[Muda o Teu Jogo] Gerir o Sucesso: o que fazer quando atingimos o topo?

Fernando SantosDezembro 31, 20177min0

[Muda o Teu Jogo] Gerir o Sucesso: o que fazer quando atingimos o topo?

Fernando SantosDezembro 31, 20177min0
Chegar ao topo é uma tarefa difícil mas manter-se no topo só está ao alcance de muito poucos. Porquê? Há uma soma de razões que enumeramos em seguida

(…) sabia que lá em cima não conseguimos manter o mesmo discernimento que cá em baixo. Não conseguimos manter um pensamento lúcido e coerente, movemo-nos à base de sentimentos, associações curtas de ideias. Sabia que chegar lá acima não é o fim da história, que é preciso voltar. Sabia que a vitória é darmos o nosso melhor e regressarmos bem.” – João Garcia em “A Mais Alta Solidão”

Muitas vezes usamos a metáfora da “montanha a subir” quando temos pela frente desafios duma dimensão considerável. Esta poderosa metáfora encerra dentro de si ensinamentos que não devemos descurar e que tentaremos aqui transferir para a nossa vida pessoal, profissional e desportiva. Todos temos alguma noção do grau de dificuldade inerente a uma escalada. Consoante a elevação, o declive e o tipo de superfície, regra geral uma escalada requer muito de cada um que a tenta. O parágrafo de João Garcia é relativo à escalada do Everest. Não há topo mais elevado no nosso planeta. O que fazer, então, quando atingimos o topo?

Foto: João Garcia

1. A Conquista: Todas as escaladas começam com intenso planeamento e preparação física, técnica, táctica e… mental! A subida, regra geral, não se faz duma só vez. Tem etapas intermédias, campos base de aclimatação à altitude. Estágios de reflexão, alinhamento e ajuste. A tarefa exige a cada um a humildade para identificar as suas lacunas e a coragem para aprender e trabalhar na sua melhoria contínua. É frequente não conseguirmos ter êxito à primeira numa determinada escalada. Mais óbvio ainda é que não devemos iniciar uma carreira na escalada logo com a subida ao Everest. O insucesso é sempre fácil de medir: basta saber onde desistimos, onde parámos, onde nos faltaram as forças e o apoio para continuar, onde os elementos todos se uniram contra nós, etc. Não há nada mais fácil do que gerir o insucesso. Ou teremos que nos preparar melhor ou que mudar de estratégia ou ainda que alterar o ritmo da subida. Depois de enormes provações e sacrifícios, o momento da chegada é duma felicidade indescritível mas, invariavelmente, efémero.

2. O Regresso: Através da análise do parágrafo do João Garcia concluímos que o topo é inebriante. Depois da conquista há que manter a lucidez e o rigor. Se saber perder é algo que tentamos ensinar aos nossos jovens desde tenra idade, saber ganhar é uma aprendizagem que se revela frequentemente bastante mais complicada. Quantas vezes não vemos vencedores a troçar ou mesmo tentar humilhar os vencidos? Saber ganhar com respeito e dignidade é sinal de nobreza de carácter e de assimilação completa dos valores olímpicos instituídos pelo Barão Pierre de Coubertin. As razões são variadas e abordaremos aqui algumas. A falta de lucidez é a principal. Depois de chegados ao topo urge manter a serenidade e a capacidade de raciocínio. Outros factores ocuparão agora o lugar que estava reservado para os cuidados essenciais e constituirão um risco acrescido de insucesso. Se na alta montanha é o oxigénio que começa perigosamente a faltar, na vida normal a baixa altitude há o risco de perda de tempo e espaço para os detalhes que nos conduziram ao topo. O dinheiro, a fama, os fãs, as paixões, as festas ou os luxos podem roubar o oxigénio e a lucidez a quem tanto trabalhou para atingir o cume. De facto, os dois maiores riscos para quem atinge o topo são o desleixo e a falta de humildade decorrentes de “ter colocado a bandeirinha lá no cume”. Após a “missão cumprida” há uma tendência natural para o relaxamento próprio de quem chegou ao final da sua missão. Mas, acreditando nas palavras do João, a tarefa ainda não terminou. Vai apenas a meio. Falta o regresso. E é, por esta razão que a maior parte dos acidentes graves na escalada ocorrem na descida e não na subida. A este relaxamento costumo chamar de “síndrome do alpinista” e ele pode ser observado, no nosso dia-a-dia, em todas as pessoas que para pôr o pé na passadeira são extremamente assertivas e, uma vez nela, atravessam duma forma cada vez mais lenta até chegar ao passeio do outro lado. Para estes nossos concidadãos, e acredito que agora vão começar a vê-los todos os dias, o sucesso não está em atravessar a rua mas sim em conquistar a passadeira e nela desfrutar do seu poder por alguns segundos. Transferindo para o universo desportivo, é como pertencer sem contribuir. É como saber sem fazer. Pura e simplesmente, não chega.

