A Crise de Identidade de Mourinho – Verdade ou Mito?
Uma semana demoníaca para José Mourinho: a eliminação do enorme Manchester United aos pés do “pequenino” Sevilla, em pleno Old Trafford, nos oitavos de final da Champions League; novas questões em torno da relação do português com os seus jogadores, nomeadamente com Paul Pogba; a saída de Manchester para Madrid na próxima época. Enfim, uma semana demasiado normal nos últimos tempos para o português. No fundo, a eterna pergunta: terá Mourinho perdido a sua capacidade como treinador de Classe Mundial?
Antes de abordar a questão, é necessário usar as palavras de Mourinho para clarificar um ponto prévio:
For 10 months I win nothing, the last title that I won was 10 months ago.
Os seus detratores terão, com certeza, uma memória seletiva e escolherão esquecer que a passada época do Manchester United trouxe 3 títulos para o seu palmarés. Outros poderão afirmar que eram títulos menores e que a sua sexta posição na Premier League não é desculpável com conquista de taças. Mas não deverá ser esquecido que, antes da chegada de Mourinho e após a saída do enorme Sir Alex Ferguson, a melhor classificação que o clube obteve foi um mísero 5º lugar e uma FA CUP e uma FA Community Shield, conquistadas por Van Gaal e Moyes, respetivamente. Num ano, Mourinho foi capaz de suplantar o número de conquistas dos seus dois antecessores nos 3 anos anteriores.
A Herança
Adicionalmente, urge esclarecer algumas questões que o próprio José Mourinho abordou numa conferência de imprensa emotiva e exaltada, onde clamou respeito e pediu paciência para o processo de crescimento de um clube que não pode ser iludido com o seu passado.
In the last seven years, Manchester City was champions twice and you can say three times. They were second twice. That’s heritage. Do you know what is also heritage? It is that (Nicolas) Otamendi, Kevin De Bruyne, Fernandinho, (David) Silva, (Raheem) Sterling, (Sergio) Aguero, they are investments from the past, not from the last two years. That’s football heritage and one day when I leave, the next Manchester United manager will find here (Romelu) Lukaku, (Nemanja) Matic, of course (David) De Gea from many years ago.
O plantel do Manchester United está muito longe de ser considerado um plantel de classe mundial. Se hoje se fala de Young como um Defesa Esquerdo competente, de Valencia como um dos melhores Defesas Direito do Mundo e como Lingard e Rashford como enormes apostas a curto/médio prazo, isso não invalida que o plantel seja paupérrimo quando comparado ao dos seus rivais. Obviamente que, aqui, Mourinho terá a sua quota parte de culpa, uma vez que jogadores como Lindelof, Bailly e Pogba estão ainda muito longe de mostrar aquilo que valem e de justificar os 180M de euros neles investidos.
Não será, no entanto, justo olhar para os valores investidos e achar que fogem muito ao normal de um clube dito grande na atualidade. O Everton, atual nono classificado da Premier League, esbanjou 200M de euros, com contratações por valores absolutamente impensáveis, como Sigurdsson por 50M de euros, Michael Keane e Jordan Pickford por 30M de euros, entre outros, que estão longe de mostrar qualidades para valer todos esses milhões. O mercado está descontrolado (e Mourinho foi um dos pioneiros na sua desregulação) e o Manchester, como equipa que procura reerguer-se, necessita de investir, se quiser ombrear com os seus rivais.
Fazendo um pequeno exercício de memória, poderemos considerar o plantel que Mourinho herdou aquando da sua chegada a Manchester.
Deste plantel, jogadores como Blind, Shaw, Fellaini, Schneiderlin, Depay e Darmian estão longe de mostrar capacidade de jogar num grande clube. E outros, como Rojo, Herrera, Mkhitaryan e Martial estão longe de ser suficientemente consistentes para agarrar o lugar no 11 de um clube que se quer campeão.
Mourinho pode ser acusado de uma gestão deficitária do seu orçamento de transferências, tendo esbanjado muito dinheiro em Pogba, Mkhitaryan e Bailly, quando estes dois últimos nem titulares indiscutíveis se provaram. Mas os jogadores bons não estão a preço de saldo e quando um clube como o United procura comprar um jogador, o seu preço será, obviamente, inflacionado.
