Paulinho, uma receita para fugir à sombra do passado

Ricardo LestreJaneiro 7, 20186min0
A carreira do médio brasileiro em análise no Fair Play.

Falar de Paulinho é sobretudo falar de um dos jogadores mais underrated do mundo do futebol. Manchado pela sua má experiência ao serviço do Tottenham, o brasileiro viveu tempos bastante conturbados na sua carreira, até que uma experiência na China, por incrível que pareça a muitos, recolocou-o de novo no topo da elite futebolística.

Do estrelato no Brasil ao fracasso em Inglaterra

“Se tu não tens sequência de jogos, não podes estar confiante para fazer o teu trabalho. Eu não tive isso. Não tive sequência de jogos no Tottenham. O outro médio-defensivo não jogava e, mesmo assim, eu não era chamado. O Pochettino tinha as decisões dele a tomar. Se ele as achava corretas, tudo bem. Nunca desrespeitei ninguém. Se fosse qualquer outro, não seria profissional como eu fui. Ficar três, quatro jogos sem ser chamado pode não querer ir a  jogo mais tarde. Nunca dei trabalho a ninguém. Sempre fiz o meu trabalho quieto, tranquilo. Nunca questionei ninguém”

(Entrevista ao jornal brasileiro Lance!)

O início de carreira de Paulinho não foi coberto por promessas, facilitismos nem facilidades acrescidas. A sua estreia como sénior deu-se na Lituânia, ao serviço do FC Vilnius, e, depois de ter escalado posições com o passar dos anos, ingressou num dos maiores clubes do Brasil, o Corinthians, na altura comandado por Mano Menezes.

Com 21 anos, assumiu-se de pedra e cal na primeira equipa. Realizou uma quantidade absurda de jogos nos quatro anos com a camisola do Timão, marcou golos, e a sua ascensão meteórica ficou consumada com uma transferência para a Premier League, com o Tottenham de André Villas-Boas a investir cerca de 20 milhões de euros na aquisição do seu passe.

Por se tratar de um jogador internacional e com características que aparentemente encaixariam no futebol inglês, tudo parecia encaminhado para o seu sucesso.

No entanto, isso não aconteceu. Foi precisamente o contrário. O insucesso de Paulinho em Terras de Sua Majestade é uma das grandes provas do lado mais negro do futebol. Para a Four Four Two, os adeptos dos Spurs consideraram-no o maior flop de sempre do clube. Os 10 golos marcados valeram-lhe de pouco. A más exibições marcadas pelos detalhes técnicos infelizes daquele que seria o ‘novo Lampard’ ficaram, por outro lado, bem presentes na memória. E foram cerca de 67 jogos disputados. Isto como se tivesse sido o único jogador brasileiro – e até sul-americano -, a fracassar em White Hart Lane.

(Foto: boxtoboxfootball.uk)

A reabilitação da carreira… na China

“Às vezes ficávamos só a olhar para ele durante o treino. Está um segundo à frente de toda a gente”

(Zheng Zhi, jogador e capitão do Guangzhou Evergrande Taobao)

Dois anos depois, o Guangzhou Evergrande Taobao investiu cerca de 14 milhões de euros na sua contratação. E o resto é história. Paulinho conquistou todos os troféus possíveis (3 campeonatos, uma Liga dos Campeões Asiática, duas Supertaças e uma Taça) e foi coroado como um dos melhores jogadores a pisar os relvados quer a nível nacional, quer a nível continental.

Para além de se ter tornado peça nuclear na equipa dos Tigres do Sul, a par de Ricardo Goulart e Alan, seus compatriotas, este surpreendeu tudo e todos pela sua parte humana. Não só dentro de campo, como fora dele.

E relativamente à tendência de colocar o futebol chinês com o rótulo de retirement league, Paulinho confirmou o oposto. Foi aí, precisamente, onde ‘reabilitou’ a sua carreira e voltou a atingir o auge. Nem o estatuto elevado o impediu de trabalhar de forma séria e no limite. Isso que surpreendeu os seus colegas de equipa anteriores e até mesmo os atuais.

Apesar de ter estado num campeonato bem distante e distinto do europeu, este regressou e cimentou o seu lugar na Seleção, sob o comando de Tite, e conseguiu estabelecer-se como um dos melhores do mundo na sua posição. Algo que lhe valeu, mais tarde, um bilhete para… Barcelona.

(Foto: ESPN)

A surpreendente e contestada chegada a Camp Nou

“Não vou mudar a filosofia do Barcelona, ninguém vai fazer isso. Aos poucos vou conhecendo melhor o que querem os jogadores, como gostam de jogar e eu me adapto, não vou mudar nada. Não jogo para calar bocas nem para responder à imprensa. Nunca foi a minha motivação. Apenas trabalho para ajudar a equipa. Muitos pensavam que era impossível alcançar. Mas também pensavam que era impossível voltar à seleção depois de ter ido jogar para a China”

(Declarações ao website oficial do FC Barcelona)

O impensável aconteceu. Nunca ninguém pensaria num eventual interesse do FC Barcelona na sua contratação. Mas a verdade é que, aos 29 anos, Paulinho rumou mesmo a um dos maiores colossos do futebol mundial.

A contestação fez-se sentir desde o início dos rumores e apenas parou após ter marcado o seu primeiro golo com o símbolo blaugrana ao peito, no encontro frente ao Getafe. A qualidade sempre esteve presente, mas, à primeira vista, as suas características não pareciam ser compatíveis com a filosofia barcelonista.

José Paulo Bezerra Maciel Júnior é um box-to-box puro. Forte, com uma resistência incrível e com um jogo de antecipação ao alcance de poucos. É um elemento que blinda o meio-campo no processo defensivo – protege e muito bem a bola – e é decisivo no ofensivo. No Guangzhou Evergrande, chegou a ser o grande responsável pela conquista de alguns títulos, tal a facilidade com que aparecia em terrenos mais adiantados e até em situações de bola parada. Talvez Arturo Vidal seja aquele que mais se assemelhe ao seu estilo de jogo nos dias de hoje. E não é fácil descobrir/monitorizar jogadores com esse tipo de características.

Por outro lado, a sua entrega não deixa ninguém indiferente. Paulinho sua a camisola, corre durante os 90 minutos e dá a alma pela sua equipa. Um guerreiro dentro das quatro linhas, traduzindo um pouco aquilo que faz falta no futebol moderno.

Pedido expresso de Ernesto Valverde. 40 milhões de euros. Contestado e até alvo de troça por grande parte dos adeptos. Porém, os números falam por si. Um total de 23 jogos disputados até ao momento, 7 golos – mais do que muitos avançados de elite na presente temporada – e duas assistências, naquele que por muitos é considerado o maior e melhor clube da história.

Paulinho, uma história de superação. Esforço, dedicação, trabalho… E uma bola nos pés.

(Foto: EFE)

Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS