Pedro Sousa Ribeiro. “Demos passos gigantescos na qualidade técnica.”
Pedro Sousa Ribeiro, olhando de 2017 para o passado achas que o rugby português está muito diferente de quando começaste a envolver-te com a modalidade? Em que pontos podíamos ter evoluído e acabámos por não o conseguir?
PSR. A diferença é abissal. No inicio dos anos 60, quando tomei contato com o rugby e o comecei a praticar, apenas existiam 6 clubes em Lisboa e a AAC em Coimbra. Era um jogo muito pouco conhecido e com um reduzido numero de praticantes. A qualidade técnica nada tinha a ver com a atualidade. Nesse ponto demos passos gigantescos. No entanto não conseguimos promover o rugby tornando-o uma modalidade de referência como acontece noutros países.
O público mais “senior” sabe quem és, mas o mais jovem já não tem tanta noção, por isso vamos aos “básicos”? Como é que começaste a jogar rugby? E já agora em que posição?
PSR. Conheci no IST, onde era aluno, um colega, Carlos Pardal, que jogava no CDUL e me incentivou a ir experimentar. Fui a uns treinos do CDUL e fiquei motivado a continuar. E desde 1962 até agora, tenho estado continuamente envolvido. Logo na época seguinte, eu e mais três companheiros, Alfredo Santos, José Luís Steiger Garção e José Metelo criamos a secção de rugby da Associação dos Estudantes do IS Técnico cuja atividade ainda se mantem. Comecei a jogar a ¾ centro e na parte final da minha carreira como médio de abertura..
Na altura quais eram os grandes jogos do Campeonato Nacional? Chegaste a jogar pela Selecção Nacional?
PSR. No início dos anos 60 os jogos mais importantes eram aqueles que opunham o Benfica ao CDUL mas no final da década já o Técnico e o Belenenses disputavam essa superioridade.
Como jogador nunca atingi a qualidade requerida para a seleção nacional sendo apenas um jogador de clube.
Depois de estares dentro das quatro-linhas como atleta, passaste para o banco de suplentes como treinador? Ou preferiste assumir uma posição de dirigente? A logística era bem mais complicada de executar do que nos dias de hoje?
PSR. Ainda quando era jogador, iniciei a minha carreira de treinador e simultaneamente de árbitro. Nessa época os recursos humanos disponíveis eram muito escassos e os mais empenhados desdobravam-se em diversas funções. Dirigente fui um pouco desde o inicio, tendo começado como presidente da seção desportiva da AEIST, dirigente do CDUl, tendo integrado a direção da FPR, pela primeira vez, em 1968, na presidência de António Mário Carqueijeiro.
Nessa época o rugby de Lisboa estava fundamentalmente concentrado no Estádio Universitário onde treinavam e jogavam Agronomia, CDUL, Direito e Técnico. Benfica e Belenenses jogavam nos pelados do Campo Grande e do Restelo e constituía sempre uma dificuldade acrescida quando íamos aí jogar.
Gostava de visitar o ano de 1973, mais precisamente quando Portugal ganhou à Itália em Coimbra… lembras-te desse jogo? Foi “sorte” ou realmente sempre houve grande potencial nos jogadores portugueses?
PSR. Lembro-me perfeitamente desse jogo realizado em Coimbra e em que Portugal obteve uma vitória muito significativa. Sempre houve jogadores em Portugal de bom nível e que constituíram, na época, uma forte seleção, apesar do momento controverso então vivido, com forte contestação dos clubes universitários à gestão da FPR. Aliás já no ano anterior Portugal havia surpreendido a Itália, empatando o jogo realizado em Pádua.
Foste um dos grandes percursores dos 7’s em Portugal com os Lisboa 7’s como a “jóia da companhia” … achas que se descurou a variante? E o que temos de fazer para voltar ao ritmo da primeira década dos anos 2000?
PSR. Fui um dos organizadores do 1º torneio de Sevens realizado em Lisboa ( o 1º em Portugal foi realizado em Coimbra ), no ano de 1972 .Posteriormente e em conjunto com João Fragoso Mendes, Manuel Cabral e Pedro Fragoso Mendes fui um dos responsáveis pela organização de vários Lisboa Sevens, à época o melhor torneio de sevens realizado na Europa continental. Infelizmente não foi possível, por falta de patrocinadores, continuar essa realização.
Caso o Lisboa Sevens tivesse continuado com o nível alcançado, não tenho duvidas que a realização em Portugal de uma etapa da World Series seria uma hipótese com grande probabilidade de concretização, já que nessa época, além do prestigio alcançado, as relações com os decisores da então IRB eram as melhores . Aliás foi no Lisboa Sevens de 1996 que se realizou um dos torneios eliminatórios para o Campeonato do Mundo de 1997,, no qual participou e venceu a Nova Zelândia, naquela que constitui até agora, a única presença em Portugal de uma equipa dos All Blacks.
