Johann “Rukeli” Trollmann – o boxeur que desafiou o nazismo

João FreitasSetembro 30, 20206min0

Johann “Rukeli” Trollmann – o boxeur que desafiou o nazismo

João FreitasSetembro 30, 20206min0
Johann Trollmann ergueu-se contra o regime Nazi e pagou com o fim da sua história desportiva e mesmo com a sua vida! Descobre a sua história aqui!

A República de Weimar foi sem dúvida um tempo marcado pelas tensões sociais e politicas que abalaram toda a Europa do pós I Guerra Mundial. Nas cinzas da guerra que assentavam sobre o então caído império alemão, o frágil governo social-democrata debatia-se entre um forte movimento comunista – alavancado pela revolução soviética e todas as demais revoluções que ocorreram entre 1917-1921 – e um galopante crescimento de partidos de extrema-direita, de entre os quais o Partido Nazi (NSDAP) aos poucos assumia a dianteira.

A sociedade alemã, mas em especial a berlinense viviam um período de expansão dos costumes morais e sociais que colidiam com praticas sociais mais conservadoras das zonas de forte influência católica (Baviera) ou com um cunho económico mais assente no poder da nobreza rural.

Lutador que deu a cara pela resistência ao regime Nazi (Foto: Getty Images)

O personagem desta história dava os seus primeiros passos pós-adolescência e na sua carreira de boxeur por entre os sombrios clubes de boxe numa Alemanha estilhaçada pela crise económica e em crescente tensão social, em que combates entre comunistas e nazis eram uma constante nas ruas das principais metrópoles alemãs.

Johann Trollmann nasceu em Hannover no ano de 1907, no seio de uma família operária de etnia Sinti (um dos vários povos Roma de origem europeia). Desde os seus 8 de idades que Johann se juntou ao clube de boxe “Os Heróis” e conquista as suas primeiras vitórias.

Desde cedo encontra no boxe e nas lutas clandestinas uma forma de ele e a sua família fugirem à pobreza. O seu talento levou a consagrar-se campeão, com apenas 19 anos de idade, no Torneio de Boxe de Amadores do Noroeste Alemão. Nesta altura, lutava pelo Secção Desportiva Operária do Partido Comunista Alemão.

Mas tamanha proeza em tão tenra idade desperta a atenção dos diversos promotores de combates que o convencem a tornar-se profissional. Entre 1929 e 1932 disputa combates a uma média alucinante de 1 combate por mês, mas sempre com os seus calções com as palavras “Zigeuner” (Cigano) bordadas.

Com o crescimento do nazismo e a sua chegada ao poder, a perseguição intensificou-se a diversos grupos sociais, religiosos e políticos. E Johan estava na linha de fogo, para além da sua origem étnica, a sua ligação a movimentos sociais e à vida boémia em Berlim e Hamburgo, estavam longe de colher simpatias entre o fascistas.

O Völkischer Beobachter (jornal do partido Nazi) caracterizava o boxe de Trollmann como “não germânico, mas um estilo de luta degenerado e afemininado”. Johann era conhecido pela velocidade e pela elegância dos seus movimentos.

Seria no famigerado ano de 1933 – mesmo ano em que Hitler é nomeado chanceler alemão – que Johann derrota Otto Klockerman na sua cidade natal e o colocou a um combate de distância do tão ambicionado título de campeão de pesos leves.

Uma história de coragem e superação (Foto: Getty Images)

O combate do título seria agendado para 9 de Junho em Berlim, onde uma incrível tensão política cercava o combate não deixando ninguém indiferente. Nessa noite no jardim de verão do Bockbierbrauerei, Trollmann subia ao ringue com os seus míticos calções para enfrentar Adolf Witt. Ao fim de 12 longos rounds, os juízes do combate declaram Trollmann vitorioso por pontos. O novo campeão chora de alegria, o público rejubila com a vitória numa altura em que o governo Nazi lutava por se impor numa cidade com um cunho contestatário.

Mas as autoridades nazis declaram como nula a vitória de Johann e declaram que o combate na verdade foi um empate e que seria necessário realizar um outro combate, desta vez contra Gustav Eder, mas onde Trollmann deveria combater num “estilo germânico de boxe”.

Seria aqui que toda a coragem e honra de um ser humano se apresentariam em ringue num esplendor de sagacidade e inteligência. A 21 de julho, Johan Trollmann sobe ao ringue com o cabelo pintado de loiro e com o seu corpo pintado de branco, numa caricatura do “ariano puro”, onde ficou de pé, no centro do ringue, sem se mexer ou defender-se de qualquer golpe do seu opositor. Aguentou por 5 rounds, antes de cair. Dando ao regime nazi uma vitória vergonhosa.

Em 1938, com o surgimento das leis raciais e a cada vez maior perseguição aos judeus e povos roma, Trollmann é obrigado a escolher entre a esterilização ou a ida para um campo de concentração. A sua esposa não era sinti, e para a proteger, Trollmann sujeita-se à castração e divorcia-se.

No ano seguinte, é enviado para a frente Oriental da guerra, mas após um ferimento em combate regressa em 1941 e em 1942 – após a Wehrmacht expulsar todos os roma do seus batalhões – é detido pela Gestapo e enviado para o campo de concentração de Neuengamme.

Trollmann foi condecorado campeão de 1993, vários anos depois da sua morte (Foto: Getty Images)

Aí, é reconhecido pelos presos e tido como herói deles. Muitas vezes participou em lutas nos campos pelas quais recebia um pouco mais de comida, numa dessas lutas derrotou Emil Kornelius – ex-criminoso e KAPO (um prisioneiro designado pelas SS para vigiar os demais presos). Envergonhado pela derrota, Kornelius, em conjunto com os outros KAPOS, atacou Trollmann com pás ferindo-o mortalmente.

Em 2003, a federação de boxe nomeou Trollmann como campeão de pesos leves de 1933. Um título que chegou com 70 anos de atraso.


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