Quadro táctico da LaLiga: o Girona e o sonho europeu

Bruno DiasMaio 27, 20237min0

Quadro táctico da LaLiga: o Girona e o sonho europeu

Bruno DiasMaio 27, 20237min0
Na Catalunha, e na sombra de um novo campeão, o Girona sonha pela primeira vez com a presença nos palcos europeus.

Falar de futebol, em terras catalãs, é quase automaticamente falar do FC Barcelona – clube de dimensão mundial e um dos históricos da modalidade – ou, em raros casos, falar do Espanyol, clube centenário e já com muitos anos na LaLiga e até em competições europeias.

Porém, esta época há outro clube da região a dar nas vistas no futebol espanhol. Recém-promovido, o Girona tem vindo a realizar um campeonato muito positivo, ao ponto de conseguir inclusive sonhar com uma qualificação para as competições europeias, feito que seria inédito para um emblema que vai apenas na sua terceira temporada enquanto membro do principal escalão, apesar de já contar com 93 anos de existência.

Para tal, muito contribui a ligação ao City Group, o grupo que é proprietário da maioria do clube e que tem um projecto desportivo consolidado a nível mundial. Com vários clubes na sua “carteira” de investimentos – sendo o Manchester City, evidentemente, protagonista nesta lista -, fornecem a estabilidade financeira e a rede de contactos futebolística necessárias para desenvolver um clube que tem vindo a evoluir progressivamente, apesar de alguns percalços (como a descida na época 2018/19).

É graças a essa ligação que passaram pelo clube, nos últimos anos, múltiplos jovens talentos que encontram no Montilivi a sua casa e no Girona o contexto ideal para se desenvolverem e se mostrarem à Europa futebolística. Ademais, o próprio clube é também capaz de formar atletas de grande potencial que seguem esse mesmo caminho de sucesso, provando que é possível partirem do clube para patamares mais elevados, como é exemplo o ex-Sporting, Pedro Porro.

Foi este percurso que levou a que, nesta temporada de regresso ao “convívio com os grandes”, o clube conseguisse reunir um plantel com variadas soluções e de valor relativamente reconhecido, apesar de jovem. Condições que permitem ao Girona estar minimamente tranquilo em relação ao “fantasma” da descida, consolidando-se como um emblema que pode continuar a servir de base para que mais e melhores talentos do City Group demonstrem a sua qualidade no clube.

Mas é no campo que os resultados são efectivamente obtidos, e este Girona já provou que tem argumentos de qualidade para apresentar dentro das quatro linhas.

(Foto: sport.es)

 

Como joga… o Girona

Os comandados de Míchel têm vindo a realizar uma temporada de grande nível, estando actualmente na posição, com 49 pontos e ainda na luta pelos lugares europeus que confeririam, de imediato, outro peso e dimensão ao clube.

Altamente flexíveis do ponto de vista táctico, os “gironinsjá actuaram esta época em vários sistemas distintos, tendo começado a temporada com um sistema de 3 centrais, que entretanto mudou para uma defesa a 4. Nas últimas semanas jogam normalmente num 4x3x3, que facilmente se desdobra num 4x2x3x1 e que possui uma complementaridade de perfis muito interessantes entre as opções habitualmente escolhidas pelo treinador.

Começando pela baliza, Paulo Gazzaniga é o guardião dos catalães. O experiente guarda-redes argentino (31 anos), emprestado pelo Fulham, conta já com vários anos de Premier League e tem demonstrado ser uma opção sólida e segura entre os postes.

À sua frente, a dupla de centrais é normalmente composta por Santiago Bueno – uruguaio titularíssimo e que tem sido uma das revelações da LaLiga – e Juanpe ou Bernardo Espinosa, dois jogadores que têm alternado como parceiros do “patrão” da defesa. Na lateral esquerda joga Miguel Gutiérrez, comprado neste Verão ao Real Madrid e dono de uma margem de progressão assinalável. O mesmo, de resto, pode ser dito do seu companheiro à direita. Arnau Martínez é, provavelmente, a grande surpresa desta temporada em Gerona (município do clube). Produto da formação e com apenas 20 anos, encanta já os principais clubes europeus pela solidez defensiva e acutilância com bola que demonstra, sendo capaz de dominar todo o flanco direito com perícia e pujança. Um craque.

