Stanger Rules: Tom Dempsey e o recorde do pé quadrado
Tom Dempsey nasceu em 1947 com alguns problemas. Nasceu sem a mão direita e sem os dedos do pé direito. Isso não impediu que Tom cumprisse os seus sonhos de jogar na NFL, a liga de futebol americano. Entrou na liga em 1969 e a história deste artigo aconteceu no ano seguinte. Dempsey jogava como kicker (chutador) pelos New Orleans Saints e bateu o recorde de remate mais longo da história da liga.
Faltavam 2 segundos para o fim do encontro e o seu remate podia dar a vitoria aos Saints, Dempsey tentou um remate de 63 jardas de distância (57,6 metros). Marcou e a sua equipa ganhou o jogo. Apesar de ter sido uma das apenas 2 vitórias da equipa nessa época, o remate ficou na história. O recorde manteve-se até 2013 quando Matt Prater marcou a 64 jardas de distância.
A história podia ficar por aqui, um exemplo de superação e de qualidade num dos maiores desportos da América do Norte. Mas não, se assim fosse não estaríamos a falar dela nesta rubrica.
Os problemas com o remate e a regra
Antes de jogar na NFL, Tom jogou numa liga amadora e lá jogava com o pé direito descalço, até que arranjou uma sapatilha feita à sua medida, que terminava onde o seu pé terminava com uma superfície reta. Isto permitia-lhe um maior conforto e facilidade nos remates que as sapatilhas normais lhe dariam.
Pode parecer estranho, mas houve pessoas que alegaram que a limitação de Dempsey se tinha tornado numa vantagem. Que apenas graças ao calçado adaptado é que o jogador conseguiu bater o recorde. O argumento é que o formato da sapatilha fazia dela uma espécie de martelo embatendo na bola como uma superfície plana.
O argumento tem lógica e até pode ser correto, mas a resposta de Dempsey não é menos correta. Quando questionado se achava que tinha alguma vantagem, jogador disse “Vantagem? Gostava de vos ver a marcar um remate a 63 jardas para ganhar um jogo com um pé sem dedos.”. Touché.
Posteriormente, uma investigação realizada pelo programa da ESPN “Sports Science” concluiu que a deformação e o calçado usado por Dempsey traziam na verdade uma desvantagem para o atleta.
Ainda assim, e muitos anos antes desta investigação, a NFL criou uma regra sobre este caso. Em 1977 surgiu aquela que é conhecida como a “Tom Dempsey rule” que diz que “qualquer calçado usado por um jogador com um membro artificial deve ter uma superfície de remate semelhante à de um calçado normal.”.
As repercussões e a segurança do recorde
Para além desta regra, havia quem ainda quisesse pôr um asterisco no recorde de Dempsey. Queriam que este não fosse válido para o recorde “real” de remate mais longo pela sua “vantagem” para bater este recorde. Dempsey, que ainda estava no ativo nesta altura, ameaçou processar a Liga se isso acontecesse. O comissário da altura tomou, na nossa opinião, a decisão correta e manteve como válido o recorde do jogador, sem asterisco.
A temporada deste remate foi a melhor da carreira de Dempsey, que ainda se manteve na Liga durante alguns anos ,entrando depois para o Hall da Fama dos Saints.
A sua vida depois da saída da NFL foi atribulada, com a sua casa destruída pelo furacão Katrina, um diagnóstico de demência e, agora em 2020, a sua morte por COVID-19 aos 73 anos. Apesar deste final, Dempsey fica na História do futebol americano e do desporto como um exemplo de superação das limitações físicas, como um exemplo de resiliência. Fica ainda um recorde que durou 40 anos e um remate inesquecível que pode ser visto no vídeo abaixo!