Quadro táctico da LaLiga: A defesa de betão do FC Barcelona
Quando pensamos nas equipas que melhor representam o grande futebol ofensivo e criativo, é inevitável não pensarmos no FC Barcelona. Com um estilo mais ou menos personalizado, mais ou menos vincado, a verdade é que ao longo dos últimos largos anos o clube catalão foi coleccionando momentos criativos icónicos e jogadores de estilos únicos e irrepetíveis.
De Romário e Hristo Stoichkov a Lionel Messi, Luis Suárez e Neymar Jr. (o célebre trio “MSN“), passando pelos incontornáveis Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho ou Thierry Henry, o ataque foi sempre o foco principal do sucesso “culé“.
Tal facto não deixa necessariamente de ser verdade na actualidade, com Robert Lewandowski e Ousmane Dembélé a assumirem-se como figuras de proa da equipa treinada por Xavi Hernández – ele próprio outrora uma lenda do clube dentro das quatro linhas – bem secundados pela jovem dupla de mágicos Gavi e Pedri.
Porém, o que realmente tem feito a diferença no sucesso actual do Barça é mesmo a sua capacidade defensiva. Com 23 jornadas da LaLiga decorridas, são apenas 8 os golos sofridos, em apenas 6 jogos e com a derrota por 3-1 no Santiago Bernabéu, frente ao Real Madrid, a constituir praticamente metade dos golos que a equipa sofreu em toda a competição.
Um registo absolutamente impressionante, que coloca este Barcelona como a melhor defesa das principais ligas europeias e com a possibilidade de terminar a temporada como uma das melhores defesas europeias em anos recentes, batendo vários recordes defensivos.
Mas, afinal, por que motivo é tão complicado marcar a esta equipa?
As rotinas colectivas
No plano colectivo, é difícil analisar qualquer equipa “blaugrana” sem a influência prévia daquilo que foram os últimos 10/15 anos. Com Pep Guardiola ao comando, e posteriormente também com Tito Vilanova e até com Luis Enrique (embora já a uma menor escala), o Barça transformou-se numa máquina imparável de controlo do jogo, dominando a posse de bola contra praticamente qualquer oponente e manipulando o jogo (e o adversário) a seu bel-prazer. Naturalmente, esta capacidade de controlo das partidas limita as possibilidades de conceder oportunidades de golo em volume, o que consequentemente diminui o número de golos sofridos das sucessivas equipas “culés“.
Para além disso, a forma de jogar desta equipa de Xavi acaba por facilitar também o momento de transição defensiva da equipa, aspecto onde sempre se encontraram as maiores fragilidades por ser, igualmente, um dos momentos em que o Barcelona menos tempo passa em jogo, habitualmente. Dito de outra forma, a filosofia mantém-se mas a segurança com que a equipa se prepara para eventuais perdas de bola e ataques adversários aumentou.
Isto acontece porque Xavi faz questão de canalizar a maioria do ataque “blaugrana” pelos corredores laterais, seja abrindo bem o extremo no lado direito (Dembélé ou Raphinha), seja promovendo as subidas constantes do lateral esquerdo. Tal dinâmica faz com que os médios (Sergio Busquets, Gavi, Pedri, Frenkie de Jong, Franck Kessié) se concentrem menos na zona da bola e mantenham um posicionamento mais central, o que facilita o reequilíbrio da equipa e a preparação para a reacção à perda da bola.
Outra das questões que aumenta a solidez defensiva da equipa em todas as fases passa pelo posicionamento da defesa. Enquanto na esquerda há liberdade total para que o lateral se projecte no campo, à direita o lateral funciona como uma espécie de terceiro central, que actua mais recuado e de frente para o jogo, muitas vezes até em terrenos mais interiores.
Factores que ajudam a explicar o porquê deste Barça ser talvez menos encantador, mas mais eficiente, mantendo no entanto a base do estilo que melhor o caracteriza.
