Bruno de Carvalho e Sporting: prós e contras da sua estadia em Alvalade
A destituição de Bruno de Carvalho por mais de 70% dos 15 mil sócios presentes na última Assembleia Geral, foi um marco histórico para o Sporting Clube de Portugal, uma vez que nunca um presidente tinha sofrido tal destino.
Os últimos 5 anos de presidência foram uma roda-viva para os adeptos do desporto em Portugal, com o ex-líder leonino a ser notícia quase todas as semanas pelas melhores e piores razões. Mas realmente o que acarreta a saída de Bruno de Carvalho? Há prós e contras? Um leitura rápida sobre o que poderá ser o Sporting CP após esta era de Bruno de Carvalho.
PRÓS
– Modalidades: desde a entrada em 2013 que um dos focos de Bruno de Carvalho foi repor o clube no trilho dos títulos nacionais em todas as frentes, algo que aconteceu tanto com o Andebol (há mais de 30 e tal anos que não eram bicampeões na modalidade), Hóquei em Patins (não o eram desde 1988), Atletismo (seja feminino ou masculino), Voleibol (a secção esteve encerrada durante largos anos, regressando em 2017 para conquistar o título logo em 2018), entre outras.
Curiosamente, o futebol nunca o conseguiu, apesar de ter estado muito perto por diversas alturas. Contudo, será que estas modalidades levantaram o troféu máximo nacional porque Bruno de Carvalho não estava tão “em cima” da equipa, exigindo resultados, pressionando treinadores e assumindo uma postura que foi negativa em diversas alturas?
O presidente agora destituído, tentou estar sempre presente nos maiores e melhores momentos das modalidades, assumindo uma paixão e um interesse que desde João Rocha que não se via.
Ao contrário de Dias da Cunha, José Eduardo Bettencourt, Soares Franco (desenvolveu pouco interesse nas modalidades) ou Godinho Lopes (ainda apoiou economicamente algumas modalidades, sendo um facto este ponto, apesar de um desastre nas contas no futebol), Bruno de Carvalho tentou sempre ser um presidente para todas as secções.
A forma como festejou os títulos, o apoio prestado e o interesse dado não foram categóricos por parte do presidente? Ainda por mais num clube ecléctico como o Sporting CP.
– Discurso: Bruno de Carvalho foi um dos responsáveis por devolver os índices de confiança aos adeptos e sócios do Sporting CP. Os anos de Bettencourt e Godinho Lopes foram destruidores nesse sentido, removendo grande parte da dimensão que o clube tinha no espectro Nacional.
O discurso agressivo para com os adversários, o de incentivo aos seus atletas e staff, a certeza que emanava colocava o clube noutro patamar, tentando ombrear com Jorge Nuno Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, dois presidentes que sedimentaram o seu papel no futebol português. Contudo, a partir de Setembro 2017 houve uma mudança de postura e discurso que prejudicou-o e também ao clube.
Mas antes dessa altura, o seu discurso foi um princípio fundamental para o seu sucesso, conquistando algum respeito dos adeptos de outros clubes (na maioria das vezes cativou um ódio e desdém na sua direcção), movendo uma motivação extra nos adeptos e atletas do Sporting CP no sentido certo. Foi um dos maiores adversários do SL Benfica, encetando numa batalha pela verdade (qual delas?) e de justiça.
– Reestruturação: várias modalidades sofreram uma remodelação interna, no sentido de encontrarem uma viabilidade económica (parte da remodelação foi financeira também, sendo que nos primeiros anos grande parte das quotas eram canalizadas para as modalidades) que não passasse por ser 100% dependente do futebol, algo alcançado em boa medida nos últimos anos.
Por outro lado, o futebol que estava um “desastre” não só competitivo, mas financeiro, passou por uma intensa reformulação com o fim da ligação contratual a alguns jogadores dispensados (que até ao momento ainda eram assalariados do clube), a resolução de problemas com treinadores despedidos (Sá Pinto, Franky Vercauteren, Domingos Paciência ainda estavam a receber uma quantia complicada pelas rescisões unilaterais), a redefinição do que fazer no mercado, etc.
Leonardo Jardim, o primeiro treinador contratado por Bruno de Carvalho, herdou um plantel muito jovem e sem grandes reforços, fazendo um bom trabalho com os materiais dispostos. Encaixou-se com perfeição no perfil do presidente, numa época de relançamento da equipa principal. Se o técnico tivesse permanecido mais uma temporada teria sido o ideal para um sucesso ainda maior no clube.
