A cidade do Porto parou

Luís MouraFevereiro 21, 20253min0

A cidade do Porto parou

Luís MouraFevereiro 21, 20253min0
Em jeito de crónica e testemunho, Luís Moura conta como a cidade do Porto parou para fazer uma última homenagem a Jorge Nuno Pinto da Costa

No dia 17 de fevereiro de 2025 Campanhã tinha um ritmo diferente. A estação atribulada como sempre, entre as partidas e as chegadas para diferentes pontos da cidade, mas com um toque de azul nunca antes visto numa segunda feira de manhã. Os cachecóis azuis e brancos pautavam as vestes dos portuenses que antes de seguirem para os trabalhos se dirigiram em força ao Dragão.

À chegada, o memorial em homenagem a Jorge Nuno Pinto da Costa crescia a uma velocidade estonteante. As filas formavam-se para depositar recordações num espaço material, mas que transcende à imaterialidade. “Não tenho palavras para isto”, ouvia-se de um associado em lágrimas segundos antes de deixar o cachecol que o acompanhou na conquista da UEFA Champions Legue em Gelsenkirchen e o último cartão de sócio assinado pelo “presidente dos presidentes”. Um espaço altamente espiritual de devoção a um homem que foi muito mais que um presidente, foi um líder de uma instituição que é o baluarte da região norte. Um clube que nasceu regional e com Pinto da Costa atingiu uma referência mundial, ao ponto de estar a poucos meses de disputar a primeira edição do mundial de clubes.

O Dragão estava sentado na primeira fila para observar o trânsito humano que subia a Alameda das Antas em direção à igreja para prestar uma última homenagem. Quem sempre o apoio circundava a igreja das Antas a partir do interior. Uma guarda de honra barulhenta e imotiva contrastante com o silêncio.

Até no seu último momento terreno Pinto da Costa proporcionou uma reflexão profunda: as formas de vivenciar o luto. Cantar pelo seu nome acompanhado por fumos azuis ou então a quietude silenciosa que permite o momento respirar e tornar-se ainda mais emotivo. Duas formas que juntas se tornam incrivelmente especiais. São reflexos de formas de estar e pensar distintas, mas que sempre Jorge Nuno conseguiu unir, tornando do Porto um clube diferente. Para além dos títulos, é também este o legado que deixa. Uniu as suas gentes em torno do seu maior amor: o Futebol Clube do Porto.

Inevitavelmente, nas redondezas, o trânsito foi organicamente cortado pela multidão que aguardava o termino da cerimónia. Os borborinhos eram de pena, de um certo ressentimento pelo Presidente não entrar por uma última vez na sua casa. Até que, parecendo que o Porto tinha marcado um golo, o rumor começou a surgir: “o presidente vai ao Dragão”. A confirmação oficial não tardou, e aí, grande parte da multidão que havia subido as Antas fez o percurso inverso e voltou a casa. As ruas circundantes à igreja, ainda assim, continuavam preenchidas por uma moldura humana. A cidade invicta parou durante a manhã de segunda. Nunca tantas pessoas com vidas tão dispersas e divergentes alteraram os seus planos para dizer adeus a quem tantas alegrias lhes deu. Todo o Porto estava na Alameda das Antas. Se não fisicamente, certamente, em espírito.

Já o Dragão enchia, quando a missa terminou. O cortejo fúnebre desceu sob guarda de honra em direção ao estádio. Estava cada vez mais perto o momento de maior dimensão emocional. No interior os cânticos e as palmas iam surgindo. Os adeptos aqueciam as vozes e os corações, no momento em que a urna de Jorge Nuno Pinto da Costa entrou no relvado do Dragão. Palmas, silêncio, berros e choro. Ouviu-se o hino do clube entoado por Maria Amélia Canossa, pouco antes de Pinto da Costa desaparecer fisicamente da vida terrena. Lisboa tremeu (irónico, mas também simbólico). Para os portistas fica o vazio, mas também o desafio de unir as tropas como tão bem Pinto da Costa fez.

Foto de Destaque do FC Porto – Facebook


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS