Carlos Queiroz, um caso mal resolvido e mal compreendido?
Após o empate quente entre Portugal e o Irão, uma série de pessoas ficaram de boca aberta com o comportamento de Carlos Queiroz não só para com os árbitros, mas também para com os jogadores portugueses. Ironicamente, o seleccionador do Irão queixou-se do facto de vários dos seus antigos atletas da Selecção Nacional não lhe terem dirigido uma palavra ou gesto de boa vontade após o apito final.
Mas realmente Carlos Queiroz teve uma atitude anti-desportiva para com o jogo? Foi errado a forma como abordou e “viveu” o jogo?
Tentemos abordar a questão por partes para perceber melhor se há algum apontamento negativo na postura e atitude do antigo seleccionador Nacional durante esse encontro que ditou o apuramento da selecção portuguesa para os oitavos-de-final.
DO PASSADO ESPERANÇOSO AO PASSADO-RECENTE TUMULTUOSO
O background: Carlos Queiroz foi um dos mestres daquela Geração de Ouro que arrebatou o Mundo do futebol juvenil, ao conquistarem por duas vezes seguidas os mundiais de sub-20. Nunca mais Portugal atingiu tal feito, ficando esses dois títulos para a história de Luís Figo, João Vieira Pinto, Jorge Costa, Rui Costa, entre outros tantos.
Foi, talvez, um passo fundamental para incentivar o investimento em massa na formação em Portugal, catapultando estes jogadores para outra era. E Carlos Queiroz? Entre 1991 e 1993 foi seleccionador Nacional, na ideia de que o jovem técnico conseguisse replicar o mesmo com a equipa principal das Quinas. Porém, 21 jogos depois (10 vitórias, 8 empates e 5 derrotas), a direcção liderada por A. Lopes da Silva decidiu prescindir dos serviços do seleccionador.
Nota para o facto que a própria Federação Portuguesa de Futebol da altura passou por uma série de mudanças e pequenas “revoluções”, mudando de direcção por quatro vezes num período de seis anos. Carlos Queiroz sofreu com as “consequências” mas o próprio treinador não era uma figura consensual e gerava uma série de discussões complicadas entre direcção, equipa técnica e jogadores.
Carlos Queiroz criticava imensamente a forma como era gerida a Federação Portuguesa de Futebol e, em nome da verdade, eram totalmente justificadas as críticas por parte do seleccionador. A FPF era em larga medida amadora em vários sentidos e os insucessos constantes entre os anos 80 e 90 são provas disso. Só com Gilberto Madaíl é que Portugal começou a aparecer em massa nos Campeonatos da Europa e do Mundo.
Será que as críticas foram de tal forma sentidas que passado uns anos iniciou-se uma revolução na federação?
Seguiu-se o Sporting CP, onde foi um dos melhores treinadores na altura, somando 45 vitórias em 68 jogos possíveis, para além de ter ajudado a levantar uma Supertaça e uma Taça de Portugal. Contudo, acabou por não ter o contrato renovado, com Pedro Santa Lopes, o presidente da altura dos leões, a recusar-se a continuar com um técnico que tinha chegado pela mão de Sousa Cintra.
Entre Estados Unidos da América, África do Sul, Inglaterra, Japão, Emirados Árabes Unidos e Espanha, Carlos Queiroz foi adicionando experiências como treinador principal, director técnico e treinador adjunto.
Somou alguns títulos, recordes, ficou bem lembrado nos EAU, África do Sul e no Manchester United. Experiências negativas no Real Madrid e EUA, sendo que na capital espanhola aconteceram vários episódios de confronto com atletas (David Beckham ou Luís Figo, por exemplo) e que “mataram” a carreira do treinador em Espanha.
Em 2008 aceitou o convite para assumir o lugar de Luís Filipe Scolari na selecção portuguesa. Portugal iria conseguir o apuramento para o Mundial de 2010 (terminou a campanha nos oitavos-de-final, perdendo frente à Espanha, selecção que viria a ser campeã nessa edição do torneio) e o seleccionador coleccionou 15 vitórias e apenas 3 derrotas durante o seu 2º período como seleccionador.