Mas a reestruturação, a remoção de pesos pesados da SAD e clube e o recolocar do clube no trilho económico certo entre 2013 e 2015 foram elementos fulcrais no futuro do futebol do Sporting CP.
Não esquecer que à entrada de Bruno de Carvalho, os leões iriam terminar em 7º lugar, longe de todas as finais de troféus, arrasados pelos adversários directos e sem grandes líderes ou jogadores para mostrar. Salários altos imperceptíveis em alguns atletas, prémios de jogo ainda mais surpreendentes e uma divisão gritante entre os jovens que vinham da Academia e os jogadores que vieram de fora da formação do clube.
Foi uma autêntica revolução esboçada por Bruno de Carvalho naqueles primeiros anos, algo que facilitou o crescer do clube nos anos seguintes.
– Vendas: com a reestruturação, veio a valorização do plantel, principalmente os jogadores que brotaram da formação (relembrar que foram colocados na equipa principal devido à falta de outra opção credível) com João Mário, Adrien Silva, Rúben Semedo, Cédric Soares, Eric Dier, sendo que Illori e Bruma saíram passado uns meses da chegada do novo presidente.
Para além destas vendas, também deu-se o lugar à rentabilização de activos que tinham chegado por um valor menor, caso de Islam Slimani, Marcos Rojo, Maurício, Naldo, sendo que até se conseguiu vender jogadores “complicados” como Schelotto, Teófilo Gutiérrez, Zeegelaar, Naby Saar, Shikabala, Elias ou Rinaudo.
O Sporting CP fez em vendas 34M€ (Verão de 2013), 31M€ (2014), 14M€ (2015), 78M€ (2016) e 50M€ (2017), o que tudo somado dá um total de 207M€ desde que Bruno de Carvalho assumiu o clube. E gastos? Apenas 83M€. Contudo, este valor “engordou” bastante nas últimas duas temporadas, altura em que o clube começou a fazer uma aposta mais forte no plantel principal, removendo quase totalmente a importância dos seus jovens atletas de Alcochete.
Nunca antes o Sporting CP tinha alcançado negócios tão rentáveis para o clube, existindo vários razões para tal: a valorização dos activos do Sporting CP, que apesar de os poucos troféus conquistados, demonstraram uma qualidade excepcional na selecção Nacional ou nos jogos grandes; inflação do mercado ajudou (e tem ajudado em todos os clubes) com os valores a duplicarem em algumas ocasiões; boa gestão de plantel, com um projecto a médio-prazo, dando espaço aos atletas da Academia de Alcochete na equipa sénior (algo que tem desaparecido nos últimos dois anos).
CONTRAS
– Extremismos: Bruno de Carvalho foi, sem dúvida alguma, um presidente de extremos. Tanto elogiou a massa adepta como a criticou, tanto esteve ao lado de Jorge Jesus como o criticou, tanto defendeu o plantel como se atirou ao mesmo. Os últimos meses foram então um circo, com o presidente destituído a ridicularizar os activos do clube, expondo uma série de opiniões ao público.
Instigou, em larga medida, o ódio e sede de justiça de uma parte dos adeptos que se reviam naquele extremismo. Não só isso, como também, apelou ao boicote total por parte dos adeptos leoninos à imprensa, ficando circunscritos ao canal do clube (outra novidade implementada pelo presidente). Porém, Bruno de Carvalho (e a sua direcção) podia falar com esses órgãos de comunicação social, esboçando os diversos ataques aos seus rivas.
Reparar que nos dias antes e durante a Assembleia-Geral, Bruno de Carvalho assumiu uma postura estranha, uma vez que disse que não ia participar na AG nem como presidente ou sócio, para depois aparecer de repente e ter vontade de fazer uso dos seus votos. A situação de destituição gerou-se, também, pela as ilegalidades cometidas
Quando saíram os resultados da AG, o presidente destituído atacou veemente várias personagens do universo leonino, afirmando que deixava de ser adepto e sócio naquele dia. Porém, passado quase 24 horas mudou por completo o discurso e, de forma impressionante, pediu perdão pelas suas palavras e atitudes, removendo o texto do seu facebook quase por inteiro.
