O caminho entre o caos e a redenção do Cruzeiro

Rafael RibeiroJaneiro 15, 20207min0

O caminho entre o caos e a redenção do Cruzeiro

Rafael RibeiroJaneiro 15, 20207min0
A equipa mineira do Cruzeiro viveu um ano de pesadelos em 2019. No início, a conquista do estadual iludiu o restante do ano, que terminou em eliminações e na queda para a Série B do Brasileirão. Como o clube poderá se reinventar para 2020?

O Cruzeiro viveu talvez seu pior ano em 2019 desde sua fundação, em 1921. Ao começar a época tendo seus principais dirigentes investigados pelas autoridades, e terminar sendo rebaixado pela primeira vez na história para a Série B do Campeonato Brasileiro, o time mineiro tenta se reerguer em 2020, e mesmo com inúmeras dificuldades começa o ano apresentando uma nova camisola, novos jogadores e treinando forte para a disputa do campeonato estadual.

O Fair Play detalha os principais passos que levaram a equipa tetracampeã do Brasileirão (bicampeã seguida em 2013 e 2014) as ruínas de um ano caótico, que resultou na desordem administrativa e financeira, nas noticiadas brigas do plantel, nas tentativas desesperadas de permanecer na primeira divisão, e no alento de um ano redentor para a agremiação.

O alerta invisível

Com um retrospecto muito favorável dentro do relvado, a equipa era, a nível nacional, aquela que a mais tempo não perdia um jogo. Foram 22 partidas desde 2018 sem perder, incluindo neste tempo a conquista do Campeonato Mineiro de 2019, de forma invicta, batendo na final o rival Atlético Mineiro em decisão de duas mãos (vitória por 2-1 na primeira mão e empate em 1-1 na segunda). Para o início da época, muitos analistas (inclusive o Fair Play) apontava o Cruzeiro como uma das forças a serem batidas no ano.

Justamente na primeira jornada do Brasileirão da época passada, a derrota para o Flamengo acabou com a série invicta. Mano Menezes, então treinador cruzeirense, citou em entrevista o que poderia antever os problemas. “Temos 37 rodadas para fazer a recuperação. Vamos tentar fazer a recuperação nessas 37. Acho que jogos grandes no Campeonato Brasileiro nós teremos muitos. Muito parecido com esses, jogos difíceis fora de casa, depois vamos enfrentá-los na nossa casa, temos que devolver o resultado no returno. É assim, o Campeonato Brasileiro é duro, qualificado, difícil, e a gente tem que saber suportar todas as dificuldades”, disse.

O Cruzeiro foi campeão de forma invicta do estadual em 2019 (Foto: Reprodução)

Passos para a desordem

O grande investimento feito nos últimos anos, que resultava em jogadores de renome com altos salários, além de contratações caras, começariam a pesar no caixa cruzeirense. Principalmente porque seus principais dirigentes, incluindo o então presidente Wagner Pires de Sá e o vice Itair Machado, se tornaram alvos da Operação “Primeiro tempo” que cumpriu 16 mandados de busca e apreensão de documentos sob suspeita de falsidade ideológica, falsificação de documentos, e uso de empresas de fachada para lavagem de dinheiro, além de outras acusações individuais.

Fato é que a equipa deixou de ser uma das que menos devia para uma das mais endividadas. Ao fim de 2019, o montante da dívida chegou a R$520 milhões (algo em torno de 113 milhões de euros). Para completar a participação em outras competições não rendeu tanto quanto o esperado, já que foi eliminado nas semifinais da Copa do Brasil para o Internacional (derrotas por 1-0 e 3-0) e nas oitavas de final da Libertadores, para o River Plate, nas penalidades, após dois empates em 0-0. A equipa já não rendia em campo, e os nomes mais experientes começavam a criar rumores internos.

