Jornalismo desportivo em queda livre

Nuno CanossaMaio 2, 20243min0

Jornalismo desportivo em queda livre

Nuno CanossaMaio 2, 20243min0
Nuno Canossa aborda a curva descendente do jornalismo desportivo e as razões pela queda da qualidade de uma prática importante

No princípio era a palavra. O áudio e por fim, a derradeira, a imagem. E numa sociedade em que rege um mundo da multimédia alienado do próprio, o jornalismo desportivo subsiste na base da palavra: a dada, a desmentida, por vezes até, a difamada.

O jornalismo enfrenta uma crise, protagonizada pela imediatez do conteúdo, criado e divulgado, alterado e reproduzível por qualquer humano ou inteligência artificial. E a tensão dispara no panorama desportivo, quando todo e qualquer evento desportivo passa a ser transmissível em plataformas pagas ou “piratas”, com os seus melhores momentos, incluindo pré e pós, a alcançar instantaneamente computadores e telemóveis de qualquer canto do globo. Plataformas digitais e redes sociais versus o velho jornalismo do relato dos acontecimentos e declarações dos protagonistas que vai respirando em alguns rádios de automóveis no caminho para casa. Um combate perdido antes da entrada no ringue.

Assim, aos jornalistas desportivos restam essencialmente três opções: a já mencionada arte em vias de extinção do relato noticioso; o dominante trajeto da opinião que tem mais de entretenimento de que jornalismo, mas essencial para a sobrevivência da profissão e que, no seu expoente máximo de qualidade, apresenta dissecações analíticas de valor inegável; e, invariavelmente, as informações confidenciais, antecedentes à partilha pelos próprios intervenientes – personalidades, equipas ou organizações -, que geram o maior número de cliques, apesar de possíveis retificações por boato, desinformação, fonte carente de credibilidade.

E assim, também o desporto vive agora do diz-se que, pensa-se que, sabe-se que. Uma corrida ao exclusivo, dado em primeira mão com rodapé de última hora. Por vezes, sem a própria autorização ou conhecimento dos atletas, clubes ou federações: um furo competitivo e vantajoso perante uma sociedade que venera os principais protagonistas dos espetáculos. É o mercado a funcionar!

Mas não se exija apenas aos jovens e futuros jornalistas o peso da mudança, vítimas da malfadada contemporaneidade, linhas editoriais e tamanha precariedade. Exija-se a nós. Consumidores insaciáveis que ditam o produto. Ou seremos nós o produto? E se sim, quando é que permitimos que o desporto se torna-se nas quezílias e vida pessoal dos atletas, em comunicados e comunicações de e entre clubes, mais do que a prática das próprias modalidades. E porquê que permitimos que o jornalismo desportivo de maior audiência viesse a ser o da perseguição à vida privada dos protagonistas, das informações privilegiadas sem consentimento ou da discussão incendiária, por vezes, de casos alheios ao próprio jogo (para não falar de arbitragem) entre adeptos que independentemente de não defenderem as mesmas cores, torcem pelo mesmo desporto. Que fascínio é este pelo boato e pelo ódio ao outro, alimentado pelo campo de batalha dos fóruns digitais?

E assim, o jornalismo (tudo menos) naturalmente adapta-se. À realidade virtual, livre de óculos mas não de cólera, para satisfação dos milhares de polegares desconectados da própria paixão que defendem aguerridamente. Ainda assim, há a evidente responsabilização moral e social para os que escrevem sobre desporto. Porém, ainda mais para aqueles que o consomem. Porque, independentemente da sua evolução e mudança nas últimas décadas, os jornalistas continuam a escrever para nós. E como em qualquer mercado, aplica-se a lei do mais forte: sobrevive o melhor dos vendedores.


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