaldo e Moutinho seja minorada.
Contudo, parece claro que Fernando Santos pode melhorar o seu modelo de jogo. É certo que o Engenheiro nunca foi conhecido pelo seu bom futebol, e não conquistou o Europeu à custa de lirismos, mas sim de pragmatismo e inteligência. Mas mesmo esse pragmatismo e inteligência podem ser trabalhados em algo mais concreto, que não se baseie tanto numa estratégia defensiva e construção dependente de William Carvalho para a lançar.
Em suma, o futebol português ainda é muito baseado em “solavancos”, em tiradas de génio individuais (que existem em tanta quantidade…), em sofrer e esperar ganhar no fim.
O futuro não é, no entanto, triste! As últimas exibições da Seleção Nacional demonstram uma maior consolidação de ideias, espaço para lançamento de novos jogadores, oportunidades e, a espaços, um fio de jogo atrativo. As adições de André Silva e Gelson ao grupo permitiram trazer garra e virtuosismo a lugares onde Quaresma e Nani já não eram capazes de corresponder com o mesmo fulgor. Prova disso é a cavalgada da Seleção das Quinas após a derrota na 1.ª jornada da Qualificação para o Mundial da Rússia com a Suíça: verdadeiramente notável.
Estamos perante um momento muito especial na história da Seleção Nacional, onde a qualidade individual se associa à estrutura profissionalizada e organizada da Equipa Técnica e da FPF, e onde os mais velhos integram os mais novos. Portugal pode, e deve, ambicionar voos mais altos, pois as condições de que dispõe não estão ao alcance da comum das Seleções.