Roberto Martínez e o dilema das convocatórias
Ser chamado à Seleção Nacional é um dos objetivos de um jogador profissional. Para muitos, significa chegar ao topo da carreira, representando a própria pátria e o seu povo. A cada convocatória, muitos atletas esperam ansiosamente que o seu nome seja dito pelo treinador, numa lista bastante exclusiva, com somente 23/24/25 nomes, que são eleitos como os mais capazes para representar uma nação.
Portugal conheceu um novo selecionador, após a saída de Fernando Santos, que apesar de ter vencido um Campeonato Europeu e uma Liga das Nações, sofreu críticas pelo futebol fraco, sendo apelidado de “resultadista”. Os adeptos queriam espetáculo, já que a geração atual de futebolistas tem muita qualidade e, na teoria, haveria sempre elementos que ficariam de fora, apesar da sua qualidade indiscutível.
Roberto Martínez foi o escolhido para orientar Portugal até 2026. O espanhol, que se destacou longe da sua nação, já tinha experiência em futebol de seleções, ocupando o posto de selecionador belga desde 2016, sem qualquer triunfo em competições, mas com boas prestações. Até ao momento em que é escrito este artigo, Portugal venceu seis jogos em seis possíveis, levando ao melhor arranque de sempre em qualificações para Campeonatos Europeus, marcando vinte e quatro golos e não sofrendo nenhum, jogando numa defesa a dois e a três.
Ainda assim, Roberto Martínez não se escapou da crítica, poucos meses depois da sua chegada, mesmo com o sucesso alcançado. Entramos neste momento no tema principal deste artigo: deve ser a convocatória decidida pela base do mérito? Ou há que manter uma base de atletas até ao fim?
O treinador chamou nomes que não caíram bem a alguns adeptos, como Toti Gomes, que é um mero suplente do Wolverhampton (com margem de crescimento, mas que não consegue neste momento ser titular numa das equipas mais debilitadas da Premier League), João Cancelo, que mal jogou no Barcelona (zero minutos pelo City) e João Félix, que passou a pré-temporada a sonhar com Camp Nou e acabou mesmo por rumar para a Cidade Condal (não irá pisar o histórico relvado catalão, mas atuará no Estádio Olímpico Lluís Companys), deixando o Atlético de Madrid e Diego Simeone, que na visão dos fanáticos pelo futebolista viseense, é o grande vilão e culpado do insucesso do craque. Estes três atletas já estavam integrados em convocatórias anteriores de Roberto Martínez, que justificou as chamadas, a jornalistas que não entenderam como era possível que elementos fora de forma pudessem representar Portugal:
«É importante haver consistência no trabalho. O trabalho de seleção precisa de tempo, não é apenas agrupar jogadores para um jogo. Gosto de valorizar o trabalho dos jogadores quando estou aqui. Tivemos dois estágios e quatro vitórias porque os jogadores trabalharam muito bem. O estágio de setembro é especial. Nunca gostei de ter o mercado aberto quando tenho jogos oficiais. É uma situação difícil para alguns atletas e eles precisam de apoio. A Federação e o futebol português precisa de apoiar os jogadores. Trabalhamos de forma honesta, dura e profissional para acompanhar todos os jogadores e temos uma pré-lista, da qual fazem parte alguns que estão num grande momento de forma. Precisamos de competitividade para todas as posições na seleção. Mas estamos num estágio em que o trabalho dos últimos estágios é mais importante que o momento dos jogadores».
O espanhol gosta de ter a sua base, essa é a conclusão que se pode retirar e pouco ou mesmo nada irá mover em futuras convocatórias. Rúben Amorim, treinador do Sporting, comentou a situação e colocou o mérito como o fator fundamental para se representar Portugal. Paulinho era o nome que mais se esperava que fosse chamado nos “leões” (em maio ninguém acreditaria neste fenómeno).
No entanto, há mais nomes que mereciam fazer parte de pelo menos uma (ou mais, no exemplo de Leite) das convocatórias como Beto, Diogo Leite (possivelmente o caso mais escandaloso, devido à presença de Toti) ou até mesmo Pedro Gonçalves.
Roberto Martínez fez lembrar os tempos de Fernando Santos, onde as convocatórias tinham poucas novidades, levando inclusivamente à retirada de jogadores durante o seu percurso como selecionador nacional, voltando a expressão “seleção do Jorge Mendes”. Porém, o agora treinador da Polónia, nunca tinha afirmado que a seleção tinha que “apoiar jogadores”, uma declaração que tem muito pouco sentido, mas que para Roberto Martínez era a resposta mais pura que se poderia ter dado.
