Até Que o Capitalismo Nos Separe

Francisco da SilvaJulho 8, 20184min2

Até Que o Capitalismo Nos Separe

Francisco da SilvaJulho 8, 20184min2
Os clubes-empresa assumiram um papel social extremamente relevante em inúmeros países europeus. Em mais um artigo da rubrica Futebol Científico, o Fair Play dá a conhecer alguns exemplos que não terminaram da melhor maneira.

Atualmente, fruto dos novos modelos de governação dos clubes e das próprias dinâmicas corporativas, os clubes-empresa têm perdido espaço no futebol mundial, havendo cada vez menos “resistentes”.

Na Europa Central são inúmeros os bons exemplos de clubes que, impulsionados por uma multinacional, consolidaram o seu nome no panorama futebolístico nacional tais como Bayer 04 Leverkusen (apoiado pela farmacêutica Bayer), FC Ingolstadt 04 (apoiado pelo construtor Audi), VFL Wolfsburg (apoiado pelo construtor Volkswagen) e PSV Eindhoven (apoiado pela eletrónica Phillips). No entanto, nem tudo corre bem na saúde e na doença (financeira), eis alguns exemplos mais nefastos.

No nosso país, o caso mais paradigmática é o do Grupo Desportivo da CUF, atual Fabril do Barreiro, fundado em 1937 e umbilicalmente ligado ao grupo industrial Companhia União Fabril (CUF) que no final da década de 60 dominava uma parte substancial da economia portuguesa (banca, construção, seguros, sector químico, elétrico, etc). Após a sua fundação, o emblema conquistou o seu espaço na margem sul do Tejo e, sobretudo, um lugar para a eternidade no campeonato nacional quando em 1965 ficou em terceiro lugar.

A Revolução dos Cravos em 1974 desmembrou o império CUF e consequentemente enfraqueceu financeira e desportivamente o GD da CUF que jamais viria a recuperar o seu estatuto de primodivisionário. Desde 1974, o emblema mudou várias vezes de denominação mas nem isso alterou o fatalismo das suas performances e respetivas classificações.

GD CUF | Fonte: MaisFutebol

O sucesso do capitalismo gaulês espelha-se em formações como o Évian Thonon Gaillard e FC Sochaux.  O primeiro emblema gaulês sempre teve uma relação informal muito próxima com o gigante alimentar Danone, a título de exemplo, “Evian” é uma denominação utilizada pela empresa em produtos de beleza, resorts e, principalmente, é uma marca muito conhecida de água mineral.

Porém, a instabilidade institucional do clube originou várias fusões com outros emblemas menores que nunca permitiu ao clube sonhar com voos maiores. Em 2007, o presidente da Danone Franck Riboud assume honorariamente o clube e enceta uma reestruturação profunda que irá culminar com a subida à Ligue 1 em 2011. Desde então, um autêntico carrossel de emoções. O clube consolidou-se, cresceu no championnat, chegou à final da Taça de França em 2013, desceu em 2015 à Ligue 2 e, ingloriamente, acabou com o futebol profissional em 2016.

Já a história do FC Sochaux é ligeiramente diferente e relativamente mais feliz. Em 1928, Jean-Pierre Peugeot, diretor do construtor automóvel Peugeot, decide fundar o FC Sochaux com o intuito de oferecer aos seus colaboradores uma forma de descontração. O investimento social de Peugeot não podia ter um retorno desportivo tão célere pois na década de 30 o FC Sochaux conquistaria duas Ligue 1 (1935 e 1938) e uma Taça de França (1937).

As boas prestações do emblema e a sólida saúde financeira da empresa andaram sempre de mãos dadas, no entanto, a ligação entre o FC Sochaux e a Peugeot viria a terminar em 2015 quando o construtor gaulês decidiu vender o clube a uma empresa asiática para ganhar fulgor financeiro e enfrentar um longo processo de reestruturação.

FC Sochaux | Fonte: futebolmagazine

O caso mais problemático quer para o clube quer para a empresa associada é o Parma AC. Em 1961, Calisto Tanzi funda em Collecchio a Parmalat, corporação especializada em leite e seus derivados, que viria a crescer exponencialmente nos anos seguintes. Quando a companhia atingiu um posicionamento global, Tanzi começou a investir em várias atividades desportivas inclusive num dos seus grandes amores, o Parma AC. A equipa criada em 1913 desde sempre se assumiu como um emblema modesto e racional, contudo, tudo mudaria com a entrada das liras de Tanzi que potenciaram o Parma na década de 90 para um patamar jamais visto. Só entre 1990 e 1999, o Parma conquistou sete títulos nacionais e internacionais, nomeadamente, duas Taças UEFA’s, uma Taça das Taças, uma Supertaça Europeia e três Taças de Itália. Depois da euforia, a ressaca. No início do Século XXI, a Parmalat foi abalroada por um dos maiores escândalos financeiros envolvendo fraude e branqueamento de capitais, o que a obrigou a declarar falência. Com a empresa, ruiu também toda a sustentabilidade financeira do Parma AC que nunca mais recuperaria a sua saúde financeira e desportiva.

Parma AC | Fonte: Diario AS

2 comments

  • Zé Leal

    Julho 10, 2018 at 10:56 am

    Achava interessante uma abordagem mas focada nos «porquês» do que necessáriamente um resumo sumário de casos positivos e negativos.

    Nomeadamente, qual a lógica que leva uma empresa a investir, os ganhos em termos de imagem e marketing associados etc. O caso mais simbólico disto será o do Ciclismo, em que o nome das equipas se confunde com o dos patrocinadores.

    Existem hoje investidores que actuam por ganhos da própria natureza do negócio, vide Traffic, e existem investidores que ganham do mediatismo e marketing associados, vide Abrahamovic. E ainda outras nuances da razão do investimento.

    Consideraria muito interessante uma análise e reflexão mais neste contexto.

    Obrigado pelo vosso trabalho.

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    • Francisco da Silva

      Setembro 24, 2018 at 8:41 pm

      Ora viva Zé Leal,

      Antes de mais, o meu sincero agradecimento pela partilha da sua opinião com muito “Fair Play”.
      Relativamente à sua sugestão, gostaria de informar que em breve iremos explorar alguns caminhos por si sugeridos.

      Com os melhores cumprimentos,

      Reply

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