Como manter a vontade de continuar?

Luís MouraAbril 1, 20244min0

Como manter a vontade de continuar?

Luís MouraAbril 1, 20244min0
Luís Moura faz uma pergunta: como manter a vontade de continuar a seguir qualquer modalidade? Uma reflexão profunda sobre o mundo do desporto

Este não é um artigo sobre competição, invés, acerca do desporto em si, daquilo que nos ocupa boa parte da semana- o nosso escape ao final de um dia de trabalho- do conceito por vezes abstrato que nos faz viver em dobro, mais suscetível às emoções extremas que qualquer outro acontecimento da nossa vida quotidiana. Escrevo no rescaldo de mais uma Páscoa, quando os foguetes ainda entoam no ar e os restos de comida enchem o frigorífico servindo de sustento para os próximos dias. Escrevo também no dia em que termina mais uma jornada da Liga Portugal Betclic, o Sporting Clube de Braga visita o Portimonense, depois do Vizela ter recebido o Casa Pia, no passado domingo. E é precisamente esse jogo que serve de mote para a questão central do artigo: Como manter a vontade de continuar? Levemos a questão para o aspeto motivacional, consequente da sobrecarga de jogos que levam equipas do fundo da tabela a defrontarem-se num dia altamente festejado e consagrado em Portugal.

Qual a necessidade de o fazer? Bem, a pergunta parece ter um resposta clara: os direitos televisivos. É no mínimo suspeito que um dos jogos com menos interesse televisivo da jornada se tenha realizado num dia repleto de défices na programação do canal de que transmite os jogos da Primeira Liga. Contra mim falo, uma vez que tomei conhecimento da realização do jogo àquela hora e naquela data com bastante satisfação. Para os adeptos que se deslocaram ao estádio a hora foi igualmente convidativa. O jogo correspondeu às espectativas- menos para os sócios e simpatizantes do Vizela – com grandes golos, boas defesas e competitividade. Tudo estava reunido para um bom encontro e as espectativas não foram defraudadas. Contudo, nem sempre o plano competitivo é o mais importante.

O facto de se recorrer a um dia de festa para realizar um jogo de futebol não é só condenável, mas também reflexo de um desporto que há muito vimos a contruir. Sim, vimos! Nós enquanto espectadores que na maior parte das vezes olhamos mais repentinamente para o espetáculo desportivo, do que para as consequências que a maior parte destes momentos tem para a vida de cada um dos jogadores. Não só no ponto de vista físico – enfatizado, por exemplo, pela lesão de Bruno Costa que deixou o Vizela a jogar com menos uma unidade por falta de substituições –, mas principalmente no lado emocional. Se queremos competição, é exigido respeito por quem compete. Só temos oportunidade de assistir a um bom desporto, se os intervenientes tiverem vontade de competir, de ganhar e, para isso, é necessário tempo para cultivar o culto de vencer. A prática de jogos de dois em dois dias suga a vontade de ver o desporto e normaliza a competição, sendo apreciável o dia em que não há algo para ver. Estou certo que este não é o caminho, muito menos a vontade de alguém que vive o desporto. É sim a vontade de quem lucra com ele.

Como manter a vontade de continuar? É uma questão para a qual não tenho resposta, principalmente porque se estivesse no lugar de quem compete não continuava. Não continuava a correr vinte cinco vezes por ano no Campeonato do Mundo de Fórmula 1, fazendo de quartos de hotel espalhados pelo mundo a minha casa. Não continuava a jogar basquetebol nos Estados Unidos da América dia sim, dia não e, por vezes, dia sim, dia sim, só para engrandecer uma marca que há muito se despreocupa com quem por ela trabalha. Não continuava a sacrificar a minha saúde para jogar de três em três dias numa qualquer equipa de futebol.

Continuar com a filosofia de que os atletas são ativos financeiros e devem ser explorados ao máximo, não abonará em favor do desporto, a média prazo até prejudicará, porque o adepto começa a mostrar-se farto de também ele ser tratado como um ativo. O desporto é a paixão, a lealdade, a naturalidade e, acima de tudo, a autenticidade. Enquanto estes atributos foram desvalorizados e desporto continuará a morrer.

Até lá? Bons jogos.


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