Guangzhou Evergrande. A hegemonia perdura… e o futuro?
Mais uma temporada, mais um título. O ciclo vitorioso do Guangzhou Evergrande Taobao perdura, embora sem o mesmo fulgor dos anos anteriores. Luiz Felipe Scolari chegou, viu, venceu e saiu pela porta grande numa altura em que, mais no que nunca, se cogita um novo futuro para o mais bem-sucedido clube de futebol na República Popular da China.
Associar o futebol chinês com o Guangzhou Evergrande é algo quase obrigatório. São dois elementos indissociáveis, e a história de que ambos partilham continua a somar novos capítulos. O palmarés dos ‘Tigres do Sul’, como é conhecido no país, fala por si e, desde Marcello Lippi a Felipão, a cidade de Cantão tem celebrado conquistas sucessivas. Esse preciso domínio traduz-se em hegemonia. E o Guangzhou Evergrande Taobao é, de facto, uma instituição hegemónica.
Porém, tudo tem o seu início, meio e fim. E essa é, precisamente, a outra face da moeda do clube.
A PASSAGEM DE TESTEMUNHO DE SCOLARI
Embora outros pontos exijam uma profunda reflexão, a mudança de treinador é sempre um assunto delicado. Neste caso em específico, a herança acaba por se tornar num fardo. Tudo porque é necessário manter o nível de sucesso após a saída de Scolari. E, devido a vários fatores, essa pode estar em risco.
O sucessor do brasileiro é Fabio Cannavaro, italiano que liderou o Tianjian Quanjian a um inesperado e surpreendente terceiro lugar em 2017, fazendo com que os recém-promovidos se apurassem para a Liga dos Campeões Asiática. Na época anterior, havia sido o obreiro da subida à primeira divisão, tendo assumido o comando técnico a meio da mesma após o despedimento de Vanderlei Luxemburgo.
O início na Super Liga não foi o desejado, mas assim que a ideia e os processos foram assimilados e consolidados, a equipa conseguiu dar um ar da sua graça e debateu-se bem contra outras de maior estatuto.
A chegada de Cannavaro significa um regresso, na verdade. Em 2015, teve outro fardo de peso, o de fazer esquecer o trabalho de Marcello Lippi após anos de conquistas consecutivas, e caiu ao fim de 22 encontros devido a resultados menos positivos. Conseguiu uma média de pontos por jogo de 1,77, mas, ainda assim, a direção optou por dispensar os seus serviços em prol dos de… Luiz Felipe Scolari. Algo curioso e até inédito, visto que foi o ex-técnico da ‘Canarinha’ o seu sucessor, numa primeira instância.
O mesmo Scolari deixou o seu legado no timing certo. Foram três anos recheados de títulos: três campeonatos (2015, 2016 e 2017), uma Liga dos Campeões (2015), uma Taça da China (2016) e duas Supertaças (2016 e 2017), o que fez com que o Guangzhou Evergrande se mantivesse no topo do futebol asiático. Houve, portanto, uma linha de continuidade.
Com algumas épocas mais convincentes que outras, os três anos de Felipão ao leme ficaram marcados pela máquina de futebol que teve à sua disposição. O núcleo de atletas sobressaiu-se quase sempre aos demais rivais, dada a qualidade quer dos locais quer dos estrangeiros. Alan, Paulinho e Ricardo Goulart foram as grandes almas da equipa e as cartadas mais importantes do treinador, sobretudo porque garantiram uma maior eficiência em todas as estratégias implementadas.
Por tudo isto, Fabio Cannavaro terá em mãos um enorme desafio. É-lhe reconhecida, acima de tudo, a forma como une o balneário e motiva os seus jogadores. No entanto, o conhecimento que tem vindo a adquirir torna-o num dos técnicos mais bem cotados do futebol chinês, apesar da sua jovem e curta carreira. Os clubes são diferentes, os objetivos também, mas o certo é que a herança de Scolari não será nada fácil de proteger.
A FORTE CONCORRÊNCIA
À medida que as épocas vão avançando, a concorrência ao título da Super Liga vai sendo cada vez mais apertada.
Em 2017, o Shanghai SIPG voltou a incomodar e muito o Guangzhou Evergrande na luta pelo primeiro lugar da tabela. André Villas-Boas deixou excelentes impressões no seu primeiro e último ano e conseguiu montar um conjunto extremamente competitivo. No entanto, as ‘Águias Vermelhas’ acabaram por não conquistar qualquer título, tendo sido derrotadas, inclusive, na final da FA Cup pelo Shanghai Shenhua. Ainda assim, têm sido a equipa que mais tem lutado nos últimos anos contra a hegemonia do seu grande rival.