A Tática
Talvez o ponto mais crítico da atual conjuntura de José Mourinho será a sua utilização de um modelo de jogo considerado pelos críticos como obsoleto. O surgimento de “doutorados” do Futebol, pessoas como Gary Neville (que fracassou ao serviço do Valencia), Jamie Carragher, Paul Scholes ou Rio Ferdinand, entre muitos outros intervenientes que surgiram com o advento das tecnologias de rede, ditou que o único paradigma aceite como “Bom Futebol” seria um futebol de posse, de movimentações constantes e de ataque posicional. O contra-ataque caiu em desuso, o jogo direto tornou-se tabu. E Mourinho, que evoluiu o seu modelo para conquistar títulos e não agradar a adeptos, cai nos meandros proibidos dos opinion-makers futebolísticos.
Nas passadas duas temporadas, os dois vencedores da melhor e maior Liga do Mundo, a Premier League, foram Leicester e Chelsea, respetivamente, curiosamente, ambos treinados por italianos, Ranieri e Conte. O seu futebol era agressivo, mas baseava-se no contra-ataque e na defesa massiva com forte e rápida chegada ao ataque, quase sempre baseada em dois ou três jogadores talentosos capazes de fazer a diferença no último terço (Vardy e Mahrez; Diego Costa e Hazard). Não deixa de ser curioso que as maravilhas que foram ditas de Conte se baseiem num futebol que Mourinho procura agora cultivar num clube sem cultura de vitória (ao contrário do Chelsea, que havia acabado de ser campeão com Mourinho ao leme), não sejam ditas de Mourinho de igual forma.
Contudo, também será lírico afirmar que o Manchester United apresenta um futebol atrativo, interessante. O United sofre da falta de jogadores de verdadeira classe mundial (apenas Matic, Sánchez e Pogba, Mata e Lukaku a espaços podem cair neste grupo) e de um sistema que depende das individualidades para criar perigo na área adversária.
O Problema
Apesar de todas estas questões, Mourinho não pode/não deve fazer afirmações como as que fez na passada Terça-feira.
I sit in this chair twice in the Champions League and knock Manchester United out with Porto and Real Madrid so is not something new for the club.
Se Mourinho era um verdadeiro Deus dos Mind-Games, a sua passagem por Madrid parece tê-lo transformado num “velho rancoroso e arrogante”. O desprezo que esta frase acarreta para o clube e para os adeptos não parece típico de Mourinho, nem uma frase verdadeiramente ponderada. Apelar ao seu passado noutros clubes contribui apenas para o seu engrandecimento pessoal e alimentação do seu enorme Ego.
Aliado a esta questão, Mourinho continua a causar algum desconforto dentro do clube e junto dos jogadores com afirmações com as de abaixo, referindo-se aos jogadores do Sevilla e ao que é preciso mudar no United para transformar o clube num clube de vencedores.
Do you think they didn’t have any players who could play direct in my team?
Everything, everything has to change!
Um treinador como Mourinho, que ganhou Champions com o FC Porto e com o Inter de Milão, clubes onde existia qualidade, mas, acima de tudo, muita garra e raça, não pode continuar a fazer exigências sem assumir os seus próprios erros e as suas próprias culpas.
O segundo lugar na Premier League, apenas atrás do estratosférico Manchester City de Guardiola, não serve para justificar uma época com inúmeros altos e baixos, flutuações excessivas da forma de jogadores, exibições paupérrimas e constantes controvérsias que o próprio Mourinho gosta de cultivar.
Terá Mourinho perdido o seu toque?
Mais do que deixar os seus títulos passados falarem por si; mais do que esperar que os seus defensores evoquem ad eternum as suas valências e os seus feitos hercúleos, Mourinho tem de assumir responsabilidades e honrar a memória de Sir Alex Ferguson no banco do United.
Os tempos mudam, o futebol muda e Mourinho mantém-se no topo. Contudo, a sua última conquista de uma Champions foi há quase 10 anos, não mais voltou a ser bicampeão em nenhum clube e, regra geral, não consegue durar mais que três épocas num clube. Se Mourinho quer ser o herdeiro de Fergie, tem de crescer, dar o salto de humildade e de responsabilidade que teimou em não dar nos últimos 15 anos.
Para bem do futebol, é bom que se perceba que Mourinho não está em crise, mas para lá caminha. E que o futebol ganha quando o português se sente confiante e obriga os outros a jogarem o futebol que ele quer que joguem. O Mundo do Futebol não renasceu em 2009 nem parou em 2005.