A expressão do 8 ao 80 adequa-se com perfeição ao discurso de extremos de Bruno de Carvalho, que tanto lutou pela verdade desportiva, por melhores condições dadas aos clubes, liga e árbitros, como atacou todos esses com uma atitude dotada de agressividade crua.
Consigo desenvolveu uma falange de adeptos mais propensos ao fanatismo que tentam tomar a justiça pelas suas mãos, como aconteceu com as agressões a jogadores, árbitros (um dia após o jogo 3 da final do Futsal, o 3º árbitro foi agredido por indivíduos que reclamavam as decisões do trio de juízes durante esse jogo, que alegadamente prejudicou o Sporting CP).
A “fundação” da Mesa Transitória da AG, que fugia por completo ao que está nos estatutos, a alteração de uma série de artigos da legislação do Sporting CP foram, também, passos decisivos para o fim de Bruno de Carvalho e a sua época recente de extremos (o Norte de Alvalade explica alguns dos problemas do Sporting CP: Mudança de Estatutos o que significa? e o problema das Assembleias-Gerais convocadas pelo CD)
– Comportamentos anti-desportivos: contam-se os vários episódios em que o líder leonino apresentou uma total falta de desportivismo, fairplay ou simples compreensão, optando por uma postura agressiva e vexatória. Quando decorreram as eleições para um novo mandato de Bruno de Carvalho ou para escolher Pedro Madeira Rodrigues como o novo presidente, o líder dos leões optou por ir à Sporting TV e gozar com o adversário. Pedro Madeira Rodrigues apresentou muitas vezes um comportamento indecoroso e que revelava uma postura contrária ao que se pedia, mas Bruno de Carvalho desceu ao mesmo nível.
Os “ataques” à equipa senior foi outro dos aspectos mais pobres da governação do antigo presidente do Sporting CP (a rotura com parte dos sócios pode ter começado quando quis à força mudar os estatutos em Março passado, não tendo se explicado bem naquele momento qual era o objectivo de tal alteração), que decidiu fazer uma série de ataques via redes sociais e imprensa aos atletas e equipa técnica do clube.
Ao trazer os problemas internos e explicar a sua opinião pessoal sobre os activos do clube (algo que Bruno de Carvalho nos últimos tempos não soube distinguir, uma vez que é Presidente do Sporting CP e não Patrão dos jogadores da equipa de futebol), abriu uma “guerra” com os atletas, treinadores, advogados, investidores e adeptos (existia e existe uma parte destes que não apoiavam o comportamento do presidente).
Para além das críticas, Bruno de Carvalho instigou uma espécie de ódio contra aqueles atletas que não estavam a actuar ao nível pretendido, com um discurso que continha algumas mensagens subliminares.
Falou-se, em demasia, das possíveis suspensões dos jogadores antes do jogo com o Paços de Ferreira, apelidando-os de “miúdos mimados” e e outras afirmações (podem consultar os vários posts de facebook em: Guerra Aberta entre Bruno de Carvalho e jogadores). Para além disso, para Bruno de Carvalho existiu uma incongruência de declarações dizendo que os atletas não se preocupavam com o clube pois só pensavam em si,
Começam com Somos Sporting e que não existe um Eu mas um Nós, sendo que isso não passa de mera fantasia pois na realidade não o são. São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhe interessa o Eles.
Contudo, quando entrevistado pelo Expresso em Maio passado, Bruno de Carvalho falou mais no “eu” do que no “Sporting CP”, como podem ler no extracto retirado da entrevista. Em diversos momentos, o presidente de então assumia quase como o clube fosse ele, um comportamento similar ao que se passa em situações ditatoriais. Importante reler esta passagem em que Bruno de Carvalho diz,
Se querem que eu seja sensível a alguma coisa, que me ponham bem-disposto, senão vão bater com a cabeça no muro.
Isto significa, que os jogadores tinham de fazer tudo como o Presidente desejava, removendo todo o seu livre-arbítrio, e em troca teriam talvez aquilo que desejavam. Adrien Silva, um jogador que pediu por diversas vezes para sair do clube, acabou por abandonar o clube sem honra e até prejudicado no final na inscrição na FIFA (uma pergunta que até agora ninguém conseguiu responder, de quem foi a culpa da inscrição tardia do jogador?).