Mas há mais. No presente ano, o crescimento de formações como Hebei China Fortune, Tianjin Quanjian, Guangzhou R&F e Shandong Luneng, embora este último de forma um pouco irregular, promete dificultar ainda mais a tarefa dos campeões em título. Por outro lado, emblemas como Beijing Sinobo Guoan, Shanghai Greenland Shenhua e Jiangsu Suning, a contas com fases terríveis no que toca ao rendimento desportivo, são sempre adversários de respeito.
O ponto de interesse vai muito para além dos extracomunitários. É certo que grande parte dos mesmos tem influência direta nas equipas, com algumas exceções – veja-se o caso de Carlos Tévez –, mas o segredo está no recrutamento de jogadores chineses. E neste capítulo foi o Hebei de Manuel Pellegrini quem mais investiu. Os frutos quase foram colhidos, tendo o técnico chileno ficado a dois pontos do acesso ao play-off da Liga dos Campeões. Na segunda metade da temporada, os Samba Kings praticaram um excelente futebol e, mais do que isso, garantiram um núcleo bem coeso para o futuro.
ENVELHECIMENTO DO PLANTEL
Um dos aspetos mais importantes a ter em conta. O domínio do Guangzhou Evergrande Taobao muito se deve à qualidade do seu elenco. Desde 2012, ano em que Marcello Lippi assumiu o comando técnico, o clube foi juntando o melhor grupo de futebolistas locais que nos dias de hoje se mantém intacto. Zhang Linpeng, Feng Xiaoting, Huang Bowen, Gao Lin, Zheng Zhi, Rong Hao e Zheng Cheng são os principais nomes a reter. Isto porque todos eles formaram a base da equipa e, também, da própria seleção.
A maior preocupação prende-se com a idade avançada de grande parte dos jogadores. Todos, sem exceção, já atingiram a barreira dos 30. O capitão Zheng Zhi, por sua vez, caminha para os 40 e, apesar ser algo impensável, dada a importância que tem dentro de campo, a sua influência vai-se tornando cada vez mais reduzida.
Aos poucos, a importância de certos jovens como Wang Shangyuan, Liao Lisheng, Xu Xin, Wang Jingbing vai crescendo, mas de forma pouco convincente. Muitos deles são recrutados a clubes portugueses de divisões inferiores, onde acabam por não ter o desenvolvimento esperado, e revelam muitas dificuldades em assumir um lugar no onze inicial. Contudo, mais do que isso, é a própria escassez de jovens talentos que faz o soar o alarme.
No caso dos estrangeiros, a permanência de Ricardo Goulart e Alan é incerta e, tal como a saída de Paulinho para o FC Barcelona, as suas possíveis mudanças para outras ligas causarão, certamente, mossa profunda na equipa. Porque para além de dois jogadores de tremenda qualidade, conhecem muito bem o clube, o plantel, o campeonato e o próprio país.
Uma análise criteriosa aos futuros alvos no mercado internacional deve ser levada a cabo pela direção, mas isso dependerá, obviamente, das eventuais loucuras que Federação Chinesa de Futebol (CFA) possa vir a cometer.
AS REGRAS IMPOSTAS PELA FEDERAÇÃO
O futebol chinês tem sido profundamente atingido pelas más decisões da CFA. Mas, por trás dessas mesmas medidas, está o Governo de Xi Jinping. A ansiedade de colocar o campeonato nas bocas do mundo devido ao forte investimento nos escalões de formação continua a prejudicar e muito o desenvolvimento do mesmo. E com isto dizer que as normas relativas à restrição de extracomunitários e à utilização de sub-23 no plantel, nos convocados e no onze inicial, ambas de carácter obrigatório, levantaram ainda mais polémica sobretudo porque foram implementadas já após o início da temporada.
Para 2018, a Federação anunciou que todos os clubes tanto da Super Liga como da China League One são obrigadas a ter equipas sub-19/17/15/14/13 de modo a facilitar a criação de competições internas, algo que, até ao momento, nunca havia acontecido. Os escalões inferiores não disputam qualquer campeonato e estão sempre recetivos a torneios aleatórios.
Esta medida vem favorecer o grande investimento efetuado no futebol de formação em todos os clubes. Será interessante verificar, assim, o desenvolvimento daquela que é a maior academia de futebol do mundo situada numa área rural da cidade de Qingyuan, a norte de Cantão.
Por outro lado, incógnita continua precisamente a forma como irá ser levada a regra relativa aos atletas estrangeiros e aos sub-23.
No entanto, a CFA já emitiu um comunicado sobre essa mesma situação e tem recebido vários elogios. Em 2018, é obrigatória a utilização de pelo menos um jogador sub-23 no onze inicial; por cada estrangeiro utilizado, esse mesmo número tem de ser correspondido com a inclusão de um ou vários sub-23 e, por fim, cada equipa pode apenas colocar um máximo de três extracomunitários de início.
Devido a vários fatores, o futuro do Guangzhou Evergrande Taobao pode estar em causa. Porém, a estrutura diretiva e o seu profissionalismo podem ser cruciais para os tempos que aí virão porque esses prometem não ser nada risonhos.