Os últimos jogadores de rua: David Neres
Diretamente vindo do país do futebol, mais concretamente de São Paulo para a Europa, David Neres é um dos poucos canarinhos que ainda espalha a magia brasileira no velho continente. Natural de São Paulo, como tantos outros magos do desporto rei, praticamente nasceu com uma bola nos pés, nas ruas da ‘Terra da Garoa’, e quase que imaginamos que aprendeu a driblar numa estrada com pedras ou sapatos a fazer de balizas. Agora, brilha no Estádio da Luz.
Por vezes adormecido, tal como a sua personalidade, David Neres é daqueles jogadores que consegue mudar um encontro apenas com a sua qualidade individual. Ainda assim, passa muito tempo em campo sem ser percetível. Neres encarna na sua personalidade a sua forma de jogar, preparado para fazer rir todo um auditório ou de passar despercebido numa passerelle onde apenas ele desfile (pode ser uma metáfora para a alas ofensivas do SL Benfica).
Tecnicamente é predestinado. Capaz de fintas e dribles pouco usuais, como nos tem mostrado ao longo da sua carreira. Cresceu São Paulo FC, onde jogou apenas oito partidas na equipa principal do tricolo paulista. Rapidamente, foi ‘pescado’ pela equipa de olheiros do AFC Ajax, para onde se transferiu em 2016 e passou a ser imprescindível na equipa de Peter Bosz. Amesterdão foi a cidade ideal para o brasileiro mostrar todo o seu futebol.
Foi com o clube de Johan Cruyff que David Neres chega aos grandes palcos da Europa. Tal como o mítico camisola 14, era um jogador de bola no chão, provavelmente aprendeu mais futebol na escola neerlandesa que na brasileira. Na época 2018/2019 chega às meias-finais da UEFA Liga dos Campeões e não houve um único fã de futebol que não visse dribles incríveis de Neres nessa campanha. Choviam vídeos do canarinho de olhos fechados a fazer malabarismos com a bola, fintas que são naturais ao país da ‘Ordem e Progresso’.
Todavia, os dias nos Países Baixos não foram sempre ideais e acabou por mudar-se para a Ucrânia, para o FK Shakhtar Donetsk, onde não disputou nenhuma partida devido ao eclodir do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Tal como outros bruxos com bolas nos pés, em vez de varinhas nas mãos, Neres passou um momento na sua carreira onde foi quase como um mártir. Todos sabíamos da qualidade, mas ela não explodia. Um pouco à medida de Ricardo Quaresma ou Adel Taarabt, parece que jogadores de elevada qualidade técnica têm sempre mais pedras no caminho que os ‘aborrecidos’.
Contudo, existiu um homem com o olho sempre muito atento a David Neres, talvez pelo que enfrentou na Eredivisie. Roger Schmidt chega ao Benfica e Rui Costa dá-lhe Neres embrulhado, uma vez que o germânico tinha treinado o PSV Eindhoven e possuía uma ideia muito bem definida das capacidades do canarinho. Com o alemão, o número 7 das águias voltou ao seu mais alto nível. Atualmente, discute com Ángel Di María a titularidade na equipa encarnada, num duelo que devia ser travado apenas com recurso a fintas ou passes açucarados.
Muitas vezes substituto na equipa de Schmidt, é só ver o comportamento do Estádio da Luz quando Neres entra em campo. Existe apenas uma certeza, ele vai tirar um coelho da cartola. Seja numa partida da Taça da Liga ou numa quarta-feira à noite, na Liga dos Campeões, surge sempre um sentimento de que vai existir algo vindo daqueles pés.