Brasil tricampeão do mundo: entre a arte e a censura
No primeiro texto desta série que, dentro da história do futebol do Brasil, procura explicar o tricampeonato mundial de futebol da Canarinha em 1970, os pormenores e o contexto em que se deu esta conquista, viu-se que o Brasil passava por um regime de excepção, de extrema censura e combate aos opositores do governo.
Espalhavam-se pelo país movimentos de guerrilha armada de orientação Marxista-Leninista, como a Aliança Libertadora Nacional, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro e a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares. Executaram diversas acções, como os sequestros do embaixador norte-americano e do cônsul do Japão em São Paulo; roubo a bancos e atentados, em troca da libertação de presos políticos e financiamento destes movimentos, respectivamente. Simultaneamente, a repressão e a censura aumentavam a cada dia. Eram comuns as manifestações de estudantes nas grandes cidades, bem como da composição de canções populares (como abaixo a de Geraldo Vandré, “Pra dizer que não falei das flores”) que reforçavam os ideais democráticos, questionavam o regime e eram exibidos nos festivais musicais organizados pelas emissoras de televisão.
Por outro lado, a economia dava um grande salto e o país passava por um “milagre económico”, com um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima dos 10%. O Brasil crescia rumo ao interior e formava-se uma classe bastante numerosa e com alto poder aquisitivo, que em parte passava a impulsionar a economia.
(foto acima: Pelé ergue a taça de campeão mundial ao lado do Gral. Emílio Garrastazu Médici, então Presidente do Brasil)
Diante deste quadro de crescimento (económico), mas de perseguição, violência política e extrema censura, a população em geral observava o governo com muita desconfiança. Para isso o poder executivo criou a “Assessoria Especial de Relações Públicas – AERP”, que trabalhou o patriotismo e a auto-estima da população, além de instituir nas escolas de todo o país a disciplina de “Educação Moral e Cívica”.
Deste trabalho nascem os lemas: “Brasil, conte comigo”; “Brasil: ame-o ou deixe-o”; “Ninguém segura este país”. O momento da economia era um manancial de ideias, mas o desporto e, especialmente o futebol, também. Exemplo disso é a música-tema da selecção brasileira (curiosamente em ritmo de marcha militar) para o mundial do México, em 1970, quando conquistou o tricampeonato:
“Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil, no meu coração
Todos juntos, vamos pra frente Brasil
Salve a seleção!!!
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!”
Pois bem, o Brasil vai ao México sob uma intensa expectativa e ambiente que vimos no primeiro texto. Fora de campo, acontecia tudo isto que foi lido neste artigo. Muito difícil colocar tantos detalhes político-sócio-económicos (e desportivos!) em poucas linhas. Entretanto, de maneira geral, assim era. Os brasileiros voltam com o tricampeonato a jogar um “futebol-arte”. Como foi esta conquista e as consequências dela, ficam reservadas para breve.