Leo Horn, árbitro e resistente do fascismo
Este texto ira abordar a vida de alguém que escolheu desempenhar no campo o papel de uma das figuras mais centrais no jogo de futebol, aquele de quem tanto se fala quando se ganha, mas especialmente quando se perde, o árbitro.
Aquele que como Eduardo Galeano maravilhosamente descreve que “sopra os ventos da fatalidade do destino e confirma ou anula os golos. Cartão na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda para o exílio. (..) A única unanimidade do futebol: todos o odeiam. É vaiado sempre, jamais aplaudido. Ninguém corre mais do que ele. É o único a correr o tempo todo.” (O Futebol ao Sol e a Sombra)
Mas a vida de Leo Horn está longe de merecer vaias, mas antes aplausos de todas as tribunas. Leo nasceu na pequena cidade de Sittard a 29 de Agosto de 1916, mudando-se com a sua família para a vibrante cidade de Amsterdão em 1928. O jovem Leo já tinha dentro de si o “bichinho” pelo futebol e desde cedo começou a jogar nos vários clubes da comunidade judaica de Amsterdão, como o Overwinning Door Eenheid e o Eendracht Doet Winnen.
Porém, o azar bate a porta de Leo, com apenas 17 anos lesiona-se gravemente no joelho tendo de deixar a prática do futebol e dedicar-se exclusivamente à sua profissão de empregado dos escritórios da firma Lehmann & Co.
Mas certo dia, ao ver num jornal um anuncio de um curso de árbitros de futebol da AVB ( Amsterdamse Voetbal Bond – Associação de Futebol de Amsterdão), Leo vê uma oportunidade de voltar aos relvados. A nova carreira de Horn torna-se motivo de destaque pela qualidade das arbitragens e logo em 1938, com apenas 22 anos, arbitra a final do campeonato da AVB.
Com a ascensão ao poder de governos fascistas, os tambores de guerra rufavam por toda a europa. A invasão pelas forças nazis dos Países Baixos em 1940 e a perseguição da comunidade judaica neerlandesa obrigou Horn a parar com as suas atividades desportivas. Em 1941, Leo Horn e a sua mulher Catharina Boekbinder tomam a ousada decisão assumir identidades falsas e juntarem-se à resistência armada neerlandesa.
Leo aderiu a STANZ (Stormgroep Amsterdam Nieuw Zuid) onde participou em várias missões de resgate de famílias judaicas e ataques às forças nazis. Curiosamente, Kuki Krol (pai da futura estrela do Ajax e da seleção holandesa Rudi Krol na década de 70) foi salvo e ficou escondido na casa de Leo Horn.
Em 1945, as hostilidades tiveram o seu fim com a derrota do nazi-fascismo e, em 1949, Leo voltou a fazer aquilo que mais gostava, arbitrar partidas.
Durante as décadas seguintes, 1950 e 1960, Leo atinge um patamar de excelência na arbitragem internacional. Arbitrou o “Jogo do Século” (Inglaterra-Hungria, 1953), as finais da Taça dos Campeões Europeus de 1957 (Real Madrid – Fiorentina) e 1962 (Benfica – Real Madrid), a final da Libertadores de 1962 (Penarol – Santos) e ainda esteve no polémico Leeds vs Valencia de 1966 para a Taça das Cidades com Feira.
O jogo entre o Leeds e o Valencia foi marcado pela impetuosidade física com que foi disputado, o Leeds já tinha uma reputação de ser uma equipa bastante aguerrida, mas naqueles oitavos de finais o Valencia também ensinou à equipa do norte de Inglaterra uma e outra coisa no tópico das disputas de bola “à margem da lei de jogo”. Leo Horn era um arbitro que assumia o jogo e fazia-se impor aos jogadores – alguém que foi membro da resistência ao nazismo e enfrentou a GESTAPO teria motivos para ter medo de algum jogador?
Don Revie – o carismático treinador do Leeds – não gostou da arbitragem de Horn e disse “se isto é o futebol europeu, estamos bem melhores sem ele” ao que o holandês ripostou “o que causou tamanha confusão foi o dinheiro, sentia o cheiro no campo”, apontando a ganância de ambos os lados como a causador do distúrbio. O Leeds, após esse empate em casa por uma bola, foi ganhar a Valencia 2-0 e chegou à final da competição, onde caiu aos pés do Dínamo Zagreb.
Leo Horn morreu em 1995, o jornal holandês De Volkstrand classificou-o como “um homem que não tolerava injustiças nem parcialidades. Alguém que desafiava a definição de que bons árbitros são aqueles que não fazem notar”.