É urgente criar uma Cultura Parental Positiva no desporto português
O ano de 2020 ficará para sempre na nossa história pessoal e colectiva. Ninguém podia prever a quantidade de mudanças, restrições e proibições (que nos impediram de aprimorar a nossa cultura a todos os níveis) a que todos fomos sujeitos durante este último ano. E, apesar dos sinais de que estamos a fazer um belíssimo esforço colectivo, a pandemia ainda não terminou. O que podemos fazer melhor em 2021?
“Nada é permanente, excepto a mudança.” – Heráclito
Os Pais e as Mães têm aproveitado estes tempos difíceis para aprimorar os seus super-poderes. Para além da exigentíssima missão de serem diariamente os melhores pais que conseguem, tiveram que mostrar que também conseguem ser, em simultâneo, seguranças, professores, treinadores, parceiros de treino e colegas de equipa, isto para além de continuarem a ser excelentes profissionais, gestores financeiros, chefs de cozinha, etc.
Também os treinadores tiveram que se reinventar durante este ano. Estudo, uso de novas ferramentas, inovação, criatividade, improviso, sempre ao serviço dos seus clubes e dos seus atletas num momento ímpar da nossa vida colectiva.
Há um ano que as nossas crianças e jovens estão proibidos de realizar actividade física e desporto com os seus amigos nos clubes, nos parques, na praia ou na rua. De cada vez que escrevo isto vem-me um calafrio que começa na ponta na ponta dos dedos que teclam e termina, estremecendo, no coração. As consequências nefastas desta “paralização”, orientada pelo mecanismo de resposta “Luto-Fujo-Paro” que todos possuímos, far-se-ão sentir durante muito tempo.
Este tempo afastados das rotinas e procedimentos normais permitiu aos pais ter a distância suficiente para reflectir sobre a participação dos seus filhos (e sua própria) no desporto e, seguramente, quando for possível o regresso revigorado serão capazes de seleccionar o que de positivo aprenderam com esta pandemia. Novas formas de fazer surgirão e serão naturalmente encontradas soluções mas eficientes e métodos mais simples para desafios antigos.
O maior desafio actual que se coloca hoje ao desporto português é o do êxodo em massa de filhos e pais associado ao retrocesso, fruto de mais de um ano de “congelamento”, das competências dos resistentes.
A perda de atletas é, e continuará a ser, enorme. Uns sairão por atingirem uma das três janelas temporais de abandono, outros porque durante os períodos de treinabilidade óptima das suas competências motoras estão encarcerados, outros porque durante tanto tempo de inactividade puderam experimentar coisas cujo ciclo de prazer é mais curto, experiências essas nas quais não têm que adiar a recompensa, onde podem ser reis da sua ilha e onde as sensações de posse e de poder são estupefacientes. Dificilmente estes jovens regressarão à modalidade que praticavam, estando hoje bastante mais perto de se sentirem deslocados, injustiçados, excluídos, marginalizados. O desinteresse, a apatia, o abandono e a zombificação estão, vezes demais, à distância de apenas um clique. E continuamos a forçá-los a clicar…
Face a este cenário, é de extrema importância que o clima que contruímos em volta das experiências dos mais novos seja positivo, inclusivo, mobilizador e até apaixonante! Para tal contribuirão melhores instalações e equipamentos desportivos, treinadores com cada vez mais qualidade e um ambiente que permita aos jovens divertirem-se, superarem-se e desenvolverem-se individualmente, no campo e fora dele.
Este último aspecto requer a ajuda e o apoio dos pais. É decisivo criarmos um clima positivo no desporto de formação português. Para que tal aconteça, é fundamental a criação de uma Cultura Parental Desportiva baseada na ética e no fairplay que ajude efectivamente os mais jovens a serem mais felizes.
Temos assistido nos últimos anos ao enorme esforço feito por várias organizações desportivas no sentido de criar e desenvolver uma relação mais positiva com os pais dos seus jovens praticantes, reconhecendo a sua importância e encontrando novas formas de partilhar informação e de fornecer o apoio necessário para que estes melhorem a motivação, a participação, a gestão e o apoio que dão aos seus filhos, tornando a experiência cada vez melhor para todos.
O Triângulo do Desenvolvimento Desportivo tem, nos seus três vértices, os principais responsáveis pela felicidade e pelo sucesso: o atleta ou jovem praticante, os treinadores e os seus pais. Apesar da actual reputação negativa que os pais e mães de jovens praticantes possuem, todos (atletas, treinadores e pais) os envolvidos são humanos. Logo, todos cometemos erros. Todos partilhamos este imenso talento para sermos medíocres se nada fizermos para deixarmos de o ser.