Portugal teve dez anos de grande projeção internacional nos sevens, tendo vencido vários campeonatos da Europa e tendo uma presença continuada, desde o ano 2000, nas World Sevens Series, sempre com resultados muito positivos.
A inclusão dos sevens no programa olímpico, com início no Rio 2016 teve um efeito gigantesco no mundo dos sevens. A atração olímpica levou muitos países a apostarem decisivamente nos sevens investindo fortemente nesta variante. Infelizmente Portugal deixou-se atrasar nesta evolução e agora será muito difícil voltar a uma posição de destaque.
Seria necessário estabelecer um programa de sevens com torneios internos competitivos e escolher um conjunto de jogadores que fizessem dos sevens a sua prioridade e encontrar um conjunto de patrocinadores disponíveis para financiar esse programa. E existem jogadores em Portugal que podem constituir um grupo capaz de alcançar esse objetivo. Desde que lhe sejam proporcionadas as condições de treino e de competição para que as suas potencialidades se possam exprimir no seu máximo.
Como foram os primeiros Lisboa 7’s? O ambiente era espectacular? Quais as principais preocupações na altura?
PSR. Os dois primeiros Lisboa Sevens foram realizados no antigo campo 2 do Estádio Nacional e não tiveram grande repercussão. Com a passagem para o Estádio Universitário, a grande melhoria das equipas participantes, que integravam jogadores de topo mundial e a promoção do torneio catapultaram-no para um patamar de espetacularidade nunca antes atingido em Portugal. Os dois campos do EUL tiveram grandes assistências que presenciaram jogos de elevado nível. A principal preocupação era conseguir receitas para cobrir as despesas, o que nem sempre aconteceu e causou à organização algumas dores de cabeça.
Dirigiste tanta coisa, organizaste outras centenas de torneios e jogos, conviveste com uma série de gerações do rugby português… sentes-te completo a esse nível? Faltou fazer algo?
PSR. Quando nos empenhamos numa atividade ou tarefa como o desenvolvimento do rugby em Portugal acha-se sempre que se poderia ter feito mais. Foi muito reconfortante verificar que as estratégias traçadas em 1974/75, com forte enfase no alargamento da prática do jogo tiveram resultados francamente positivos e levaram à primeira fase de expansão do jogo.
Muitas coisas foram realizadas ao longo destes cerca de 50 anos mas muito mais se poderia ter feito. No aspeto organizativo há uma lacuna significativa. A governança da FPR está totalmente desajustada das necessidades atuais do rugby português e muito longe das melhores práticas seguidas noutras federações do mundo do rugby. Se bem que o regime jurídico das federações desportivas seja um espartilho á sua organização poder-se-ão adotar modelos mais eficazes.
Como vês o sucesso das nossas selecções de formação nos últimos anos? É um prenuncio que algo foi bem feito e que deveríamos voltar a insistir nas Academias de Alto Rendimento?
PSR. Nos últimos anos as nossa seleções mais jovens, Sub-18 e Sub-20, têm obtidos resultados de excelente nível não suficientemente divulgados e promovidos para além do mundo do rugby. Estes sucessos provam que a formação nos clubes é de bom nível e que as equipas técnicas que têm estruturado essas seleções têm tido a capacidade de constituir equipas competitivas e que têm dignificado o nosso rugby.
Se os resultados têm sido bons há apenas que melhorar continuamente o modelo seguido sendo as Academias de Alto Rendimento um elemento essencial nesse modelo.
Há algo que faz falta ao rugby português… uma História da modalidade em Portugal. Há no teu horizonte planos n esse sentido? E há assim tanta História para contar e relembrar?
PSR. Como, ao longo de cerca de 50 anos, tive uma intervenção continuada no rugby português, nos seus diversos aspetos, conservei um vasto conjunto de documentos que estou atualmente a tentar organizar e consolidar. João Fragoso Mendes já publicou um livro com a história dos primórdios do rugby em Portugal e se tiver tempo e saúde penso dar-lhe continuidade. Os portuguese não são muito bons a deixar registado as suas experiências mas eu tentarei deixar escritas as minhas vivências.
Falemos de alguns Tops do rugby português: melhor seleccionador? E treinador? E jogador? E dirigente? Já agora, árbitro também?
PSR. O rugby português teve, ao longo da sua história, vários responsáveis de nível elevado. Entre os nacionais João Paulo Bessa teve uma ação muito importante nos anos 90 mas falhou o apuramento para o campeonato do mundo de 1999, ao passo que Tomaz Morais o conseguiu com o apuramento de Portugal para o campeonato do mundo de 2007. Entre os estrangeiros Evan Crawford, que trouxe ao rugby português métodos de trabalho que lançaram as bases dos sucessos dos anos 2000.
