A Importância do Discurso – O Papel do Treinador como Líder
“I am Jose Mourinho and I don’t change. I arrive with all my qualities and my defects.”“You can talk about spirit, or you can live it. We took the team to a lake in Sweden where there was no electricity. We didn’t eat for five days.” – Klopp
A comunicação para as massas em temáticas que se regem mais pela paixão do que pela razão assume-se como um desafio difícil de abordar, com várias possíveis respostas, mas nenhuma aparentemente universal. Num meio cada vez mais empresarial e politizado, mais importante do que a veracidade do que é transmitido, é a forma como o conteúdo é transmitido. Por muito que se apele a uma convivência salutar e saudável dentro da competitividade típica do desporto, a vitória e a “razão” importam mais do que contribuir para o espetáculo. De tal forma que poderá até ser argumentado que esta componente que inunda as redes sociais, os canais de televisão e os jornais se está a tornar cada vez mais o centro do espetáculo.
Mas mais do que de um ponto de vista de projeção mediática do Desporto, o discurso clubístico assume uma importância que muitos desvalorizam em prol de uma racionalização excessiva, de uma procura incessante pela mecanização de um desporto que depende de seres humanos. A menção a José Mourinho na parte inicial do texto não é inocente: há anos que se discute a estagnação do futebol do Special One, da falta de novas ideias, mas o português continua a ganhar por todos os clubes por onde passa. Fruto do acaso? Fruto de maior poderio financeiro? Ou simplesmente, fruto dos mind games que Mourinho adora?
Aliás, toda a carreira do português é uma ode à importância de ter um discurso único, séptico, carregado das suas crenças e quezílias pessoais. A sua passagem inicial pelo Futebol Clube do Porto demonstrou claramente a força da “psicologia” de Mourinho. É verdade que tinha um plantel de luxo, mas a confiança com que abordava as Conferências de Imprensa, o show que teimava em dar no banco de suplentes, o seu protagonismo controlado, nunca se sobrepondo ao dos jogadores, contribuíram para duas das melhores épocas da história dos “azuis e brancos”. A sua passagem por Londres, ao serviço do Chelsea, voltou a demonstrar essa necessidade de criar uma identidade, de vencer os jogos partindo da motivação e complementando-a com a tática, quase secundária. Mas talvez a maior mostra de força de Mourinho e do seu discurso veio da sua passagem por Espanha, onde liderou os “merengues” à conquista da La Liga contra aquela que se diz ser a melhor equipa de todos os tempos: o Barcelona de Pep Guardiola.
Quem não se recorda dos “Clássicos” espanhóis, das fitas, dos despiques na Imprensa, no fervilhar de todo um povo à espera daqueles 90 minutos de sonho? Diga-se que o jogo era agressivo, era inflamado. Mas era futebol no seu estado puro, duas equipas à procura da vitória, cada uma com os seus meios e a sua ideologia.
Curiosamente, a Liga NOS vive um momento onde a ideologia e a racionalidade se vergam ao poder do discurso e da motivação. Sérgio Conceição é o exemplo perfeito para demonstrar a necessidade de um discurso real e ligado à identidade de um clube. Após 4 anos de razia de títulos, mas, acima de tudo, de um futebol pobre, o FC Porto parece ter recuperado aquilo que fez do clube nortenho uma potência desportiva, parece ter recuperado a sua raça, o seu querer, tudo aquilo que nos habituou nos últimos 30 anos.
Poderá ser argumentado até que o plantel do FCP é o mais curto e talvez o mais fraco dos três grandes em Portugal. Mas 7 vitórias em 7 jogos não podem ser obra do acaso. Não se poderá afirmar que será só uma questão de motivação, sendo que o trabalho técnico-tático que tem vindo a ser desenvolvido começa a dar frutos visíveis na forma como a equipa se apresenta em campo.
Por sua vez, Jorge Jesus e Rui Vitória poderiam aprender algo com Sérgio Conceição. O amadorense, apesar de toda a sua experiência e carisma que o torna agradável e interessante de ouvir, continua a teimar em não compreender que os jogadores são humanos, erram e necessitam de um tato que JJ parece não ter, por vezes. O seu ego inflamado continua a ser uma das razões pela qual a sua equipa quebra, uma das razões pela qual os jogadores e dirigentes se “cansam” de trabalhar com ele.
Por outro lado, o discurso de Rui Vitória é desprovido qualquer conteúdo palpável, inspirador de confiança ou de algo semelhante. O técnico ribatejano não pode ser criticado de não criar um bom ambiente no balneário nem de saber manter a equipa unida, contudo é mais fácil trabalhar e prosperar a partir de uma base vencedora. Repetir vezes sem conta que o “Caminho faz-se caminhando”, “Se fosse fácil não era para nós”, “Somos tetra-campeões”, “Fizemos tudo o que podíamos”, não transmite confiança aos jogadores e adeptos, parecendo antes uma tentativa deliberada de fornecer pouca ou nenhuma informação a quem faz o clube: os adeptos.
E como poderá ser combatida esta problemática? A resposta é óbvia: a mudança de postura terá de vir dos clubes. Mas quando os clubes investem cada vez mais em Departamentos de Marketing e de Comunicação, parece claro que o intuito das SADs e dos Proprietários será controlar o fluxo de informação e fornecer apenas o estritamente necessário, protegendo os seus interesses, pressionando e insinuando sempre que possível. Apesar de todas as regras empresariais, o futebol assumiu-se como o Desporto das Massas por ser aparentemente imune a estas questões, a estes controlos. Como se o futebol fosse a simplicidade e a genuinidade, ao invés de um jogo de bastidores semanal que desemboca num confronto semanal. Então, de onde poderá vir a mudança? Dos treinadores. Como líderes da equipa, como a face do grupo de trabalho, como o primeiro a dar o corpo às balas, o treinador tem de ser o primeiro a romper com o marasmo e a implementar as suas ideias e, acima de tudo, o seu carácter na equipa.