Assumir uma cultura parental desportiva positiva não tornará a participação dos pais em algo imaculado e infalível. Torná-la-á, isso sim, mais consciente da sua enorme importância e mais próxima de ser legitimada pelos poderes vigentes. Senhores dirigentes, para quando uma organização tutelar desportiva que confira aos pais a real importância que eles têm e merecem?
Infelizmente, nem sempre os Dirigentes e os Treinadores estão à altura das responsabilidades que lhes são exigidas ou das expectativas que os pais depositam neles. Casos como o do médico da selecção de ginástica norte-americana e do treinador que o acompanhou chocaram o mundo e aumentaram o sentido de alerta dos pais.
Por cá não faltam também exemplos de dirigentes e treinadores que violaram de forma grosseira a confiança que os pais depositaram neles. E para que não se pense que a violência no desporto ocorre só no futebol, nenhum dos exemplos acima é dessa modalidade.
“Tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol.” – Albert Camus
O futebol senior brindou-nos no último fim de semana com mais um exemplo claro do porquê de ser necessária e urgente a criação de uma Cultura Parental Desportiva que devolva os valores e a lucidez que se estão a perder para o dinheiro e os resultados. Sérgio Conceição (treinador do Porto) e Paulo Sérgio (treinador do Portimonense) envolveram-se numa cena degradante que forçou à interrupção da partida durante vários minutos, à expulsão dos dois e à admoestação de vários envolvidos. Como todos falhamos e a nossa dimensão revela-se na reacção a essas mesmas falhas, naturalmente estranhámos o “lamentamos mas isto é normal” com que os treinadores se despediram do encontro. Mais lamentamos quando sabemos que um deles até tem o seu filho ao seu lado no banco.
Não pode ser igual fazer bem ou fazer mal. Num momento em que há tão pouco desporto e em que a esmagadora maioria das crianças, dos jovens e dos adultos está proibida de o praticar, a responsabilidade de quem o pode fazer torna-se muitíssimo maior.
Os mais novos farão o que vos virem a fazer!!! E não deve um treinador, só porque não consegue ver para além do seu enorme ego, promover a violência – verbal e/ou física – como “normal”. Ser Treinador não é para todos. A cada dia que passa, melhor percebemos que há aspectos comportamentais importantíssimos que os cursos não ensinam. Ainda… Todos estes casos mostram-nos que não devemos entregar os nossos filhos a adultos só pelo cargo que ocupam ou pelo bom aspecto do seu discurso. É fundamental sabermos avaliar os treinadores dos nossos filhos! O envolvimento parental positivo é cada vez mais necessário, útil e eficaz se desempenhado com os níveis de equilíbrio adequados.
A questão que se coloca é: qual é, então, o nível ideal de envolvimento parental desportivo? Todos os clubes necessitam de ajuda voluntária. Esta necessidade tornou-se ainda mais urgente devido à pandemia. Voluntariares-te não só ajuda o clube e a equipa do teu filho mas é também uma forma agradável de conheceres outros adultos. Aqui ficam algumas sugestões para te envolveres mais:
1. Torna-te árbitro
2. Torna-te treinador
3. Ajuda a cuidar dos equipamentos e das instalações
4. Ajuda a tratar das inscrições
5. Ajuda a fazer a estatística
6. Angaria patrocínios
7. Ajuda a coordenar os transportes
8. Ajuda a coordenar refeições, lanches e bebidas
9. Sê representante do clube, liga ou associação
10. Ajuda na comunicação do clube (fotos, site, flyers, redes sociais, etc)
11. Ajuda a implementar uma Academia de Pais no clube
Estas sugestões de envolvimento devem ser tidas em consideração MAS ATENÇÃO! Nenhum treinador gosta de (ou sequer deve) ser contrariado nas suas estratégias ou demais decisões de treinador! Aqui ficam alguns sinais de SOBRE-ENVOLVIMENTO parental:
a. Preocupas-te demasiado com os resultados dos jogos
b. Monopolizas o tempo do treinador com conversas sobre planos de jogo, nível dos atletas e/ou gestão de treinos e competições
c. O teu filho deixou de sentir prazer na modalidade e até já te disse para não o ires ver
d. Pedes ao teu filho para ter treinos extra
e. Reclamas e perdes a calma facilmente durante as competições
Mantém-te envolvido, mostra o teu interesse, ajuda o treinador quando ele/ela precise de ajuda, encoraja o teu filho e desfruta tu também o máximo que conseguires!
Uma excelente época 2021/22 para todos os Pais, Treinadores e demais agentes desportivos neste esforço conjunto de ajudarmos os mais novos a serem cada dia mais felizes.
Porque crescer é aprender. E aprender é mudar.