Revolução Francesa em Madrid – o Real de Zidane

Bruno DiasAgosto 30, 20177min0

Revolução Francesa em Madrid – o Real de Zidane

Bruno DiasAgosto 30, 20177min0
7 títulos em 18 meses. É este o registo do Real Madrid desde que Zinedine Zidane assumiu o comando dos “merengues”. Com ele, o Real transformou-se na melhor equipa da actualidade. Mas como?

 

La Liga, Supertaça Europeia, Supertaça Espanhola, Campeonato do Mundo de Clubes, duas Champions League consecutivas (a primeira equipa a conseguir tamanho feito desde que o actual formato da competição foi adoptado, em 1992). O Real Madrid parece não conseguir parar de ganhar, e é impossível dissociar este período vitorioso da chegada de Zinedine Zidane ao comando da equipa principal do clube. O francês, talvez por ser uma figura tremendamente respeitada no meio – dada a dimensão e o prestígio da sua carreira como jogador, e de todo o seu talento, mundialmente reconhecido –, conseguiu dominar desde o primeiro dia o tradicionalmente complicado balneário “merengue”, e a gestão dos diferentes egos presentes no plantel tem sido uma das suas principais virtudes. No entanto, existiram também mudanças ao nível táctico e da qualidade de jogo, e é nesse aspecto que este artigo procurará focar-se.

 

As mudanças no futebol do Real

Até à chegada de Zidane, o Real era uma equipa que se caracterizava bastante pelo seu futebol rápido, baseado nos momentos de transição. Principalmente dispostos num 4x2x3x1, a responsabilidade de assegurar os equilíbrios defensivos e a segurança no corredor central no momento da transição ataque-defesa assentava num duplo pivot composto por dois jogadores que não são particularmente fortes nesse aspecto. Toni Kroos e Luka Modric são magníficos com a bola, mas não são jogadores talhados para a recuperação da mesma, ou que ofereçam grande solidez defensiva no espaço à frente dos centrais.

Esta série arrasadora de títulos coincide, então, sensivelmente com o momento em que Zidane, logo após pegar na equipa, decide introduzir Casemiro na formação madrilena, conferindo ao meio-campo do Real uma combatividade e agressividade sem bola que se dizia há muito faltarem à equipa. O brasileiro não está, com bola, ao nível daquilo que normalmente se esperaria de um jogador do Real, mas a verdade é que as qualidades que acima são mencionadas permitiram a Zidane consolidar defensivamente a sua equipa, e libertar de forma mais declarada o meio-campo e o ataque para tarefas mais ofensivas. A elevada propensão ofensiva dos laterais (Dani Carvajal, à direita, e Marcelo, à esquerda, indiscutíveis com Zidane) deixou de ser um potencial problema em termos defensivos, pois muitas vezes Casemiro trava as tentativas de contra-ataque dos adversários logo à partida. Também a consistência exibicional de Keylor Navas, Raphael Varane e Sergio Ramos têm contribuído para que o Real se apresente, regra geral, como uma equipa muito sólida em termos defensivos, sobretudo tendo em conta aquilo que eram num passado relativamente recente.

Mais recentemente, já nos jogos das Supertaças desta temporada, Zidane parece estar à procura de dar outro grande passo na evolução da equipa, com a introdução de Mateo Kovacic no vértice mais recuado de um meio-campo que, ao longo do tempo, foi passando de um triângulo (com a famosa “BBC” – “Bale, Benzema e Cristiano” – como trio de ataque) para um losango, e do 4x3x3 para o 4x4x2. A qualidade do croata para sair de zonas de pressão e quebrar linhas através da sua supersónica velocidade em drible é mais um “upgrade” de qualidade que, certamente, dotará o Real de ainda mais argumentos para vencer os seus adversários.