Contudo, e mais uma vez, as polémicas e controvérsias repetiram-se de forma agressiva, com Carlos Queiroz a chocar de frente com o presidente do ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal), Luís Horta com uma troca de galhardetes intensa e desnecessária. O porquê dessa picardia viria a ser explicada anos mais tarde pelo próprio Queiroz, que referiu que os médicos do ADoP tinham vindo cedo demais para o controlo, sem aviso e que tiraram horas de sono e descanso aos atletas nacionais, que estavam a preparar o Mundial de 2010.
Outro episódio caricato foi com Amândio Carvalho um vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol de má memória e que teve vários confrontos com Carlos Queiroz. Numa entrevista ao Expresso em 2010, o (ainda) seleccionador Nacional que estava em tribunal contra o ADoP e Luís Horta, voltou a abrir o jogo quando devia ter mantido uma postura mais fechada,
“Parecia haver uma acção concertada, que começava com o processo e conduziria ao meu despedimento. E Amândio de Carvalho decidiu pôr a sua cara na cabeça do polvo. Aliás, não me surpreende. Antes do jogo decisivo da qualificação (com a Bósnia, na Luz), chamou-me e disse que eu não era o treinador dele, que não tinha confiança em mim para dirigir a selecção”.
Discussões, troca de acusações e abandonado pela Federação Portuguesa de Futebol que se sentiu traída por diversos reparos e críticas que Carlos Queiroz nunca quis assumir a responsabilidade. Um deles foi proferido ao seminário Sol, no qual Queiroz disse,
“tendo em conta a estrutura amadora da Federação, as coisas correram bem à Selecção(…).”
Frase retirada fora do contexto? Ou uma frase “normal” por parte de um treinador que nunca conseguiu estar bem durante muito tempo?
Ao fim de alguns anos, foram se sabendo episódios com Cristiano Ronaldo, Deco, João Moutinho, Hugo Almeida, etc. Desde “ideias” estranhas que Queiroz tinha para CR7, ao ter acusado de Deco de falta de “honestidade intelectual e que estava numa forma miserável”, entre outras tiradas provam que Carlos Queiroz nunca esteve bem na Selecção Nacional. Houve sempre discussão, sarilhos, confusão, troca de acusações, reparos, etc.
Ao contrário de Fernando Santos que soube sempre proteger os jogadores, criticando-os em sede própria (para quem não percebe, o Engenheiro critica positivamente os jogadores nos treinos e não deixa sair nada do grupo de trabalho), Carlos Queiroz tinha de se justificar e de ser agressivo na sua forma de estar.
IRÃO, PODEROSA NAÇÃO QUE NÃO RESPEITA NINGUÉM?
Actualidade: o Portugal-Irão foi um jogo intenso, emotivo e, em alguns momentos, mal jogado. Portugal dominou no passe, teve oportunidade para “matar” o jogo, deixou os iranianos acreditarem e sofreu um empate no final. Contudo, a postura do Irão foi lamentável tanto dentro como fora de campo.
Em jogo fizeram desde aquele tipo de entradas assassinas (sobre Ricardo Quaresma e Cristiano Ronaldo eram merecedoras de cartão vermelho), de uma pressão negativa e exagerada sobre os árbitros (quando o juiz paraguaio marca o penalti para Portugal, há dois empurrões notórios e de uma grande agressividade por parte de dois jogadores iranianos), a provocações aos jogadores portugueses (Ricardo Quaresma “caiu” nesse jogo).
Carlos Queiroz, pela sua parte, foi altamente agressivo para com o 4º árbitro desde os 10 minutos de jogo, questionando todas as decisões, reclamando de faltas inexistentes, bracejando e gesticulando, tendo mesmo invadido o campo em certos momentos (de forma ligeira, mas é um comportamento errado e passível de expulsão).