Foto; Arquivo Pessoal

3. O Futuro: Depois de regressarmos sãos e salvos, caso sejamos verdadeiros apaixonados pela escalada, dificilmente ficaremos muito tempo sem começar a pensar em nova aventura. Em nova conquista. Em novo cume. Que outras montanhas há? Haverá mais altas? Mais difíceis de escalar? Mais inacessíveis? Como posso melhorar a minha recente conquista? Devo preparar-me melhor? Fazê-la de novo? Fazê-la mais rápido? Fazê-la de outra forma? Disfrutar mais na subida? Ser o que a fez mais vezes? Como posso definir um novo objectivo que me motive e me conduza a um estado de superação permanente? Partilho aqui convosco alguns exemplos.

Em conversa com o então treinador da equipa principal de basquetebol do FC Barcelona, Xavi Pascual, fiz-lhe a seguinte questão: “o que dizes aos teus jogadores para os manteres focados e tão motivados após tantas conquistas?”. Resposta dele: “Nada. Não lhes digo nada. Evito falar com eles. Um treinador comunica com os seus atletas com trabalho e objectivos.”

Já Bill Russel, antigo jogador dos Boston Celtics e jogador da NBA mais vencedor de sempre, dizia que quando a sua equipa jogava ao mais alto nível obrigava os adversários a fazê-lo também. E quando as duas se envolviam num duelo intenso de alta qualidade o prazer em estar em campo a participar de tamanho espectáculo era tal que, muitas vezes, apenas olhava para o marcador do resultado depois do apito final. O processo era incomensuravelmente mais prazeroso que o resultado, mesmo que este fosse uma vitória.

A título pessoal, partilho convosco uma decisão que tomei. Corria o mês de Agosto de 2008. Tinha conseguido guiar a minha equipa universitária, enquanto treinador, a título de campeã nacional universitária. Recebo um telefonema de um treinador amigo com um convite para treinar uma equipa de basquetebol de topo em Portugal. Como o convite para mudar de equipa tinha tudo para ser irrecusável… tive de o recusar. A razão pareceu-me simples: nunca nenhuma equipa em que eu tivesse jogado ou que eu tivesse treinado tinha conseguido defender com sucesso um título de campeão nacional conquistado. Se mudasse de equipa nessa altura, a tentativa de atingir esse “cume” ficaria adiada. Esse era, então, o meu Everest. Graças a uma equipa de gigantes, conseguimos colocar, no final dessa época, a nossa bandeira nesse cume.

Foto: Arquivo Pessoal

Estes três exemplos basquetebolísticos (o do Xavi, o do Bill e o meu) mostram que cada um de nós tem as suas montanhas interiores. Que os meus cumes não são iguais aos teus. Que o que nos motiva é tão variado quanto as nossas impressões digitais. Encontra os teus cumes e dá o teu melhor para os alcançares. As vezes que forem necessárias para seres feliz…

4. Conclusão: Chegar ao cume é difícil. Muito mais difícil é mantermo-nos por lá. Ganhar não é natural. Quando ganhares, fá-lo com elevação e respeito. Lá em cima, prepara a tua descida e, acima de tudo, nunca te esqueças daquele pequeno passo com que tudo começou. Já cá em baixo, não deixes de olhar para cima. De querer mais e melhor. De desejar repetir o processo, melhorando-o. De viver. Foca-te sempre no que controlas. A competição nunca é com os outros montanhistas, é apenas e só contigo.

Que 2018 seja, para ti, um ano cheio de cumes conquistados!


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