Também a gestão física do plantel tem tido um papel fundamental no sucesso de Zidane ao comando do Real. Nos últimos anos, é do senso comum que Cristiano Ronaldo, por exemplo, participava em praticamente todos os jogos oficiais minimamente relevantes. Descansava apenas nas eliminatórias iniciais da Copa do Rei e pouco mais. Com o avançar da sua idade, no entanto, isso é incomportável, se a ideia é retirar o máximo rendimento daquele que é o melhor jogador da equipa e um dos melhores jogadores da história do jogo. Zidane compreendeu rapidamente isso e, usando novamente do seu estatuto perante o jogador, convenceu Ronaldo a aceitar descansar em mais jogos, principalmente no campeonato. Essa gestão permitiu que o português se apresentasse ao seu melhor nível na fase mais decisiva da época, tendo sido preponderante na caminhada do Real Madrid rumo à vitória na última Champions League, com 10 golos apontados entre os quartos-de-final, a meia-final e a final.

A sua gestão, bem como a de outros jogadores (Karim Benzema, por exemplo), também permitiu que outras soluções de qualidade fossem despontando no plantel “blanco”. Álvaro Morata e Nacho Fernández assumiram-se definitivamente na temporada passada como jogadores de nível internacional, graças aos minutos que Zidane lhes foi dando. Também James Rodríguez – que entretanto saiu para o FC Bayern – foi sendo essencial para algumas vitórias “merengues”. Mais recentemente, já no início desta temporada e com a saída do colombiano, é Marco Asensio quem tem estado a um nível soberbo, fazendo esquecer por momentos a importância do português na frente de ataque. O espanhol, dono de um talento verdadeiramente impressionante, entrou na época a todo o gás e já soma 4 golos em 5 jogos. Zidane concede oportunidades a todos os jogadores, dá minutos a quem precisa deles, e com isso fortalece o seu plantel, não só a curto prazo (mantendo todos os jogadores satisfeitos), como também no longo prazo (com a evolução dos seus talentos mais jovens, através do ritmo de jogo que vão adquirindo, fruto das oportunidades que vão tendo).

Zidane tem coleccionado títulos desde que assumiu o comando do Real Madrid [Foto: skysports.com]

Isco, a “peça-chave”

Frequentemente – como já referido neste artigo –, aponta-se a introdução de Casemiro na equipa como a peça que alterou toda a dinâmica madrilena. No entanto, o momento-chave desta evolução do Real para a excelente equipa que é hoje será, muito provavelmente, o momento em que Isco assume a titularidade, devido à lesão de Gareth Bale.

O malaguenho veio trazer à equipa espanhola criatividade e virtuosismo no último terço do terreno. É verdade que não possui a capacidade de aceleração do galês, que fazia mossa nas transições mortíferas do Real, nos tempos áureos da “BBC”. No entanto, as suas características foram o factor fundamental na já falada e progressiva mudança do Real do seu 4x2x3x1/4x3x3 dos últimos anos, para o 4x4x2 actual. Partindo da direita para o corredor central, a introdução e consolidação de Isco no 11 transformou também o Real numa equipa mais capaz de gerir o ritmo do jogo e de o controlar com a bola. Uma equipa que deixou de explorar tanto os momentos de transição, para começar a passar mais tempo em organização ofensiva, com maior circulação de bola, com mais capacidade para jogar entre linhas (aspecto onde Isco é extraordinário), com outra criatividade para encontrar boas soluções para chegar à baliza adversária. Tudo isto sem perder a capacidade para acelerar o jogo e explorar os espaços quando eles existem, principalmente através de Ronaldo, e sem cair numa posse de bola estéril e sem grande objectividade, pela capacidade criativa e sobretudo de associação entre os seus médios (Isco, Kroos, Modric). Um “híbrido” poderosíssimo e complicado de travar.

No fundo, Isco era a peça que faltava para fazer toda a máquina funcionar de forma fluída e natural.

Isco tem estado em tremendo destaque na equipa madrilena [Foto: sportskeeda.com]

Perante este Real – o mais forte dos anos recentes – e tendo em conta as debilidades actuais demonstradas pelo FC Barcelona, estamos na presença daquele que é o principal candidato ao título em Espanha. E pela forma segura como continuam a evoluir e a exibir-se em campo, veremos se não conquistarão também a glória europeia, pelo terceiro ano consecutivo.


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