Em busca do império perdido: as primeiras ideias de Keizer
Bastaram duas semanas e dois jogos de trabalho a Marcel Keizer para justificar o acto de elevado risco de Frederico Varandas quando este decide despedir Peseiro. A cada jogo realizado era cada vez mais penoso assistir a um jogo do Sporting de Peseiro. Porém, o facto de se manter perto do topo, suscitava grandes dúvidas sobre qual seria a melhor atitude a tomar.
Mas o descalabro do resultado com o Estoril, para a Taça da Liga, e o profundo descontentamento logo ali manifestado em pleno Alvalade, apressaram a decisão. Mesmo sem um técnico pronto a assumir o comando, Varandas percebeu que o caminho de Peseiro estava esgotado e a sua continuidade era a direcção para o abismo.
O risco compensou. A interinidade de Tiago Fernandes trouxe sobretudo realismo, mudando muito pouco, mas o suficiente para permitir um bom resultado em Londres, importante para consolidar a candidatura à fase seguinte da competição. Mas mais importante ainda foi a recuperação do segundo lugar na Liga. Foi nesse estado que Marcel Keizer recebeu em mãos o comando técnico do Sporting e a primeira dúvida que surge é se seria capaz de lhe dar continuidade.
PRIMEIRAS MUDANÇAS E PRIMEIROS SINTOMAS
No primeiro embate percebe-se que Marcel Keizer, sem operar uma revolução drástica, pretendia impor novas ideias ao conjunto leonino e cuja linha mestre passava por uma simplificação de processos, impondo uma maior circulação de bola, de preferência ao primeiro toque. Foi isso que se pôde observar em Viseu, na eliminatória da Taça de Portugal, sendo aí evidente que o legado de Peseiro ainda era um facto e as poucas lições de Keizer ainda estavam por assimilar.
Algumas hesitações, pouca rapidez de processos, que redundavam em pouca fluência do seu futebol e percas de bola comprometedoras, redundavam em grandes apuros para sua defesa, apanhada muitas vezes em contrapé, desposicionada ou em inferioridade numérica nos primeiros minutos. Aos poucos a equipa foi conseguindo impor a sua maior valia individual sobre a equipa local e partir daí para o controlo do jogo.
A maior posse de bola foi importante para paulatinamente ir ganhando confiança e, mesmo sem criar grande perigo, sentia-se a possibilidade de chegar ao golo, o que sucederia pelo inevitável Bas Dost.
Aos poucos foi-se percebendo que o papel do ponta-de-lança iria mudar em relação ao que estava habituado, estando-lhe agora reservado maior intervenção, com descidas no relvado que o aproximavam mais do portador da bola, oferecendo apoio à progressão. No jogo em Baku esse papel foi ainda mais notório e com resultados práticos na jogada que dá origem ao excelente golo de Nani. É manifesta a intenção de Marcel Keizer de dar maior uso ao centro do terreno na organização do seu ataque, pondo fim à infindável série de cruzamentos e, pior, ao pontapé para a frente de tão má impressão e memória.
Mas ainda em Viseu foi evidente que há muita coisa que vinha de trás a corrigir ou até mesmo a repensar nos processos de Keizer, sobretudo a nível defensivo. Por exemplo, a subida em simultâneo dos laterais, maior agressividade na recuperação da posse de bola e alguns posicionamentos errados deixavam a equipa exposta nas transições. Foi dessa forma mais ou menos semelhante que o técnico holandês sofreu os dois golos que regista até agora.
ESTREIA DE EXCELÊNCIA NA UEFA MAS SEGUE-SE A VERDADEIRA “GUERRA”
No jogo de Baku houve já algumas correcções, mas diga-se em abono da verdade que a estratégia dos azeris não era particularmente a mais eficaz para contrariar a dinâmica exibida pelo Sporting.
O Rio Ave oferecerá certamente um teste de fiabilidade muito mais exigente. Talvez até a equipa vila-condense não disponha, em termos individuais, de melhores argumentos, mas o conhecimento e organização dos técnicos lusos são consideravelmente superiores ao do técnico do Karabak.
Certamente que uma das grandes diferenças que sentirão no próximo jogo será o abandono das marcações individuais em favor recurso à marcação zonal e em bloco. Daí resultará muito menos tempo e espaço para decidir do que teve no jogo no Azerbaijão e em Viseu, depois do estouro físico dos jogadores da casa.
Ficam para já as boas ideias exibidas em ambiente adverso mas claramente favorável para a sua assimilação: diversidade nas saídas de bola, em que as opções preferenciais recaem na abertura dos centrais, projecção dos laterais para dar largura e chamada de Gudelj para a troca de passes rápidos para atrair os adversários. Em alternativa, a exploração do espaço central com passes verticais, criando dessa forma imprevisibilidade a quem defende. Apoios bem definidos por linhas de passe claras, a deixar a bola nos jogadores que estão virados para o jogo. Bola de pé para pé e menos recurso aos cruzamentos.
A mudança de contexto em Vila do Conde será radical e é o teste de fogo ainda por passar que Marcel Keizer vai ter. Veremos como a equipa reage às contrariedades, à melhor e maior oposição dos adversários.
Que alternativas criará para contornar um bloco mais baixo e mais compacto. E seguramente que da forma que irá conceber a sua organização defensiva sairá uma parte substancial do resultado num campo onde tem conhecido os primeiros choques com a realidade. Quem não se lembra dos embaraços 3-1 do Sporting de Jesus acabado de encantar a Europa no Santiago Bernabéu?