O antigo treinador de Everton ou Wigan deu a entender que esta ideia é para seguir, na antevisão do duelo contra o Luxemburgo:
«É normal, nos estágios trabalhamos sempre com jogadores que possam ocupar essas posições. É importante que os jogadores possam. É muito difícil que um jogador venha de fora e possa ajudar a equipa. Temos 20 jogadores. Não temos espaço neste momento. Um nome de fora neste momento não pode ajudar. O Paulinho está às portas da Seleção, assim como estão Beto, André Silva ou Tiago Tomás. Temos muitos jogadores que pisam os mesmos lugares, é um trabalho difícil para mim, mas prefiro assim a ter apenas uma ou duas opções».
Na minha opinião, é possível manter uma base, mas introduzir certas novidades na convocatória, mas Roberto Martínez não aparenta (pelo menos até ao momento) ter tal flexibilidade, apostando na rigidez do seu núcleo duro. Por muito que Paulinho não seja um jogador tão bom ou reconhecido como João Cancelo ou João Félix, fez muito mais para integrar a convocatória de Portugal, do que os que foram chamados e estão em causa, já que pouco jogaram. João Cancelo e João Félix fazem parte da base da seleção, mas o lateral direito fez uma exibição penosa contra a Eslováquia, enquanto que João Félix nem entrou.
Apesar dos 9-0 contra o Luxemburgo (com golão de Félix, mas uma exibição bastante mediana) não haveriam outros elementos com capacidade de fazer as suas posições e que pudessem ser chamados? Nuno Santos poderia ter sido o lateral esquerdo no encontro, ficando alguém e raiz nessa posição (nem Dalot, nem Cancelo desempenharam bem a função contra a Eslováquia), mas ficou de fora da lista de 24, algo que começa a roçar a injustiça. Digamos que nenhum adversário de Portugal nesta fase, consegue retirar o favoritismo aos lusos, caso haja uma ou duas surpresas num onze inicial, o que agrava um pouco o descontentamento dos aficionados, que gostam de ver sangue novo.
Ninguém consegue vencer seis jogos consecutivos, como Martínez fez, ao mudar a convocatória na totalidade. Porém, terão sempre que existir espaços livres para atletas que estejam em boa forma e isto não impede que a base seja destruída. Esta situação permite a que mais jogadores, a um nível gradual, entendam como joga Portugal e qual o estilo do selecionador nacional.
A inclusão de novos jogadores leva a que os adeptos tenham mais interesse por ver os jogos de Portugal. Afinal, quem é que se divertiu a ver o Eslováquia vs Portugal? Foi um jogo aborrecido, mesmo com a base, que Roberto Martínez tanto estima, em campo.
Infelizmente, este é um problema de hoje em dia para o nosso país. Houve esperança que um novo treinador viesse alterar as ideias, chamando mais elementos por mérito, por bons jogos, golos e segurança defensiva ao serviço de respetivos emblemas, mas tal feito não aconteceu. A questão da Arábia Saudita poderia fazer parte deste texto, mas é algo que se associa à competitividade. Além do facto de Ronaldo ter o condão de ser chamado quando quiser e de se ir embora quando o desejar (como fez este domingo, abandonando a seleção que capitaneia para ir mais cedo para o Médio Oriente, apesar do duelo com o Luxemburgo na segunda-feira).
Roberto Martínez terá que encontrar um equilíbrio na convocatória que faz. Se apenas começar a convocar novidades quando o apuramento para o Campeonato Europeu estiver finalizado, o comboio para esses jogadores já estará muito atrasado, porque os 24 de sempre, terão as ideias muito mais entranhadas, o que pode revelar certa dificuldade a quem chegar. Quando um elemento importante se lesionar e tiver de ficar de fora, será mais complexo para Portugal obter um bom resultado, porque haverá sempre uma peça nova e que pode considerar-se “estranha”, se se mantiver esta política. O técnico catalão corre o risco de ser associado a Fernando Santos e não será pelos resultados.
Em suma, Portugal ainda não sofreu um golo e venceu todos os jogos, mas as vozes críticas a Roberto Martínez já são algumas, uma situação que não deveria existir com tal produtividade apresentada. Portugal é um país exigente e que está num patamar de poder vencer qualquer adversário. Acima de tudo, os adeptos querem ver jogar os melhores jogadores, sendo que isso não é impeditivo de ter uma base, mas obriga a alargar os horizontes. É uma questão de arriscar e colocar na cabeça que não está a treinar um clube, onde apenas existem duas janelas por ano para acrescentar jogadores.