Polícia cumpre mandados de busca e apreensão em diversos locais ligados ao Cruzeiro (Foto: Reprodução)

O ápice do caos

A demissão de Mano Menezes tentaria levar o time mineiro para outros rumos. Quem sabe mudando diretamente o estilo de jogo da equipa? O estilo defensivo de Mano daria lugar ao ofensivo de Rogério Ceni. Na teoria, o treinador recém vitorioso pelo Fortaleza poderia mexer nas peças para trazer o bom futebol de volta. Mas perdeu a queda de braço para os jogadores mais experientes do plantel. Ao tirar jogadores como Edilson e Thiago Neves dos titulares, outros jogadores pareceram virar as costas para Rogério e esperar que seu espaço fosse cada vez menor, até que a demissão ocorresse, três jogos depois (incluindo a derrota de eliminação da Copa do Brasil na semifinal).

Chega então Abel Braga, muito próximo de Thiago Neves, inclusive, para tentar levar a equipa de um modo mais acolhedor, pai de todos, como costuma ter por característica. Nem o estilo próximo aos jogadores resultou em mudança de placares dentro do relvado. Com pouco tempo sobrando para uma possível fuga das últimas colocações do Brasileirão, Abel se foi entregando a equipa onde encontrou, na zona de rebaixamento. Adilson Batista, em um último suspiro, teria 3 jornadas para um milagre, escancarando todos os problemas causados pela falta de rumo dos dirigentes, jogadores e comissões técnicas, que pouco tiveram a fazer. O resultado foi a queda para a Série B de 2020 em derrota para o Palmeiras na última rodada.

Sem Thiago Neves, afastado por más condutas, Cruzeiro cai para a Série B em pleno Mineirão (Foto: Cristiane Mattos/Estadão Conteúdo)

O gerenciamento da crise

Nem a queda para a segunda divisão (a primeira vez na história cruzeirense) pareceu fazer com que os comandantes do clube aprendessem. Wagner Pires de Sá e o vice Hermínio Lemos pediram renúncia, além dos escândalos de Zezé Perrella (principalmente com o afastamento de Thiago Neves) também o fizeram cair. Soma-se as quedas a do diretor geral Sérgio Nonato. José Dalai Rocha, então presidente do Conselho Consultivo, assumiu a presidência, mas os dias não foram calmos, já que ele tem pouco tempo para convocar eleições para o presidente que se candidatar de fato assumir até 2023. Além disso, Vittorio Meddioli, escolhido como CEO do clube para comandar as mudanças esportivas, não ficou mais do que 15 dias. Novo vice presidente Pedro Lourenço, que havia trazido Alexandre Mattos (ex-Cruzeiro e ex-Palmeiras) para ser diretor e comandar voluntariamente as negociações de jogadores por 60 dias, também saíram com poucos dias de trabalho.

Ainda assim, Adilson Batista continuará como treinador, e poderá remontar o plantel do Cruzeiro, que estipulou como meta salários de no máximo R$150 mil (30 mil euros). Com isso, nomes de peso como o central Dedé, o médio defensivo Robinho, Sassá, Fred e outros podem ser negociados. Marquinhos Gabriel, Henrique, Egídio, Ezequiel, Dodô, Jadson e Joel já saíram. Pedro Rocha, então emprestado ao Cruzeiro, foi para o Flamengo.

Em contrapartida, jogadores em baixa em outras equipas e com salário adequado podem chegar. Ramon, central do VItória, já se apresentou. Éverton Feilpe, do São Paulo, pode assinar contrato de empréstimo em breve, e o time mineiro analisa ainda Trellez e Jonatan Gomez dos paulistas. Para completar, analisa a troca de Orejuela para o Palmeiras, tendo em troca as chegadas de Jean e Allione. Quem sabe o início do Campeonato Mineiro de 2020 desvie um pouco o olhar dos problemas externos do Cruzeiro para o que a equipa poderá produzir dentro do relvado. Mas é bom lembrar que nenhum destes problemas será resolvido se apenas varrido para debaixo do tapete.

Cruzeiro tentará driblar a má fase dentro de campo em 2020 (Foto: Ramon Lisboa/EM DA Press)

 


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