Ernesto Valverde e as conjunções adversativas
O futebol é feito de coisas previsíveis que não acontecem. Talvez seja isso que tenha tanta graça. O Barcelona chegava a esta nova época vindo de um campeonato perdido, sem Neymar e com um novo treinador. Adivinhava-se o piorar da situação para os culés.
Ernesto Valverde era agora o homem do leme. Perante este cenário, e fazendo desde já um balanço da temporada, o técnico txinguirri acabou por conseguir dar conta do recado. No fim de contas, o Barcelona conseguiu o doblete em Espanha. Mais. Foram campeões com grande vantagem e só um filme no terreno do Levante lhes tirou a invencibilidade. Pelo meio, foram dar 3 ao Santiago Bernabéu e, com isto, confirmaram que o Real Madrid pode bem sentir que a Champions é mais fácil de vencer que La Liga.
Mas, porém, no entanto, todavia, contudo, há outras perspectivas a ter em conta no momento de analisar a temporada dos catalães. Se em Espanha a época correu de feição, na Europa houve desastres que colocaram tudo em causa. A derrota em Roma, por 3-0, está a ser difícil de digerir em Camp Nou, isto aliado à estatística que diz que caem pela quarta vez consecutiva nos quartos da Liga dos Campeões.
Indo mais a fundo, há outro tema que vem sendo discutido na questão do Barcelona. A equipa começou também a entrar em campo no jogo do “Quem é que gasta mais?” e passou a fazer, cada vez mais frequentemente, contratações milionárias. Coutinho e Dembélé são os mais recentes exemplos, assim como, de certa forma, Paulinho e Nélson Semedo. As cogitações sobre Griezmann passar a vestir a camisola blaugrana, vêm confirmar que a política é para ser mantida.
Fica por resolver a sucessão catalã na equipa, o elefante no meio da sala por entre os adeptos do Barcelona. A pouco e pouco as referências vão desaparecendo e isso é sempre um problema. Nos últimos anos, houve vários legados a chegar ao fim. Agora saiu Iniesta, já depois de Xavi, que foi precedido de Puyol. Com Sergi Roberto ali na corda bamba entre o banco e a equipa principal, do onze inicial, só sobram Messi, Piqué e Busquets. Depois deles? Ninguém.
Os três últimos estão na casa dos 30 e parece estar a desaparecer o sangue de La Masia tão caracterizador desta equipa. Até porque, na febre de procurar os melhores talentos junto às maternidades, clubes como o Manchester City e o Dortmund, levaram de das escolinhas Éric Garcia e Sergio Goméz, respectivamente. Passando a dar exemplos práticos, a melhor prova disto do que vem acontecendo é que, na última deslocação a Vigo, o Barcelona apresentou pela primeira vez desde 2002 um onze sem qualquer jogador da formação. Para contrastar, em 2012/2013, no terreno do Levante, Tito Vilanova tinha colocado em campo onze canteranos.
Os jogadores das escolinhas do Barcelona começam a perceber que as oportunidades dadas hoje em dia na equipa principal são cada vez mais escassas e optam por ir pregar para outras freguesias. Carlos Aleña é um dos últimos grandes talentos e mesmo ele tem tido muitas dificuldades em encontrar o seu espaço. No passado recente, a inclusão de jogadores mais novos era apenas o dia-a-dia. O futebol de formação foi tão importante para o sucesso catalão da última década que, em discussões sobre qual a melhor escola de futebol do mundo, as primeiras respostas tendiam mais vezes para o Ajax, por exemplo. Por ser tão óbvio, La Masia nem contava.
Vale a pena voltar a Ernesto Valverde que, no meio deste furacão de decisões a tomar, tem feito o melhor que pode mas há sempre um mas, pois mesmo assim não chega. Em Barcelona, os adeptos verão sempre Valverde associado a uma conjunção adversativa.
Os culés viveram os últimos anos com esta exigência cruyffiana que não bastava ganhar. Era preciso ganhar com identidade. Hoje, essa cultura vai desvanecendo a pouco e pouco. O Barcelona já não é mes que un club. É cada vez mais só um clube. Como tantos outros.