Para finalizar este capítulo, Bruno de Carvalho inclusivé atacou os adeptos do clube quando uma parte destes o assobiaram depois das palavras duras a seguir ao jogo com o Atlético Madrid na conferência de imprensa,
Quem, de facto, me chamou o que me chamou tem que depreender que não andei na escola com eles (adeptos), nem comi no mesmo prato. Peço que vão chamar nomes à família deles
Não será isto também um comportamento que extravasa o que se quer do desporto ou do que um presidente deve ter nos momentos mais críticos? Já em 2017 tinha feito críticas aos adeptos e atletas das modalidades, perante o grau de exigência,
Vejo, em todas as modalidades, um apoio que mais nenhum clube tem no Mundo, mas um grau de exigência muito pequeno. A cada mau resultado, e então se torno público o meu desagrado, lá vem a onda de apoio aos ‘meninos’. Nas modalidades, sem ser o futebol, então é confrangedor… perdemos jogos e lá estão as bancadas a aplaudir os ‘seus meninos’ e a acarinhá-los
Há necessidade de cobrar os jogadores de forma excessiva? Há que fazer reparos denegrindo os activos e associados do clube? Será que o caminho de um discurso agressivo encaixa-se naquilo que é o desporto?
– Saídas conturbadas: Jorge Jesus foi o último a sair a mal do Sporting CP, com parecenças com o caso Marco Silva, naquela situação pré-Alcochete, depois da derrota complicada ante o Marítimo. Como Marco Silva, Jorge Jesus esteve a escassos “metros” de ser suspenso das suas funções de treinador. Não o aconteceu, porque Bruno de Carvalho teve uma mudança de decisão após uma reunião intensa com o plantel, como atestam os vários testemunhos da mesma.
Marco Silva foi suspenso por pretensos comportamentos que iam contra os valores do clube, naquilo que foi uma rescisão muito complexa e que Bruno de Carvalho tentou, por mais de uma vez, justificar com uma “lavagem de roupa suja” na comunicação social. Jorge Jesus ia pelo mesmo caminho, mas no final o treinador português abdicou do valor da rescisão e partiu em direcção às Arábias.
As situações de Adrien Silva, Zakaria Labyad (o contrato assinado com o Sporting CP de Godinho Lopes era de loucos, mas o trato final dado ao marroquino foi o errado) Rui Patrício, Jefferson, Bryan Ruiz (muita especulação, pouca conversa e ainda menos clarificação, mas o costa-riquenho ficou a treinar à parte durante meses a fio, até ser reintegrado) foram alguns casos complicados com o antigo presidente.
As rescisões de justa-causa chegaram, em parte, pela falta de clarificação interna do que se passou em Alcochete. Não houve relatório interno, não houve qualquer inquérito e só existiu uma reprovação leve e que chegou tarde. Por outro lado, não foi garantido aos jogadores segurança no seu espaço de trabalho ou no regresso à sua vida familiar e a postura da direcção foi de não resolver os problemas criados no centro de treinos do clube. A somar a isto, Bruno de Carvalho afirmou que parte da responsabilidade do que se passou em Alcochete foi dos jogadores,
Não estou a ver nem quero acreditar que possa haver uma tentativa de rescisão por um acto que involuntariamente saiu dos próprios jogadores. Não de todos, mas que saiu dos próprios jogadores, que não merecem nada daquilo que passaram. (…) Houve atletas do Sporting que, infelizmente, por impulsividade e pelo seu temperamento quente, não conseguiram aguentar aquilo que é a frustração dos adeptos”, afirmou o presidente este sábado.
O que se passou em Alcochete, as mensagens trocadas com os jogadores, a postura do presidente (que disse tanto que defendia os jogadores como família, com dizia que a responsabilidade era destes também) e, a alguma pressão, dos empresários (não só para ir atrás do melhor negócio possível, mas também numa defesa do futuro dos seus activos) levou à rescisão por justa causa e o “adeus” triste e desamparado de vários atletas da casa.
Posto isto, Bruno de Carvalho é um presidente que ainda interessa ao universo do Sporting Clube de Portugal ou já serviu o seu propósito? A sua mudança total, o ataque aos activos do clube (sejam jogadores ou sócios) e o denegrir de postura para com todos os intervenientes do futebol (e também políticos, uma vez que respondeu mal a Ferro Rodrigues e a Marcelo Rebelo de Sousa) não terão sido elementos nocivos para a sua continuidade?
O que se reserva ao futuro do clube nos próximos tempos?