Afinal, o Palmeiras tem ou não tem Mundial?
Uruguai, 2017. Eu estava a estudar espanhol no país vizinho. Peguei um taxi e, para treinar a fluência no idioma, comecei a conversar com o taxista. A Seleção Brasileira acabara de vencer a Celeste Olímpica por 4 a 1, o que fez com que o tema da conversa fosse o futebol. Falávamos sobre o confronto entre as seleções uruguaia e brasileira, quando comentei com ele que o Uruguai era bicampeão mundial.
Rapidamente fui repreendido pelo taxista, que afirmou categoricamente que o Uruguai era tetracampeão mundial, pois tinha em sua História a conquista das medalhas olímpicas de 1924 e 1928, que não eram reconhecidas pela FIFA mas que faziam parte da História do futebol uruguaio. Resolvi pesquisar o tema mais a fundo…
As Olimpíadas de 1924 foram disputadas na cidade de Paris e naquela época ainda não existia o Mundial organizado pela FIFA. Apesar disso, o presidente da entidade máxima do desporto rei era também presidente da Federação Francesa de Futebol: nada mais nada menos que o famoso Jules Rimet, que deu nome à Taça do primeiro campeonato mundial organizado pela Fifa, em 1930.
Fifa e Federação Francesa ficaram responsáveis por todos os detalhes para a organização do certame: inscrições de jogadores, tabelas, regras e cronograma dos jogos. Participaram do Torneio Olímpico de Futebol 22 equipas, número superior ao de todas as edições do Mundial da Fifa até 1982. A Seleção Uruguaia venceu o campeonato e conquistou a medalha de ouro.
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Quatro anos depois, nas Olimpíadas de Amsterdão, novo sucesso uruguaio: mais uma vez, o país sul-americano conquistava a medalha de ouro no futebol. E mais uma vez a Fifa organizara tudo em conjunto com a Federação Holandesa. O sucesso do Uruguai nas duas Olimpíadas seguidas valeram-lhe a alcunha de “Celeste Olímpica”.
E foi aí que chegou o ano da graça de 1930, quando a Fifa decidiu fazer o seu próprio campeonato mundial separado das Olimpíadas, em quadriênios alternados com os jogos olímpicos. O país sede foi o Uruguai, que até então era a Seleção que mandava no futebol no mundo. Os uruguaios não fizeram feio: conquistaram mais um título, aquele que para o mundo seria o primeiro mundial, para os uruguaios já era o terceiro.
Em 1950, no Brasil, na primeira Copa do Mundo após a Segunda Grande Guerra, o Uruguai mais uma vez atingiu a glória máxima, ao vencer os donos da casa em pleno Maracanã, no episódio conhecido como “Maracanazo”. O narrador Carlos Solé, ao final da partida, gritava sonoramente “é tetra, é tetra”, grito que seria repetido pelo narrador brasileiro Galvão Bueno em 1994, quando o Brasil ganhou o seu quarto caneco.
E foi justamente esse jogo no Maracanã que deixou 50 milhões de brasileiros entristecidos com a perda da Copa do Mundo que fez com que os clubes se organizassem para criar aquele que seria o primeiro campeonato mundial de clubes da História. Sediado no Brasil, as principais equipas do planeta foram convidadas a participar. O Sporting foi um dos clubes portugueses que disputaram a Taça.
Com sedes em São Paulo e Rio de Janeiro, o “Torneio Internacional de Clubes Campeões”, ou simplesmente “Copa Rio” contou com oito equipas, das quais quatro ficaram no Rio de Janeiro e as outras quatro ficaram em São Paulo. Confrontos dentro de cada grupo classificaram os dois primeiros para a disputa das meias finais: os brasileiros Palmeiras e Vasco se enfrentaram de um lado e de outro a Juventus encarou o Áustria Viena. Palmeiras e Juventus disputaram as finais, e em 22 de julho de 1951 o Palmeiras resgatou a alegria brasileira ao se tornar o Primeiro Clube Campeão Mundial.
Depois disso, outras edições do torneio se seguiram, porém com menor participação de clubes em número e importância. O Fluminense conquistou o mesmo título em 1952. O sucesso da Copa Rio foi tão grande que fez com que um dos seus idealizadores e organizadores, o italiano Ottorino Barassi, presidente da Federação Italiana e vice-presidente da Fifa à época, criasse na Europa um campeonato parecido, e foi aí que surgiu a Champions League em 1955. O surgimento do campeonato de clubes europeus enfraqueceu de vez a já combalida Copa Rio, que teve sua última edição em 1954 com apenas 4 equipas, duas brasileiras e duas estrangeiras.
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Daí para frente, com a criação da Copa Libertadores da América a partir de 1960, criou-se também a Copa Intercontinental, que reunia os campeões da Champions League e da Libertadores para a disputa da hegemonia global. Por muitos anos, de 1960 até 2004, este foi considerado o campeonato mundial interclubes.
A Fifa só decidiu organizar seu próprio campeonato mundial de clubes em 2000, num torneio realizado no Brasil em moldes idênticos ao da extinta Copa Rio. O modelo durou somente um ano. Até que em 2005, com a extinção da Copa Intercontinental, a Fifa entrou definitivamente na seara do mundial das equipas. E desde então é ela que organiza o torneio.
Dito isto, chegamos ao ponto do título desta matéria: afinal, o Palmeiras tem mundial? Pode parecer uma pergunta sem sentido, porque como vimos o Verdão ganhou o primeiro mundial em 1951, mas há controvérsias. Os rivais não aceitam a História e dizem que a Copa Rio não era um mundial, e sim um torneio qualquer. Os corintianos, que venceram a edição do Mundial da Fifa em 2000 e 2012, orgulham-se de estampar o distintivo no site oficial da entidade como se isso fosse um troféu. Os são paulinos, que ganharam a Intercontinental em 1992 e 1993 e o mundial da Fifa em 2005, também desdenham dos palmeirenses e são desdenhados pelos corintianos, que consideram “válido” apenas o título de 2005.
A página da Fifa é ambígua com relação ao assunto. Embora não haja um reconhecimento oficial, em várias postagens da entidade a Copa Rio de 1951 é citada como o primeiro título mundial do Palmeiras. Isso alimenta a polêmica, pois fornece material para adeptos do Verdão e também para os rivais.
Como vemos, há uma relação estreita entre o Palmeiras e a Seleção Uruguaia. Para o mundo, os uruguaios são bicampeões. Para os uruguaios, eles são tetracampeões. Para os rivais, o Palmeiras não tem mundial. Para os palmeirenses, a busca atual é pelo bicampeonato. Quem está com a razão? Esta é a “pergunta do milhão”, para a qual jamais teremos resposta, pois nenhum dos dois lados tenderá a ceder em seus argumentos.
Eu só sei dizer que senti e ainda sinto uma profunda empatia por aquele taxista uruguaio…