Mais uma vítima da Covid-19: Copinha, sentiremos sua falta
O roteiro todo mundo já conhece. O futebol termina no início de dezembro, uns adeptos comemoram, outros choram, outros ainda se entusiasmam com os projetos para o ano futuro. Os jogadores entram em férias, chegam as festividades de Natal e Ano Novo, o ano vira e…
Enquanto as equipas profissionais estão de férias, os adeptos ligam suas TVs e assistem à Copa São Paulo de Futebol Sub-20, ou simplesmente Copinha, como é carinhosamente conhecida. Esse roteiro ocorre religiosamente no Brasil desde o final dos anos 60, mas nesse ano a pandemia interrompeu o curso natural das coisas.
O dia 25 de janeiro, feriado de aniversário da cidade de São Paulo, costuma ser a data escolhida para a finalíssima do tradicional Torneio. No ano passado, o clássico de maior rivalidade do Brasil encantou a torcida e o Internacional sagrou-se campeão frente ao rival Grêmio. No entanto, em 2020/21 o coronavírus mudou todo o calendário do futebol mundial, e agora os adeptos não poderão mais torcer por suas equipas na Copinha.
A Copinha existe há 52 anos, desde 1969. Apesar disso, este ano não será a primeira vez que o Torneio não se realizará. Em 1987, por divergências políticas entre o então prefeito Jânio Quadros e a Federação Paulista de Futebol, também não tivemos Copinha.
A Copa São Paulo é o campeonato mais democrático do Brasil. Seu objetivo principal é a revelação de talentos, e por seus relvados passaram craques do passado e do presente como Raí, Cafu, Kaká, Neymar, Rogério Ceni, Dener, Gabriel Jesus, entre tantos outros talentos e muitos jogadores desconhecidos.
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Por ser um campeonato cinquentenário, a Copinha já teve vários formatos, nomenclaturas e regulamentos distintos. Nas primeiras edições, contava com apenas quatro equipas, todas do Estado de São Paulo. Ano a ano, o número de participantes aumentou gradativamente e os convites foram estendidos a clubes de fora do Estado e, em algumas edições, até mesmo fora do país.
Via de regra, são cerca de cem clubes a disputar o título máximo, que normalmente termina na data de aniversário da cidade que dá o nome ao Torneio. É um tiro curtíssimo, e por isso muitos clubes participantes viajam milhares de quilômetros para disputar apenas uma partida. Para evitar isso, nos últimos anos estabeleceu-se uma primeira fase de grupos, antes das fases eliminatórias em mão única. Assim, o clube viaja grandes distâncias mas garante sua participação ao menos em 3 jogos na primeira fase.
O nome do torneio também mudou ao longo dos anos: inicialmente era Copa São Paulo Juvenil, depois Copa São Paulo de Futebol Juvenil, Copa São Paulo de Juniores, Copa São Paulo de Futebol Junior, Copa São Paulo Sub-18 e hoje em dia o nome oficial é Copa São Paulo de Futebol Sub-20. Com tantos nomes assim, fica fácil entender porque dez entre dez brasileiros batizaram-no como “Copinha”.
O campeão absoluto do Torneio é o Sport Club Corinthians Paulista, com 18 participações em finais e 10 titulos conquistados, seguido por Internacional e Fluminense com cinco títulos cada. Logo depois aparecem o São Paulo e o Flamengo, com 4 Taças. Apesar disso, a equipa com melhor aproveitamento nas finais da competição é o Flamengo, com índice de 100% na hora da decisão. Por outro lado, equipas como Palmeiras, Grêmio e Athletico nunca conseguiram atingir a consagração máxima na Copinha.
Outra curiosidade deste certame é a frequência com que ocorrem goleadas. Por ser um campeonato desenhado para revelar jogadores, várias equipas gastam dinheiro (muitas vezes emprestado), para tentar emplacar um ou dois jovens talentos para os grandes clubes e com isso levantar fundos para conseguirem se manter. São equipas muito humildes que investem tudo em um ou dois jogadores, sem a menor garantia de sucesso nessas empreitadas. Isso explica placares muito elásticos, como podemos ver abaixo:
Cruzeiro 14 x 0 Vasco de Itapecerica da Serra (1974)
Santana do Amapá 0 x 14 Santo André (2010)
São Raimundo (Amazonas) 0 x 12 Juventus (2000)
Comerciário (Mato Grosso) 0 x 12 Internacional (2007)
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Além das equipas pequenas, em muitas edições tivemos participação de clubes estrangeiros e até seleções internacionais. Foi o caso dos argentinos Boca Juniors e Velez Sarsfield, do paraguaio Cerro Porteño, do uruguaio Peñarol, das seleções sub-20 da China e do Japão, além do alemão Bayern de Munique, que participou da Copinha em 1985. Nenhuma equipa estrangeira conseguiu passar da primeira fase da competição.
Tivemos também títulos conquistados por equipas completamente desconhecidas do público brasileiro. Em 2001, a equipa do Roma Barueri sagrou-se campeã, mas dois anos depois descobriu-se que o time continha inúmeros “gatos”, gíria utilizada para designar jogadores cujo registro na Federação tem documentação adulterada. Em outras palavras, a equipa do Roma Barueri utilizou vários atletas com mais de 20 anos, o que é terminantemente proibido numa competição sub-20.
Apesar da curta duração, a Copinha movimenta muito dinheiro de empresários ávidos por colocar seus “garotos-prodígios” em grandes clubes e ganhar grandes quantias nessas negociações. Alguns clubes são famosos por se tornarem verdadeiras vitrines para estes agentes, cuja preocupação é muito mais financeira do que técnica. Isso prejudica bastante o futebol brasileiro como um todo, pois faz com que as grandes revelações sejam vendidas precocemente ao futebol europeu, antes mesmo de conquistar títulos importantes em terras canarinhas.
É muito comum ao torcedor brasileiro assistir a um jogo da Seleção Brasileira e não conhecer os jogadores convocados, justamente porque estes jovens são “exportados” para times estrangeiros antes de se tornarem conhecidos por aqui. A exceção a essa regra é a equipa do Santos, famosa por revelar e reter seus talentos, e mais recentemente o Palmeiras, que nos dois últimos anos também tem revelado e retido bons jogadores em seu elenco, ao elevar as multas rescisórias a níveis astronômicos.
Mas afinal, quem ganha e quem perde com o cancelamento da Copinha?
Com o cancelamento da Copinha 2021, perdem os adeptos que não poderão ver a base de suas equipas e imaginar o futuro de seus clubes. Perdem os agentes que não poderão colocar na vitrine suas joias futuras. Perdem as equipas menores, que muitas vezes dependem da Copinha para “fazer dinheiro” e garantir sua continuidade. Perdem os grandes clubes, a não mostrar para seus adeptos o trabalho realizados nas bases, pois a Copinha em suas fases finais costuma atrair grandes públicos nos estádios paulistas, especialmente no Pacaembu.
Com tanta perda assim, só nos resta torcer para que logo tenhamos a vacinação em massa, a diminuição dos óbitos e internações e a volta tão esperada do povo nas arenas do desporto-rei.