Ubuntu: Amor e Perdão… na alta competição
O desporto estabelece connosco compromissos emocionais extremamente poderosos. Seja qual for a modalidade da nossa preferência, é natural que tenhamos, mais vezes do que o expectável, experiências e reacções inesperadas e marcantes.
As razões que nos fazem sentir de forma amplificada são variadas. Apontarei aqui apenas três: a cultura tribal que nos empurra a pertencer e defender os nossos, a testosterona libertada quando conseguimos um feito percepcionado como conquista e os neurónios espelho que nos fazem sentir como se fôssemos nós aqueles que estamos a ver e admirar.
Sendo o desporto uma metáfora da vida, é natural que observemos e vivenciemos na prática desportiva os mesmos comportamentos que têm, ao longo dos séculos, inspirado pintores, escultores, escritores e demais artistas. Hoje falo especificamente de dois desses estados: o amor e o perdão.
AMOR
Há imensas formas de sentir e exprimir amor. O primeiro amor que devemos ter é a nós próprios. A razão é simples: por mais familiares e amigos que tenhas, tu és a única pessoa que vai passar 100% da tua vida contigo próprio. Não delegues noutros a responsabilidade por seres feliz. Essa é, exclusivamente, tua! Logo, é obrigatório amares-te para cresceres e te desenvolveres integralmente.
Como? Se “só amamos o que conhecemos”, o primeiro passo é investires tempo no teu desenvolvimento e no aperfeiçoamento da tua auto-percepção. Esse investimento levar-te-á a desenvolver a necessária confiança para atingires tudo a que te propões. Conheceres-te a ti é conheceres as tuas raízes, de onde vens, quem representas, quem são as pessoas fantásticas da tua família e que histórias incríveis de vida têm para te contar.
Depois há o amor ao jogo que nos faz entregar-nos a ele de corpo e alma, aos nossos colegas de equipa, aos treinadores e directores, aos que se mostram mais atentos e interessados em nós e em nos ajudar. Às maiores referências com que nos vamos cruzando, aos adversários que exigem mais de nós, aos que nos acompanham e apoiam em qualquer lado, em qualquer circunstância.
Como demonstramos esse amor? Cuidando, aceitando, acompanhando, interessando-nos, ajudando, servindo. Cuidando de ti, aceitando os conselhos e correcções dos treinadores, interessando-te pelo que te rodeia, acompanhando os colegas com mais dificuldades, ajudando os directores do clube no que te for solicitado, servindo o clube e a sua cultura da melhor forma que fores capaz.
PERDÃO
O perdão, tal como o amor, é decisivo para quem ousa sonhar com a alta competição. Só vais conseguir atingir um patamar elevado se aprenderes a perdoar. É muito importante que isto seja claro para ti. Sem perdão nunca serás um campeão!
E de que perdão estamos a falar? Logo à partida, saberes perdoar-te a ti próprio. Sei bem como esse perdão pode ser aparentemente impossível se és um perfeccionista. A ideia de aceitares e aprenderes a viver com os teus erros pode até parecer-te um paradoxo mas, acredita em mim, se não te souberes perdoar irás em breve ter uma cruz demasiado pesada para carregares. Relembrando o que devemos fazer após um erro (identifica-lo, assumi-lo, aprender e esquecê-lo), se o primeiro passo implica conhecimento, o segundo coragem e o terceiro humildade, a quarta etapa pressupõe uma competência decisiva para o sucesso: o perdão.
Sob que formas é que o perdão se apresenta no mundo desportivo? Quando eu próprio duvido de mim e das minhas capacidades; quando o treinador não me convoca para o jogo mais importante da época; quando o meu colega de equipa me viu sozinho mas não foi capaz de me passar a bola; quando aquelas pessoas na bancada insultam o meu filho do princípio do fim do jogo; quando o árbitro não marcou aquela falta decisiva sobre mim que podia ter dado o penalty ganhador; quando os meus dirigentes são tão incultos que só sabem usar o discurso resultadista e de ódio; quando aquele adversário preferiu usar a maldade para me parar por já não o conseguir fazer de forma honesta; quando no final da carreira todos parece que se começam a esquecer do que fiz e a preferir a garotada; etc.
Perdoar nem sempre significa esquecer ou, sequer, reconciliar. Perdoar não deve nunca ser um gesto hipócrita mas sim uma difícil conquista sobre o nosso “eu” mais primitivo. Então mas… se não é para esquecer nem para reconciliar, para quê dar-mo-nos a esse trabalho?! A resposta é simples: para sermos FELIZES!
UBUNTU
Ubuntu é uma filosofia africana. Antes de desportistas somos pessoas. Eu sou eu porque tu existes. Esta é, muito resumidamente, a filosofia Ubuntu que atribui às relações e ao impacto nos outros o propósito maior da vida de quem é humano. Esse propósito assenta na nossa capacidade de amar e de saber perdoar. O desporto é a melhor escola de Ubuntu. Nelson Mandela sabia-o bem e fez do rugby o catalisador da construção duma nação unida. Uma nação unida por rucks, melês e ensaios. Uma nação feita de amor e perdão.
O momento protagonizado por Cristiano Ronaldo e João Moutinho no último Europeu de futebol é paradigmático, carregado de amor e de perdão. Ronaldo conseguiu perdoar Moutinho antes mesmo deste se ter perdoado a si próprio. O amor demonstrado por Cristiano (e por toda a equipa) nesse momento foi o empurrão mental de que o João precisava para voltar a amar-se a si próprio na plenitude das suas capacidades.
Por vezes o amor e o perdão vêm sob formas difíceis de interpretar. Só precisas de te manter atento e de coração aberto. E, sempre que sentires que é necessário, enche-te de amor e perdão e Muda O Teu Jogo!
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