E se o 8 que o Benfica precisa já estivesse nos seus quadros?
As grandes campanhas do SL Benfica foram sempre pautadas pela presença de enormes médios-centro, capazes de galgar terreno com a bola no pé e com poderio físico suficiente para não se esconder do choque. A mudança de sistema tático empregue por Rui Vitória parece fazer esquecer, a curto prazo, a necessidade de um 8. Mas uma nova época se aproxima e a plasticidade tática requer novas soluções…
Todos os anos surge uma questão relativa ao centro do terreno encarnado: quem será o 8 de serviço para atacar a época? E não será por acaso que as melhores épocas da equipa da Luz foram acompanhadas de grandes intérpretes no miolo: Ramires, Witsel, Enzo Pérez, Renato Sanches… A verdade é que, desde que Pizzi se assumiu como o 8 benfiquista, a qualidade do futebol encarnado diminuiu a passos largos, com graves lacunas defensivas do transmontano que foram sendo colmatadas por uma enorme qualidade individual.
A mudança de sistema tático operada por Rui Vitória, com a passagem do prolífico 4x4x2 para um 4x3x3 improvisado, deveu-se a uma enorme perda de qualidade na frente de ataque, com a troca de Mitroglou por Seferovic (crime de lesa pátria), e, acima de tudo, devido à saída de Lindelof do centro do terreno, perdendo-se a primeira referência de construção e obrigando Pizzi a baixar muitos metros para pegar na batuta. E esta descida no terreno leva a que se perda poder de construção na frente de ataque e finalização, deixando a equipa mais vulnerável, dependente de bolas longas, com o médio transmontano a mostrar enormes deficiências ao nível do processo defensivo.
Krovinovic demonstrou ser o complemento de qualidade que a equipa do Benfica necessitava, ligando a defesa ao ataque, fazendo o papel de Pizzi na época transacta. Contudo, Krovinovic e Pizzi teriam de ser “somados” para dar um 8 de qualidade, sendo que os 4 intérpretes anteriores da posição demonstraram ser capazes de fazer ambos os papéis e libertar os seus colegas para missões mais criativas. Em 4x3x3 ou 4x4x2, parece claro que um médio centro com características muito particulares é necessário para poder almejar o título na próxima época.
O mais curioso é que existem, nos quadros do SL Benfica, dois jogadores que podem suprir a lacuna deixada por Renato Sanches, o último grande 8 a sair da Luz: Gedson Fernandes e Samaris.
Começando por Gedson Fernandes, o jovem médio que tem atuado ao serviço do SL Benfica B durante esta época fez uma excelente temporada, polvilhando os relvados da Liga Ledman Pro com uma qualidade que deixa adivinhar e antever voos mais altos. Com um enorme poderio físico, grande espírito de entrega e luta, e uma progressão pelo centro do terreno com a bola controlada verdadeiramente notável, Gedson poderia e deveria ter sido uma das apostas de futuro de Rui Vitória esta época, muito mais do que João Carvalho, que falhou em todos os jogos “a sério”. Se é verdade que o técnico ribatejano não costuma deixar talentos a estagnar na equipa B durante muito tempo, Gedson parece já estar a pedir outros voos. E numa fase onde o centro do terreno é a maior lacuna, o jovem português poderia ter sido uma aposta ganha com estrondo.
O caso de Samaris é mais complexo. O médio grego de 28 anos está há 4 anos no clube da Luz e o seu percurso tem sido feito de altos e baixos. Desde o 6 titular na equipa que conquistou o primeiro título do Tetracampeonato, até a suplente de Felipe Augusto ou até Celis, Samaris parece não ser uma opção consensual para Rui Vitória que, não raras vezes, preferiu lançar jogadores claramente inferiores ao grego (Keaton Parks, Felipe Augusto, Celis, Danilo) para funções que poderiam, perfeitamente, ser desempenhadas pelo médio de 28 anos.
A ideia de que Andreas Samaris é um 6 foi criada pela passagem de Jorge Jesus no SL Benfica, com uma adaptação bem sucedida de um jogador que passou toda a sua vida na posição 8. Mas o 6 de que Jorge Jesus necessita necessita de valências que Fejsa, por exemplo, não tem, e o 6 de que Rui Vitória precisa necessita de características que Samaris não tem. As críticas do estilo impetuoso do grego, que capricha nos passes arriscados e não tem medo de avançar com a bola no pé, apenas se aplicam porque o jogador está a ser analisado à luz dos parâmetros que caracterizam um 6.
Não será honesto dizer que Samaris correspondeu sempre que foi chamado: a sua veia competitiva (um grande eufemismo) e a sua falta de concentração levaram, por várias vezes, a erros comprometedores e a exibições muito pouco conseguidas. Mas não é necessário recuar muitas jornadas para verificar as características e exibições que transformam Samaris numa opção viável para 8: o jogo em Alvalade com o Sporting CP. A exibição do grego, enquanto teve “pernas”, foi umas das razões para a superioridade do meio-campo encarnado, tendo inclusive protagonizado uma das melhores oportunidades do jogo numa incursão pelo ataque que o deixou isolado, frente a frente com Rui Patrício.
Parece claro que a perda do campeonato e a conquista solitária da Supertaça fizeram soar os alarmes da estrutura que, parece cada vez mais claro, claudicou um título que os adeptos vão demorar a esquecer. A necessidade de cair nas boas graças dos adeptos por parte da SAD poderá levar a um maior investimento, sendo que se espera que vários jogadores dos quadros do SL Benfica sejam vendidos e outros repescados. Se o SL Benfica quer voltar a conquistar títulos, terá de se fortalecer e nem sempre a solução é gastar milhões na América do Sul. Olhar para dentro, e não apenas para a formação, para recuperar jogadores, adapta-los e torna-los adequados ao modelo de jogo que cada treinador almeja. Mas que não haja dúvidas, o Benfica precisa de um 8 como de pão para a boca.