Não ter medo do ponto final

Ricardo LopesNovembro 6, 20245min0

Não ter medo do ponto final

Ricardo LopesNovembro 6, 20245min0
O final de uma viagem que ofereceu títulos e recordes ao Sporting CP... Ricardo Lopes expõe qual foi o registo de Rúben Amorim e o que se segue

Um dos dias que os sportinguistas menos desejavam que acontecesse, acabou por chegar. Rúben Amorim, pilar do projeto encabeçado por Frederico Varandas, foi confirmado como sucessor de Erik ten Hag, no Manchester United. A despedida, além de triste, será feita de forma pouco comum. Estamos habituados a uma mudança de um dia para o outro ou apenas no final da temporada, mas neste caso, o Sporting terá ‘direito’ a usufruir da equipa técnica por mais três desafios. Não sei até que ponto isto não torna toda a situação mais dura e com um mar de lágrimas ainda maior.

Tal como acontece em todos os clubes, os aficionados do emblema de Alvalade dividiram-se em dois blocos, o compreensível e o extremista. É natural que várias pessoas passem a ‘odiar’ Rúben Amorim, já que o mesmo prometera lutar pelo bicampeonato. No entanto, será um sentimento que acabará por desaparecer. Não falamos de um caso como os de Simão Sabrosa ou de João Moutinho. São oportunidades que passam poucas vezes na carreira, além de que as equipas de topo da Europa estão todas bem apetrechadas, no que ao treinador diz respeito. Quiçá o Real Madrid abra uma vaga no verão, mas Xabi Alonso está destinado a suceder ao italiano, não Rúben Amorim. O Manchester City poderá perder Pep Guardiola, mas são clubes distintos. O técnico até tentou ficar pelo Campo Grande até ao final da temporada (algo que poucos pediriam), mas a vontade da instituição inglesa era outra.

Rúben Amorim (e a restante equipa técnica) assumirá um projeto delicado, totalmente destruído por dentro, com pouca saúde, mas ao nível de estatuto e de história, há poucos clubes com maior notoriedade que o Manchester United. A situação é semelhante à do Sporting (ao seu nível, claro), quando o antigo médio trocou o Minho por Lisboa, numa decisão que foi condenada pela maioria, já que parecia loucura que Frederico Varandas pagasse 10 milhões de euros por um treinador que tinha meia dúzia de jogos como experiência enquanto treinador principal.

O técnico é possivelmente o melhor treinador da história do Sporting nos últimos 60/70 anos. Embora não mereça uma estátua, será sempre uma referência e, ao sair agora, é para voltar a Portugal daqui a muitos anos, projetando-se aqui um novo José Mourinho. Há um certo receito em que Rúben Amorim acabe por assinar pelo Benfica, mas se tudo correr naturalmente, o mesmo apenas acontecerá daqui a umas duas décadas.

Os sportinguistas são negativos e já estão a prever o pior, daí se justifica parte da insatisfação em ver sair a equipa técnica que levou o clube de novo ao topo do futebol português. Há muito medo do que irá acontecer a partir do dia 11 de novembro, quando seja João Pereira a entrar na Academia de Alcochete (em dias em que nem irá contar com o plantel completo). Frederico Varandas perdeu os dois elementos da sua tríade e os seus substitutos são nomes que os aficionados não conhecem. Bernardo Palmeiro (que não vai ser um diretor desportivo, mas ocupará a vaga de Hugo Viana), nunca fez capas de jornais, mesmo com as boas referências. João Pereira foi relevante enquanto jogador, mas para quem não assiste à formação do Sporting, também é uma incógnita.

Porém, nem tudo é mau e os sportinguistas continuam a nadar numa zona em que têm pé. A instituição continuará a ser exatamente a mesma que era no dia em que o Manchester United confirmou Rúben Amorim. O projeto está lá, as bases do mesmo continuam por lá: contratar bem, com uma análise minuciosa, ao mesmo tempo em que se aposta na formação com tranquilidade. Até o sistema tático será o mesmo. O Sporting não voltará aos tempos antigos em que não existia uma linha de continuidade e o mercado trazia elementos que poucos conheciam e não encaixavam numa ideia de jogo. Claro que existirão nomes que vão falhar, mas Rúben Amorim também os teve: Rúben Vinagre é o maior exemplo.

O Sporting muda de treinador, mas a identidade ficará e isso é o mais importante. Não vai existir uma revolução, como a que foi necessária em 2020. Tampouco existiu um câmbio radical entre Sérgio Conceição e Vítor Bruno, no FC Porto, e neste caso mudou-se até de presidente. Porém, na área de futebol, sendo Sérgio Conceição superior a Vítor Bruno (pelo menos por agora), o FC Porto está bem e recomenda-se, continuando a ser um candidato ao título, quando muitos perfilavam um ano zero para os dragões.

Se o momento é positivo, substituem-se as engrenagens, mas a máquina continuará a trabalhar. Para o Sporting, isto é um ponto final no sentido da pessoa que dirige o barco, mas é um ponto e virgula em tudo o resto. A chave é a paciência. Foram dadas várias oportunidades a Rúben Amorim, que chegou a ser contestado e que conta com dois quartos lugares pelo Sporting. Porém, foi uma virtude da direção mantê-lo, porque a ideia estava a ser construída e certos retrocessos por vezes são normais. João Pereira terá alguns meses para mostrar o que vale e apenas uma hecatombe faria com que não terminasse 2024/25 em Alvalade. No entanto, mesmo que o antigo lateral direito não resulte no seu futuro posto de trabalho, jamais se poderá pedir uma mudança radical, porque o caminho está certo. Caso se volte a optar pelo extremismo, aí sim o Sporting poderá voltar ao que era antes, um Grande, mas apenas na teoria, já que na prática a luta pelo título era uma utopia. Deixemos as pessoas trabalhar.


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