No momento em que Cristiano Ronaldo foi visado com um cartão amarelo por pretensa agressão ou no penalti marcado (30 segundos depois do incidente), Carlos Queiroz estava enraivecido, questionando o 4º árbitro de forma intensa.
A pressão total, desnecessária, infeliz e que demonstrou uma total ausência de desportivismo ficaram bem patentes neste Irão de Carlos Queiroz, especialmente neste último jogo da fase-de-grupos do Mundial 2018. Ricardo Quaresma deixou um reparo ao seleccionador,
“Se fiquei chateado com os jogadores do Irão por provocarem? Fiquei, mas fiquei mais com o treinador. Ele é português e deve respeitar mais os portugueses”.
A verdade é que o espectador normal ficou irado com a postura de Carlos Queiroz, e é expectável que uma parte desses adeptos tenham-no ficado pelas razões erradas. Carlos Queiroz é português, mas antes de tudo está o seu emprego: ser seleccionador do Irão. A forma como viveu o golo da sua equipa, a postura dos iranianos dentro de campo, o excelente bloco defensivo apresentado são coisas normais de um bom profissional. Carlos Queiroz não ia, de forma alguma, estender a passadeira a Portugal.
Todavia, há um comportamento totalmente reprovável que só atribui uma imagem negativo ao jogo e Carlos Queiroz é responsável pela mesma. A forma como atacou o 4º árbitro, como pediu a expulsão de Cristiano Ronaldo (tem razão no que diz sobre o amarelo, ou dá o vermelho ou não marca sequer falta, e neste caso nem falta parece ter sido), como pediu vezes sem conta o uso do VAR, instigando os seus jogadores a caírem com mais veemência sobre os jogadores de Portugal diz muito sobre o ainda seleccionador do Irão: apaixonado pelo futebol, mas que ultrapassa completamente das marcas do exequível. Confunde justiça com vingança e a forma como colocou os seus jogadores atrás dos atletas portugueses foi notória.
No final, Carlos Queiroz comentou o facto de ter ficado algo desapontado por não ter recebido cumprimentos dos seus antigos jogadores. Alguns ainda fizeram questão de o abraçar ou cumprimentar, mas a maioria voltou as costas. Não é em nada surpreendentemente este comportamento, uma vez que os atletas nacionais sentiram uma espécie de inquisição por parte dos seus adversários.
Altamente respeitado pelos vários sítios por onde passou, mas pouco relembrado como uma boa memória. No final de contas qual vai ser o legado de Carlos Queiroz no futebol? Conseguiu revolucionar o futebol iraniano, foi o braço-direito perfeito de Sir Alex Ferguson (abandonou o projecto cedo demais e nunca viria a convencer a direcção a apostar em si), deu uma “chama” especial à selecção nacional sub-20, fez estudos fundamentais para o desenvolvimento do soccer a nível juvenil e esteve várias vezes em fases finais de mundiais.
Contudo, a postura agressiva, as palavras descabidas, o ódio gerado, a raiva expansiva vão toldar o juízo de todos que viram Carlos Queiroz a treinar. Os seus feitos estarão sempre escondidos perante a sua personalidade e maneira de viver o jogo.
O Irão apareceu com uma selecção profissional, trabalhadora, intensa, que lutou pela vitória em todos os jogos, mas que deixou o seu futebol agressivo, dissimulado, “falso” (quantas vezes simularam faltas, para depois atacarem decisões da arbitragem como se fosse a última gota de água no deserto?) e duro falar por si no final.
No meio disto, há que aplaudir Fernando Santos, um seleccionador que até agora tem mantido uma postura franca, honesta, inteligente e sábia, apesar do futebol menos expansivo e mágico da selecção nacional. Uma homem que também já foi criticado, “traído”, mas que nunca deixou os seus piores instintos e pensamentos falarem por si.
Carlos Queiroz terá sido mal compreendido, como vários génios o são quando querem provar a sua teoria? Ou simplesmente foi um treinador que podia ter sido algo mais mas que por causa do seu temperamento acabou por ficar muito aquém do que aqueles primeiros anos prometiam?