É sempre difícil comparar jogadores de épocas diferentes e por isso citarei vários : Raul Martins, João Queimado, Bernardo Marques Pinto, Nuno Durão, Rohan Hoffmann, Miguel Portela Morais, Luís Pissarra, Vasco Uva em diferentes épocas tiveram desempenhos que os colocaram nos lugares cimeiros.
No que respeita a treinadores Vasco Pinto de Magalhães que, nos anos 60, contribuiu fortemente para uma evolução técnica do rugby português, João Paulo Bessa que transformou o Cascais numa equipa dominadora nos anos 90 e posteriormente Tomaz Morais que teve sucesso com as seleções de XV e Sevens.
No setor da arbitragem Luís Feist, o primeiro português a atingir a categoria de árbitro internacional, Jorge Mendes Silva que teve uma longa e prestigiada carreira internacional e na atualidade Paulo Duarte o melhor representante do rugby português na esfera internacional e o primeiro atingir o escalão de árbitro World Rugby.
Como dirigente sem duvida Raul Martins que na presidência da FPR tomou decisões corajosas e que teve larga participação nos organismos internacionais.
Achas que podemos fazer mais a nível escolar com a modalidade? Que ideias gostarias de ver a entrar em prática para tentar tornar o rugby um desporto nevrálgico no ensino básico e secundário?
PSR. As condições da esmagadora maioria das escolas primárias e secundárias não dispõem de instalações que possibilitem a prática de desportos coletivos de grandes espaços. Por isso o rugby sempre terá dificuldade de penetração nos sistema escolar. O Tag Rugby é um bom instrumento de iniciação pois pode ser praticado em pisos duros, mas apenas poderemos ter um penetração significativa com colaboração de proximidade entre escola e clube. É aí que deveremos centrar os nosso esforços. Mas para isso os clube precisam de ter meios humanos que possibilitem essa associação.
Uma pergunta final mais “quente”… a introdução de jogadores a jogar fora de Portugal na Selecção é fundamental para atingirmos outro patamar?
PSR. Sempre defendi a presença dos luso descendentes na seleção nacional e foi no inicio dos anos 2000 que a sua presença se intensificou. Todo e qualquer português que esteja disponível e tenha as capacidades requeridas, tem o direito de aspirar a representar o seu país. O nível competitivo do rugby em Portugal, pese embora os jovens que têm despontado, não nos permite aspirar a ir além do European Trophy.
Não tenhamos ilusões, para aspirar a um degrau mais alto é imprescindível a presença de jogadores que atuem a um nível competitivo mais elevado, designadamente nos campeonatos franceses. E os jogadores que atuam em Portugal têm que entender esta situação. A integração de jogadores habituados a níveis competitivos e de organização bem diferentes, num conjunto homogéneo não é fácil, e exige grande capacidade e discernimento às equipas dirigentes.
Perguntas de curiosidade: Melhor selecção que viste a jogar? E o melhor jogador de sempre na tua opinião?
PSR. O País de Gales dos anos 60, a Austrália de 1999 e a Nova Zelândia dos anos 2000.
Jogadores, o galês Garett Edwards, o irlandês Mike Gibson, nos anos 60, o francês Serge Blanco, o inglês John Wilkinson , Richie McCaw. e o maior de todos Jonah Lomu.
Pessoa com quem gostaste de trabalhar mais na Federação Portuguesa de Rugby?
PSR. Na minha primeira presidência nos anos 70 Vítor Dias, infelizmente já falecido, um dirigente que foi o responsável pelo lançamento dos convívios de rugby juvenil, iniciados nessa época e cujos princípios básicos do conceito se mantêm na atualidade.
Nos anos 2000 Pedro Lynce, na época o dirigente responsável pelas seleções nacionais, quer de XV quer de Sevens e que teve uma ação fundamental na sua reestruturação.
Mundial que mais gostaste de ver?
PSR. Tive o privilégio de poder estar presente em 5 campeonatos do mundo : 1991, 1999, 2007 ,2011 e 2015.
De todos os jogos a que assisti, sem duvida as extraordinárias meias finais de 1999 e os todos os jogos que presenciei em 2015.
O rugby em Portugal tem futuro? Sim ou Não?
PSR. Depende do que se considera futuro. Não tenho duvidas que continuará a desenvolver-se pois os homens e mulheres do rugby são perseverantes e sempre disponíveis para divulgar a sua modalidade que consideram ter fortes valores que devem ser disseminados. Se entendermos que futuro será atingir patamares competitivos que nos aproximem das maiores potências, nisso não acredito pois as histórias e as condições existente são de tal modo diferentes que não será no espaço de tempo de várias gerações que se irão aproximar.
Um pensamento que gostasses de partilhar com o restante público do rugby português?
PSR. Muito gostaria que a cultura desportiva em Portugal fosse mais abrangente e que se alargasse para além dos horizontes daquilo a que chamo “ a monocultura desportiva “ e que o rugby se afirmasse como uma das modalidades mais representativas. E que as e os amantes do rugby a considerassem sempre como a sua primeira prioridade desportiva.