FPF e o desenvolvimento do futebol feminino: – investimento sério ou apenas “show-off”? pt.1
Muito se fala sobre o desenvolvimento e evolução do futebol jogado por meninas e mulheres em Portugal, e sim, não vou negar que tem sido extraordinário assistir ao crescimento da modalidade no nosso país, que tem vindo a ganhar cada vez maior relevância junto dos adeptos, com resultados muito positivos a nível internacional (clubes e seleções), que puxam cada vez mais adeptos e atletas para a modalidade. No entanto, há muitos problemas estruturais inerentes às competições femininas em Portugal (e acredito que seja transversal a muitas modalidades femininas, não só o futebol), que continuam a ser perpetuados e atirados para baixo do tapete, e que atuam como uma âncora que impede o real crescimento e explosão do futebol no feminino, em Portugal.
No rescaldo deste desastroso campeonato da europa feminino (sim, esperava-se muito mais da nossa seleção, quer em termos exibicionais, quer em termos de resultado), surgem as habituais questões quanto à continuidade da equipa técnica nacional (que penso ter atingido o “fim da linha” – nada apaga o que de muito bom foi feito, atenção! – mas esse é outro tema que não desenvolverei aqui), penso ser tempo de abordar alguns temas em que muito tenho pensado durante esta última época.
A análise será dividida em duas partes, observando a estruturação dos calendários competitivos na segunda parte.
Falemos das competições séniores:
Numa fase em que os outros países dão o passo em frente, e aumentam o número de equipas integradas na primeira liga, em Portugal, fazemos o contrário – em 2025/2026, o número de equipas integradas na Liga BPI é reduzido para 10, em vez das habituais 12 equipas. A justificação apresentada é a de, ao reduzir o número de equipas, a competitividade da liga aumentar, por serem “retiradas” as que, qualitativamente falando, se encontram mais distantes das restantes. Contudo, ao fazê-lo, está a afunilar-se o futebol feminino nacional, tornando o acesso à Liga BPI cada vez mais restrito e inalcançável, por equipas fora dos núcleos urbanos mais desenvolvidos do país.
Se olharmos para a época transata, e para o “caso” Vilaverdense, podemos ter uma ideia do amadorismo com que ainda é gerida a Liga BPI – a I Divisão Nacional, onde competem equipas totalmente profissionais. Permitir que uma equipa, à data de início da temporada, não tenha qualquer jogadora inscrita para competir, e permitir-lhe o adiamento constante de jogos (disputaram o seu primeiro jogo em novembro), é surreal, e algo que não pode acontecer numa competição que, cada vez mais, se quer profissional (a profissionalização da liga só peca por tardia).
E, além disso, há mais um “caso” para abordar – o Damaiense, que terá sido excluído da Liga BPI em 2025/2026, por falhar o processo burocrático necessário para a correta inscrição na competição. Contudo, o clube recorreu, e o processo ainda se encontra a decorrer. Veremos se estará tudo resolvido “a tempo e horas”, pois a preparação de uma época não se faz em 2 dias, e é totalmente diferente se estamos a competir na Liga BPI ou na II Divisão…
Por outro lado, estamos a tentar fazer crescer uma liga, em termos qualitativos e competitivos, mas não permitimos aos clubes investir e crescer. A regra das jogadoras formadas localmente continua em vigor, e a limitar, e muito, o crescimento da modalidade. Clubes com maior autonomia financeira vêm-se assim limitados na sua prospeção de talentos (confirmados ou a desenvolver) estrangeiros, e as jogadoras da formação acabam por permanecer nos plantéis, não para ser peças chave na equipa, mas para preencher as quotas de “jogadora formada localmente”, nunca tendo a real oportunidade de dar o salto qualitativo, que só surge com a regular participação nos jogos da equipa. Se esta regra não existisse, sim, é verdade que muitos plantéis seriam constituídos, maioritariamente, por atletas estrangeiras, mas tal iria permitir que as jovens portuguesas pudessem ser emprestadas a equipas em contextos competitivos mais favoráveis, onde jogassem de forma regular, em equipas séniores, regressando mais maduras e preparadas para, internamente, lutar por um lugar no plantel com as jogadoras estrangeiras.
Esta regra das jogadoras formadas localmente existe também nas competições de formação. Sim, nas competições de formação! É surreal existir quotas de jogadoras formadas localmente em escalões de formação, quando muitas delas iniciaram a prática desportiva há 1 ou 2 anos, não cumprindo o critério para serem consideradas como formadas localmente, ficando a sua utilização em jogo condicionada por uma regra sem sentido (dou o exemplo da taça nacional feminina sub-17, onde existe este critério da jogadora formada localmente, para limitar a utilização de jogadoras do escalão acima). Está aqui imposto um condicionalismo não só ao desenvolvimento da jovem atleta, como até à participação dos clubes neste tipo de competição, dados os plantéis curtos (em quantidade) que existem por todo o país (claro que, quando só conhecemos a realidade dos grandes centros urbanos, torna-se fácil tomar este tipo de decisão).
Continuando a olhar para as competições séniores, 2025/2026 trará mais uma competição – a IV Divisão Feminina, sem limite de equipas participantes, e com um modelo competitivo muito semelhante ao que estava em vigor na III Divisão Feminina. Ora aqui colocam-se várias questões – será que existem tantas atletas femininas a nível nacional, que permita a criação de uma IV divisão competitiva? Ou é esta mais uma competição para “existir” e não para competir? / A criação de uma IV divisão implicará a inclusão, na mesma série, de clubes geograficamente mais distantes, o que implicará maiores gastos e logísticas mais complexas, associados às deslocações para os jogos. Este problema existirá também na III Divisão Nacional, que terá agora um formato semelhante ao que a II Divisão tinha anteriormente. Será que alguém pensou nos clubes pequenos, que desenvolvem interessantes projetos de futebol no feminino, mas que têm pouca capacidade logística e financeira?! Ou só interessam os clubes dos grandes centros urbanos?! Será que a FPF vai atribuir maiores apoios aos clubes? Não me parece… Gostaria, honestamente, de saber que estudo suporta estas alterações nas estruturas competitivas, porque para quem está de fora da tomada de decisão, não parecem fazer qualquer sentido, e apenas prejudicam os pequenos clubes, que competem com apoios municipais escassos, orçamentos limitados, e sobrevivem pelo esforço e sacrifício de staff técnico, diretores, pais e atletas.
Quando falhamos o passo mais importante, que é a profissionalização da I Divisão Feminina, como é possível justificar todas as outras decisões, que parecem apenas beneficiar a “elite”?
Foi há pouco anunciado um pacote financeiro de apoio da FPF ao futebol no feminino, que se foca na Liga BPI, II e III divisões, seleções nacionais e arbitragem – volta a ser esquecida a IV divisão, que cada vez mais parece ser o local para onde enviam “as sobras” (e há tanta qualidade nas equipas que vão competir na IV divisão!), e o futebol de formação, que continua a ser ignorado. Sem investimento, sem apoios, nenhum projeto cresce e perdura!
A segunda parte da análise à situação actual do futebol feminino continua irá estar disponível dentro de alguns dias.