Os destaques individuais
É de notar que a grande maioria das dinâmicas colectivas, no entanto, já se encontravam relativamente enraizadas na equipa ao longo das últimas épocas. Assim, a principal fatia desta grande subida de rendimento tem de ser atribuída a melhorias individuais e, neste campo, há vários nomes que fazem deste Barça uma “fortaleza defensiva”.
Desde logo, na baliza. Marc-André Ter Stegen está no clube há vários anos, mas a temporada 2022/23 tem sido, provavelmente, a melhor da sua carreira. O alemão continua a ser uma referência mundial na distribuição e na forma como auxilia a equipa na saída de bola, encontrando com facilidade linhas de passe que contrariam as diferentes estruturas de pressão que a defensiva “blaugrana” tem enfrentado. Porém, é na defesa da baliza – aquela que é, no fundo, a sua principal função – que o guarda-redes de 30 anos realmente recuperou o seu melhor nível, demonstrando-se novamente sereno em todas as suas acções. Intransponível no 1×1 e com reflexos instantâneos mesmo face a finalizações mais precisas, voltou a transmitir uma segurança brutal a toda a equipa, que se reflecte na forma como a sua linha defensiva também aborda a maioria dos lances.
E é nessa mesma linha defensiva que moram outros dois esteios da solidez “culé“. Ronald Araújo e Jules Koundé entenderam-se na perfeição desde a chegada do francês no Verão, proveniente do Sevilla. Juntos, formam uma dupla praticamente perfeita. Ambos possuem uma capacidade atlética claramente acima da média, que lhes permite vencer a maioria dos duelos individuais que disputam. Ambos apresentam argumentos para acrescentar qualidade à saída de bola da equipa. Acima de tudo, o entendimento quase telepático que possuem permitem que Xavi alterne entre ambos no centro e no lado direito da defesa, dependendo do adversário e daquilo que o técnico pretende para o jogo.
Também no eixo da defesa, surge Andreas Christensen. O dinamarquês, proveniente do Chelsea a custo zero, tem-se revelado uma das melhores contratações do clube para esta temporada. É verdade que demorou a apresentar o seu melhor nível (contrariamente a Eric García, por exemplo, que começou a época a um nível altíssimo mas foi descendo de rendimento até regressar ao banco de suplentes), mas as últimas semanas trouxeram consigo um central sóbrio e eficaz no plano defensivo, e com o perfil certo para contribuir com bola dentro daquilo que é a ideia de jogo deste Barcelona.
Já à esquerda, observa-se uma conjugação de factores que recuperou Jordi Alba para um rendimento bastante interessante, ele que no mercado de Verão até parecia estar na rota de saída do clube. Para tal, muito contribuiu o aparecimento de duas novas caras nesta zona do terreno.
À semelhança de Christensen, também Marcos Alonso chegou ao clube vindo do Chelsea, e a sua utilidade não poderia ser mais evidente neste sector. Alternando entre a lateral esquerda e o eixo defensivo (onde é utilizado ocasionalmente para aumentar as soluções na construção de jogo), os minutos de qualidade que oferece têm permitido a Alba descansar mais vezes e estar mais fresco fisicamente para as principais partidas.
A outra “muleta” de Alba chama-se Alejandro Baldé. O jovem de apenas 19 anos, da cantera “blaugrana“, apresentou-se ao futebol espanhol logo nas primeiras semanas, com uma velocidade supersónica e uma capacidade de fazer todo o flanco que fazem relembrar os tempos áureos do veterano. Dono de um potencial fantástico, as suas exibições levaram-no inclusivamente a ser convocado para jogar o Mundial do Qatar pela selecção espanhola. Um fenómeno.
Todos estes factores culminam, até ao momento, numa equipa que sofre poucos golos e que tem argumentos colectivos e individuais para manter essa eficiência na sua própria metade do campo. Mantendo igualmente a capacidade de encontrar soluções para criar oportunidades de golo na baliza adversária, este Barcelona de Xavi assume-se claramente como uma equipa a ter em conta para os próximos anos, não só em Espanha mas também na Europa do futebol.