O admirável mundo novo do pós-futebol

Há umas semanas, a SPORTTV surgiu com uma ideia completamente fora da caixa para um novo conteúdo televisivo. Imagine-se só: um programa de análise à arbitragem. É realmente refrescante que alguém tenha este tipo de ideias iluminadas, numa decisão ponderada que pode mudar o panorama do futebol português. Está na cara, para todos os adeptos de futebol, que o faltava mesmo era um programa deste género e quem dera que seja desta que se acabe com as dúvidas. É sabido que todas as discussões deste tipo têm sido totalmente cordiais e tem servido para apaziguar os ânimos de todos, tal é a concordância.

Para a discussão, contam com um elemento de cada clube dos chamados três grandes, um antigo árbitro português e um ex-árbitro brasileiro, este último chamado para que a ‘parolice tuga’ chegue além-fronteiras. A dúvida que surge logo à partida é o porquê deste tipo de programas ter apenas um representante dos três grandes e não um de cada equipa da primeira liga. De forma a tentar ir a todos os quadrantes para uma sociedade mais representativa no que toca a discutir os grandes temas do nosso tempo, seria bom saber a opinião sobre se é bola no braço ou braço na bola também de outro de cada equipa da segunda liga e, já agora, de um militante da JSD e de um integrante da IURD.

Outro problema é que cada jogo tem de ter – obrigatoriamente – os seus casos. Se não tiver, também que não seja por isso, que eles inventam. Quando não há o que dizer recorrem ao ‘enche-chouricismo’, tão vulgar na televisão portuguesa de hoje em dia. São obrigados a analisar lances ao pormenor que até uma toupeira veria, fazendo uma figura ridícula. Depois de horas bem passadas a dissecar firmemente sobre estes assuntos, todos conseguem juntar a módica quantia de zero conclusões. São licenciados em Teoria Conspirativa Avançada e parece que as cadeiras que mais gostaram no curso foram as de Memória Selectiva e Análise Enviesada.

O programa já tinha tido uma introdução no jogo da Taça de Portugal entre Porto e Sporting. O lance do cruzamento teleguiado de Sérgio Oliveira, correspondido por uma cabeçada de excelência de Soares, passou em claro. O futebol no que à bola diz respeito já não tem interesse.

Pode ter passado despercebido – nestas coisas nunca se sabe -, mas de facto já existem alguns programas de análise aos lances duvidosos de arbitragem. O problema deste? É que ainda é mais criticável porque é feito com o apoio da Liga portuguesa. Numa época de experimentação do video-árbitro, tentam dar a maior importância possível ao projecto, como se quisessem tornar um protótipo que ainda não o tamanho do chassis definido, no carro mais vendido do ano.

É preciso calma e paciência. Não peçam a um senhor que foi habituado a levantar a bandeira o mais rapidamente possível durante 20 anos, que agora deixe passar os lances e espere que seja um árbitro sentado a ver uns vídeos a dar-lhe as indicações.

Apesar de o futebol ser um lugar para a irracionalidade, onde um adepto de um clube pode e deve ter direito a defender algo indefensável, o ambiente envolvente está a ficar insuportável, pois há gente que só quer ver a bola em paz e divertir-se com os amigos – os do mesmo clube e os do adversário. Seria bom que os responsáveis máximos pelo futebol analisassem todos os lances segundo a regra que não está escrita e que devia ser peremptória. Essa coisa tão higiénica: o bom senso.