No sector intermédio, e à frente da defesa, actuam principalmente os veteranos David López (proveniente do Espanyol e já com uma breve passagem pelo Nápoles) e Oriol Romeu, um dos esteios da equipa. Em tempos visto como uma jovem promessa de Barcelona, acabou por realizar uma carreira muito interessante na Premier League (ao serviço do Southampton), regressando agora a “casa”. À sua frente, Míchel “transformou” Viktor Tsygankov, chegado em Janeiro, para actuar progressivamente em zonas mais centrais (dependendo do sistema utilizado). As restantes opções do meio-campo têm sido utilizadas de forma minimamente regular e rotativa, até pela variação de sistemas ao longo da temporada. Destaque aqui para nomes como Aleix García, Ivan Martín ou Yangel Herrera.

Nas alas, Yan Couto é lateral de origem mas avançou no terreno por dois motivos: a preponderância de Martínez atrás, e o seu vasto reportório técnico mais à frente. Capaz de desequilibrar através do drible e de curtas combinações, tem um perfil talhado para o equilíbrio do sistema. Já pela esquerda, e com tendência para pisar zonas interiores, joga Rodrigo Riquelme, um criativo de quem já falamos anteriormente no “LaLiga Scouting”. Nesta zona, possuem ainda alternativas como Borja García, Valery Fernández ou Toni Villa.

Finalmente, na frente de ataque e além da figura individual desta formação (de quem falaremos abaixo), há ainda como opção o lendário Cristhian Stuani. Aos 36 anos, o capitão e melhor marcador da história do clube (com 116 golos) já não apresenta as capacidades atléticas de outrora, mas continua a movimentar-se de forma sagaz na área adversária, sempre em busca de poder finalizar as oportunidades que lhe chegam de forma letal, como tão bem fez ao longo dos últimos anos.

Uma equipa recheada de talento individual, e capaz de lutar com os maiores emblemas espanhóis.

 

A figura: “Taty” Castellanos

Encontramos a “personagem principal” desta jovem equipa no ataque, e a brilhar declaradamente nas últimas semanas.

A realizar a sua primeira temporada na Europa, Valentín “Taty” Castellanos tem comprovado todos os predicados que trazia de Nova Iorque e da MLS, onde foi fulcral na vitória do New York City FC (outro dos clubes pertencentes ao City Group) na liga em 2021, apontando 23 golos na competição.

Oportunista nato na área adversária, Taty é no entanto um avançado que oferece bem mais ao jogo do que simplesmente eficácia numa zona específica do terreno de jogo. Capaz de se associar com os seus companheiros nas fases de construção e criação, possui também atributos técnicos para criar oportunidades de golo para si próprio, nomeadamente a forma como trabalha em espaços curtos e a facilidade com que visa a baliza.

Apesar de ter “apenas” 1,78m, o jogo aéreo constitui-se como outro dos seus pontos fortes. Com uma impulsão acima da média, calcula bem o timing de ataque à bola, vence uma quantidade significativa dos duelos aéreos que disputa e é um perigo constante quando a equipa o procura nesse capítulo, finalizando com precisão e qualidade.

Porém, é a sua movimentação que o diferencia. Sempre ligado ao jogo, procura incessantemente os espaços certos para ferir a defensiva adversária, seja jogando entre linhas para ligar com os colegas, seja atacando as costas da linha defensiva ou explorando espaços entre central e lateral para finalizar. Castellanos predispõe-se a trabalhar sem bola, não dá nenhum lance como perdido e revela-se uma constante dor de cabeça para o seu marcador directo, pela sua tendência natural de se movimentar ao longo de toda a amplitude do campo.

Um goleador de perfil abrangente, que pode perfeitamente sonhar com voos mais altos.


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