O próximo (grande) teste de Marcel Keizer: a prova do autocarro
Aqueles lugares comuns que buscamos para falar do futebol são sempre actuais. O futebol desperta paixões é um deles e que a paixão tolda a razão é outro que também se pode usar para nos referirmos à ciclotimia crónica de que enfermam os adeptos e não menos os comentadores do fenómeno desportivo.
Senão vejamos: a 15 de maio o Sporting Clube de Portugal sofria um rude golpe infligido directamente no coração que não apenas lhe poria em causa o seu prestigio como o deixaria depauperado de um parte substancial dos seus melhores valores como o deixaria imerso numa profunda crise cujos contornos e consequências estão anda por apurar.
A época que se avizinhava era aguardada até nas versões mais optimistas como uma penosa travessia do deserto. Impressão que se foi cimentando com um estágio de pré-época digno de uma equipa amadora em excursão, um treinador sem qualquer carisma e de imagem desgastada junto dos adeptos, que só o resgate de Bas Dost e Bruno Fernandes ajudaria a atenuar. Hoje percebe-se ainda melhor o quanto esta acção acabaria por ser determinante para a saúde do actual Sporting.
Mais do que os resultados seriam as paupérrimas exibições a obrigar Frederico Varandas a sair do seu cadeirão de conforto que o desresponsabilizava da escolha do treinador. Isso e um discurso desmotivante e desagregador de Peseiro, incompreensível mesmo à luz das circunstâncias difíceis que encontrou para o desenvolvimento do seu trabalho. Ainda assim a escolha do momento e do nome do treinador acabaria por surpreender toda a gente.
Mas mais do que o nome e o momento está a ser a forma discreta mas eficaz e convincente que Marcel Keizer soube dar a volta a uma equipa sem alma e, porque não dizê-lo, de reduzidissima auto-estima.
Resultados e exibições eloquentes e em crescendo depressa fizeram esquecer o ribombar das criticas e dos receios expressos sobre o acerto da decisão. Na sua maioria por se fixarem no curriculum e outro tanto para esconder a ignorância total.
Faltou perceber que mais do que qualidade o curriculum atesta o passado e as circunstâncias em que ocorre e não tem que significar uma sentença sobre o futuro. A verdade é que só mesmo quem conhecia o treinador e o seu trabalho lhe poderia adivinhar o potencial que agora a rápida e dramática forma como operou a transformação da equipa todos se apressam a reconhecer.
O Sporting de Keizer deve muito da sua subida de auto-estima e de qualidade exibicional à simplicidade de processos como reorganizou o modelo de jogo que se baseia numa maior proximidade de sectores e individual, que permite não só maior posse como uma resposta mais pronta e melhor organizada quando a bola é ganha pelo adversário.
A procura dos cruzamentos constantes, à procura do milagre habitual de Bas Dost, foi substituída por uma maior procura e ocupação do corredor central, sem medo de enfrentar o bloco defensivo do adversário. A forma, o número de elementos que coloca e a qualidade como chega às zonas frontais à baliza adversária definem grande parte do sucesso das finalizações, que aumentaram significativamente.
Claro que os dois encontros iniciais não foram muito convincentes para críticos e adeptos, muito pelo baixo valor facial dos adversários. E nem a goleada, cada vez menos usual, aplicada ao Qarabağ FK, diminuiu a controvérsia sobre a escolha Keizer.
O encontro com o Rio Ave assumiu-se como o derradeiro teste à consistência da equipa verde e branca. Como se sabe hoje, o teste foi passado com distinção, provocando a rendição da critica e dos mais indecisos.
Como é bom dever algum do sucesso imediato se deve, além dos méritos do treinador, ao factor surpresa. Factor que tenderá a desaparecer no imediato, com os técnicos adversários a terem mais tempo para analisar o “modelo Keizer” e a construírem os seus próprios antídotos.
Os próximos quatro jogos do Sporting serão jogados em casa e aí será possível ver como se propõem os adversários a enfrentar os leões. Aí veremos se a proposta de Marcel Keizer também é à prova de dos tradicionais autocarros a que recorrem muitas vezes as equipas de menor recurso.
Além desse há um outro teste a enfrentar pelos homens do holandês até agora tranquilo: a impaciência do tribunal de Alvalade por oposição à serenidade e jogo de aturados equilíbrios que a equipa exibiu em Vila do Conde e onde se fundaram muitas das razões para o sucesso alcançado.