A evolução do futebol feminino em Portugal

Margarida BartolomeuSetembro 22, 20248min0

A evolução do futebol feminino em Portugal

Margarida BartolomeuSetembro 22, 20248min0
Dos problemas no Canal11 aos adiamentos do Vilaverdense, Margarida Bartolomeu visita o tema da evolução do futebol feminino em Portugal

A evolução do futebol feminino ou, mais corretamente, do futebol jogado por mulheres, é um tema de discussão quase eterna, dada a enorme quantidade de opiniões diferentes acerca deste tema. No entanto, uma coisa é comum entre todos os “opinantes” – o futebol feminino está em claro crescimento, não só em Portugal, mas em todo o mundo!

Contrariamente àquilo em que todos os machistas e misóginos acreditam, o lugar da mulher não é na cozinha, não é a lavar louça ou a passar a ferro – o lugar da mulher é onde ela quiser! E o futebol é um dos lugares onde cada vez mais mulheres querem, podem e devem estar! Os números espalham exatamente isso e, de ano para ano, a quantidade de atletas federadas sobe, bem como a quantidade de mulheres envolvidas no futebol, desde treinadoras a dirigentes.

Contudo, fugindo a uma análise quantitativa, penso que o futebol feminino em Portugal tem potencial para atingir outros patamares, tal é a qualidade das atletas e do trabalho efetuado pelos clubes. No entanto, sinto que estamos numa fase menos evolutiva e mais estagnada, onde tudo aquilo que se faz parece apenas “para inglês ver”. E passo a explicar.

Se recuarmos uma década (sim, uma década basta), fase onde ainda não se tinha dado a entrada dos clubes “grandes” no panorama do futebol feminino nacional, era rara a vez em que era transmitido um jogo de futebol. Uma final da taça de Portugal aqui, um campeonato da Europa ali, e o público geral ia ficando contente. Após a entrada de Sporting CP, SC Braga, e mais tarde, SL Benfica, tornou-se claro o caminho que a Federação Portuguesa de Futebol teria de adotar – assumir, de uma vez por todas, uma aposta assertiva, de presente e futuro, que fosse capaz de impulsionar o crescimento contínuo e sustentado da modalidade em Portugal, dado que 3 dos principais clubes profissionais do país já assumiam a sua responsabilidade a este nível. E a FPF fê-lo! Apostou, investiu, criou condições, ajudou os clubes a crescer, e os resultados extraordinários que a nossa seleção nacional sénior tem vindo a obter, com a participação em 2 campeonatos da Europa e um Mundial, é reflexo dessa aposta e trabalho conjunto da federação e dos clubes. Contudo, estamos em 2024, a caminhar a largos passos para o final do ano, e continuamos a ouvir relatos de situações que em nada beneficiam a continuidade e sustentabilidade do crescimento que se pretende ter no futebol feminino.

Comecemos então pelas transmissões televisivas – a FPF anunciou que todos os jogos da Liga BPI, em 2024/2025, iriam ser alvo de transmissão, sendo esta realizada através do canal oficial da federação (Canal 11), quer através do canal de Youtube da mesma, sendo que alguns jogos poderiam ser transmitidos através dos canais oficiais dos respetivos clubes. Espetacular, certo? Errado! As transmissões no Youtube carecem de qualidade, muitas vezes desfocadas, sem som, sempre sem comentários, e muitas vezes sem repetições e atrasadas face ao desenrolar do jogo. A intenção era boa, mas a execução não (e que tal fazerem algo semelhante ao que a DAZN faz na sua plataforma de Youtube?).

Por outro lado, as transmissões no Canal 11 também deixam muito a desejar – ecrãs divididos, algumas vezes para que seja feita a transmissão de um mero treino da seleção masculina de futebol, alternância de transmissões com outros jogos, que nos fazem perder parte do jogo a que pretendemos assistir, rodapés que cortam parcialmente a imagem do jogo, e comentadores, muitas vezes, mal preparados (contamos pelos dedos de uma mão a quantidade de comentadores que se preparam devidamente para os jogos femininos, e demonstram conhecer o panorama do futebol nacional, não se focando apenas nas jogadoras e clubes de “conhecimento público”).

Passamos para a própria liga, e para as condições proporcionadas às atletas para praticar futebol. A partir da presente época, passou a ser obrigatório que todas as equipas participantes na Liga BPI, a principal competição portuguesa de clubes, jogassem em relvado natural. Uma medida que peca apenas por tardia, dado que já era aplicada nos campeonatos amadores masculinos (ou semi-profissionais). Até aqui, tudo perfeito. Mas continuamos com uma Liga, primeira divisão, que embora seja disputada por alguns clubes profissionais e semi-profissionais, ainda não o é, o que leva a que situações no mínimo caricatas, para não as descrever como inadmissíveis, continuem a acontecer.

Posso aqui referir 2 situações – o estado deplorável dos balneários do estádio onde o CS Marítimo joga, bem como o estado do seu relvado, a existência de balizas e de um campo sem as medidas mínimas, onde constantemente as equipas de arbitragem e delegados da FPF permitem a realização de jogos oficiais. Na época transata, foram várias as jogadoras do Sporting a manifestar-se relativamente às condições de manutenção e limpeza dos balneários em questão. Já na presente época, o Racing Power emitiu mesmo comunicado oficial, a contestar as condições em que teve de disputar o jogo na Madeira, acabando por ser o clube “lesado” o castigado pela FPF. Algo de errado não está certo, mas continuemos… Além desta situação, há outra que demonstra uma enorme falta de profissionalismo de quem gere a liga – a situação “Vilaverdense”.

A equipa de Vila Verde conquistou a manutenção na liga BPI, mas no início da presente temporada ainda não disputou qualquer jogo oficial – desistiu da participação na Taça da Liga, e tem vindo a adiar os jogos calendarizados para a Liga BPI. E porquê? Porque no final do mês de setembro, ainda não tem jogadoras suficientes no plantel para que lhe seja possível disputar jogos oficiais. Uma situação sobre a qual nunca ouvimos qualquer tipo de comentário por parte da FPF, mas que está a acontecer naquela que é a primeira divisão nacional feminina de futebol, onde competem equipas profissionais e semi-profissionais, mas que tarda em se tornar profissional, de forma a proteger as atletas, treinadores/as e clubes de situações como as que temos vindo a testemunhar.

Ainda a nível da liga, não posso deixar de falar das equipas de arbitragem, cujo desempenho fica, por vezes, bastante aquém daquilo que é a qualidade do futebol praticado pelas atletas, tornando-se as equipas de arbitragem como mais um obstáculo a ultrapassar, e não um contributo ao crescimento. Existem situações recorrentes que tenho de referir, e que estão ligadas às verificações do VAR – não fiz a “matemática”, mas pelos jogos a que tenho assistido, as validações de golos, verificações de grande penalidade, foras de jogo, etc., têm interrompido os jogos por períodos muitas vezes superiores aos 5’, algo que em nada beneficia a modalidade, as atletas ou os adeptos, que acabam por ficar saturados das constantes interrupções e longas esperas. Convido-vos a assistir aos jogos do dia 21 de setembro de 2024 – Torreense vs Estoril Praia e SC Braga vs Damaiense, que ilustram o que aqui descrevo.

A nível dos clubes, para que as equipas femininas sejam realmente valorizadas, será muito importante que estas passem a jogar sempre, e não só de vez em quando, nos principais estádios. Contrariamente à opinião da maioria dos adeptos, é a jogar nos estádios “grandes” que melhor promovemos a modalidade, mais facilmente chamamos e vinculamos adeptos, e podemos ter receita de bilheteira. Não é a “esconder” jogos da Champions League feminina nos campos das academias que iremos potenciar o crescimento da modalidade na sua vertente feminina. A desculpa “o relvado não aguenta” já é velha e gasta, principalmente quando nas academias ocorre mais do que 1 jogo por fim de semana, no mesmo relvado.

Com este artigo, com opiniões minhas, sobre as quais assumo total responsabilidade, não quero que pensem que está tudo mal feito. Antes pelo contrário, temos vindo a trabalhar muito bem na última década. Contudo, este não é o momento de parar e apreciar a vista do que foi conquistado, muito pelo contrário – este é o momento de fazer ainda mais, e melhor!

Algumas reclamações e exigências podem parecer algo “picuinhas”, mas não é nos grandes gestos, nem nas candidaturas a receber campeonatos da Europa, que se avaliam as boas iniciativas. É, sim, nos detalhes, e nas pequenas ações (muitas vezes invisíveis) que ajudam a criar as devidas condições que vão sustentar a continuidade da evolução da modalidade, e a sua real afirmação a nível nacional, que se vê a vontade de crescer cada vez mais! Olhemos para o exemplo da Liga Inglesa, e o trabalho extraordinário que têm vindo a desenvolver. Passo a passo, acredito que lá chegaremos. Basta querer!


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS