Miguel Santos. “Queremos no MIL os melhores dos melhores.”
Durante a presente época, o Fair Play irá ao encontro das Associações Regionais, procurando falar com os respectivos representantes. O X Meeting Internacional de Lisboa serviu de pretexto para conversarmos com o Presidente da Associação de Natação de Lisboa, Miguel Santos
Miguel Santos, o seu mandato na presidência da ANL iniciou-se há pouco mais de um ano, quais são as principais linhas estratégicas deste mandato?
MS: Sem dúvida que a recuperação financeira da ANL, iniciada ainda no mandato anterior encabeçado pelo Carlos Fernandes, e do qual a maioria da presente equipa já fazia parte. Para isso foi traçada uma linha condutora relativamente à organização do calendário regional, na qualidade de organização de eventos, e na constante otimização dos recursos existentes, quer financeiros, materiais ou humanos. Um marco histórico desse percurso foi a aquisição do equipamento de cronometragem eletrónica, pois tratou-se de um investimento a médio-longo prazo, que ao mesmo tempo retirou uma enorme fatia do lado dos custos anuais. Atualmente temos o passivo para menos de 50%, não incluindo o valor em dívida do financiamento obtido para aquela aquisição, também esse já liquidado em mais de 50%. Naturalmente que a sustentabilidade deste percurso depende do desenvolvimento da modalidade, e para isso temos que ter em mente que o orçamento da ANL depende na sua maioria aos seus clubes, pois são estes que suportam a execução do quadro competitivo de cada época. Por outro lado, temos tentado procurar fontes de receitas alternativas, e o investimento no sistema de cronometragem também veio dar impulso nesse particular. Ainda falta muito por fazer no que concerne ao estreitamento de relações com várias câmaras municipais, para através de contratos programa apoiarem o fomento e desenvolvimento desportivo da natação.
Decorreu no passado fim-de-semana o X Meeting Internacional de Lisboa WOS, que balanço faz da edição deste ano?
MS: A continuação do sucesso. O MIL foi criado para ser um momento de excelência desportiva para a natação portuguesa, e gradualmente torná-lo atrativo às equipas internacionais. Quando iniciei o meu cargo de vice-presidente executivo no mandato anterior, tentei incutir uma postura de gestão empresarial, absolutamente necessária para o equilíbrio financeiro da instituição. Nessa altura incuti junto dos meus colegas de Direção que o MIL teria de crescer pelas razões certas, e sem as razões artificiais. Se pagarmos para virem nadar, então para que criámos o meeting? As razões certas são as desportivas e a capacidade de organizar um evento eficaz e capaz de ombrear com as grandes organizações internacionais. Gradualmente acho que fomos conseguindo, angariando apoios complementares e a edição deste ano foi mais um no percurso de sucesso. Sabemos para onde queremos levar o meeting, e o que temos de fazer para o otimizar como um grande evento de natação europeu. O resto, é trabalho, dedicação e atenção aos detalhes, porque são esses que fazem a diferença!
A edição deste ano atribuiu incentivos por desempenhos e não por presenças. Foi uma aposta ganha?
MS: Ainda é cedo para avaliar. A medida tem como objetivo incentivar a participação da excelência. Queremos no MIL os melhores dos melhores. E queremos incentivar os responsáveis que decidem a que competições se deslocam. Claro que é um incentivo monetário, mas que premeia quem vem dar resultados e visibilidade à competição. Este modelo é mais justo que outros porque o incentivo tanto é para os internacionais como para os clubes nacionais. Claro que poderemos “afinar” o modelo. Os atletas têm “Prize Money” pelos seus resultados, mas sem incentivo ao resultado excelente a não ser o proporcionado pela própria competição com outros nadadores de elite. Os clubes têm o custo da deslocação. Há que encontrar o equilíbrio correto. Mas achamos que o modelo tem pernas para andar e a prazo produzirá resultados.
E já se pensa no XI Meeting Internacional de Lisboa. Podemos esperar mais novidades para o próximo ano?
MS: Claro que já se pensa! Quer naquilo que queremos melhorar, quer no que temos de fazer para achar o equilíbrio certo entre número de participantes e a qualidade dos mesmos, por forma a não diminuir a qualidade geral do evento. Tivemos 660 participantes inscritos e depois dos 606 do ano de 2017 já temos experiência suficiente para saber até onde podemos ir, mas também, até onde devemos ir! O que são coisas completamente diferentes! Queremos muitos, mas queremos fundamentalmente qualidade. Tal como na organização em geral. Achamos que a parceria com a WOS é um sucesso, mas esta e a promoção da modalidade pelos mais variados canais de media ainda tem uma grande margem de progressão.
No próximo mês tem lugar o Nacional de Clubes da 1ª divisão. Na época passada, não só as duas equipas campeãs eram de Lisboa como das seis equipas que subiram ao pódio, 5 eram de Lisboa. A ANL atravessa um dos seus melhores períodos competitivos de sempre?
MS: Talvez não seja a melhor pessoa para responder a essa pergunta em concreto. Contudo, os factos falam por si! Se quisermos analisar com isenção e na ótica da modalidade, e por muito que esses números nos encham de orgulho, isso não é necessariamente uma coisa boa para a natação, se tal representar um decréscimo da qualidade da natação no resto do país. Mas como sabe, isso não se pode analisar dessa forma tão linear! Há muito trabalho de qualidade a ser feito por todo o país, e temos de trabalhar e incentivar a progressão dos outros que até aqui não progrediram com o mesmo nível. Acho que isso é um dos maiores desafios da própria Federação. Se olharmos de facto para o Nacional de Clubes, podemos interpretar que em Lisboa trabalha-se muito e bem. E gostaria de pensar que isso fará os outros tentarem acompanhar, porque será assim que a natação como modalidade desportiva continuará a progredir no caminho certo. Pelo menos na vertente desportiva, porque na vertente da sustentabilidade estou preocupado com os custos que os clubes e especialmente as famílias dos nadadores têm para suportar a participação em campeonatos nacionais, como por exemplo em deslocações às ilhas em duas épocas consecutivas. Apoio a realização de campeonatos nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mas com equilíbrio, porque está em causa a deslocação de 400 a 600 atletas e comitivas a custos não subsidiados como acontece no sentido inverso. Há que ter cuidado e respeito por quem realmente paga a maioria da fatia dos custos da modalidade!
(…) na vertente da sustentabilidade estou preocupado com os custos que os clubes e especialmente as famílias dos nadadores têm para suportar a participação em campeonatos nacionais, como por exemplo em deslocações às ilhas em duas épocas consecutivas.
A ANL está prestes a chegar aos 1000 filiados na natação pura. A qualidade dos nadadores de topo também se explica com a alargada base de recrutamento?
MS: Esse número não tem em consideração os cadetes, porque com esse já estamos perto dos 1400. Quanto à pergunta, isso é o “101” de qualquer desporto. Se queremos ter mais de boa qualidade temos sempre de alargar a base. Por esse mundo fora temos várias provas disso mesmo. A ANL poderá estar a “sofrer” desse fenómeno que se assiste nos últimos anos de um gradual aumento da base. Mas preocupa-nos que a taxa de abandono em juvenis e juniores é assustadoramente elevada em todo o país. O país tem de uma vez por todas criar uma política do desporto abrangente e integrante com todo o processo educativo. Enquanto mantivermos a estrutura desportiva (todas as modalidades) como algo à parte e só para alguns, como uma elite, e não como um todo dentro das escolas e das universidades, o país pode pedir atletas europeus, mundialistas, olímpicos, semi-finalistas, finalistas, medalhistas, etc, mas os casos que acontecem continuarão a ser do esforço e sacrifício de alguns, que continuarão a ser isolados e não o comum. Aliemos o desporto federado às escolas como parte do processo educativo desde o primeiro ano, criando uma cultura desportiva abrangente e ao fim de uma geração verão os efeitos a todos os níveis: aproveitamento escolar, jovens mais disciplinados e capazes de enfrentar os desafios da vida, uma atividade desportiva ativa e constante com uma base enorme que capta os prodígios e natos para as modalidades, e os sucessos desportivos serão garantidos com todo um enquadramento estruturado. É isso que os melhores exemplos por esse mundo fora nos mostram, é só olhar para eles!
Por outro lado, ter tantos nadadores em competição coloca vários desafios a quem organiza as provas?
MS: Sem dúvida. É um dos nossos maiores desafios encontrar o equilíbrio entre o número de atletas e a qualidade das provas que organizamos! Outro fator a acrescer é a qualidade dos equipamentos aquáticos a que temos acesso para organizar provas. Nem todos acomodam convenientemente quem participa e quem assiste, em geral os seus familiares. Encontrar formas de restringir a participação sem que isso ponha em causa o objetivo desportivo das provas, e mantê-las economicamente sustentáveis, é um desafio permanente, e que é diferente entre os escalões. Soluções milagrosas? Isso não há! É sermos criativos em algumas soluções e manter o elevado nível organizacional, tornando as provas eficientes a todos os níveis.
Se o número de filiados tem aumentado, na ANL tem diminuído o número de nadadores federados no Portugal a Nadar. Qual é a posição dos clubes de Lisboa em relação a este projecto?
MS: Não posso falar por todos os clubes porque é uma temática que infere de forma diversa dentro de cada instituição. Nesta Direção sabemos bem do porquê das dificuldades de penetração do projeto em estruturas grandes, sejam clubes ou autarquias. O custo é muito elevado se considerarmos o custo do seguro. Em Lisboa há entidades com ótimas soluções de seguro, muito mais económicas, em especial pelo volume de utentes que possuem. No futuro para o projeto ter mais implementação será necessário criar soluções no pacote que possibilitem a entrada no programa de entidades credíveis e impulsionadoras da qualidade, em especial para o processo de certificação de escolas. Isso deve ter um custo, mas não o atual. Costumo dizer que Lisboa é diferente, não porque queremos, mas porque simplesmente o é! A escala torna tudo diferente.
Lisboa será a capital europeia do desporto em 2021 e o Presidente da FPN já veio anunciar que é intenção da FPN trazer o Europeu de Piscina Curta desse ano para Lisboa. A concretizar-se, seria uma boa notícia para a ANL? Que impactos pode ter uma competição como esta na natação na região de Lisboa?
MS: Claro que sim e apoiamos integralmente tal candidatura. São poucos os eventos, à parte do Meeting Internacional de Lisboa, que seriam capazes de colocar a natação no roteiro da elite mundial, e deste projeto tão grandioso e ambicioso da Câmara Municipal de Lisboa. Seguramente que a cidade, a FPN e a ANL em conjunto querem e têm a capacidade para colocar de pé tão grande organização. CML e FPN podem contar com o nosso apoio. Em termos de impacto, provoca sempre desde que criadas as devidas sinergias de alavancagem para aproveitar a promoção que o evento proporciona. Se isso não for aproveitado, então só o turismo beneficiará!
Seguramente que a cidade, a FPN e a ANL em conjunto querem e têm a capacidade para colocar de pé tão grande organização.
E há mais eventos a serem preparados na natação tendo em vista celebrar a capital europeia do desporto?
MS: Estão programadas reuniões de trabalho para desenvolver as ideias e o plano até 2021. Pensamos que não é em 2021 que devemos fazer tudo, mas ir fazendo ao longo dos três anos por forma a criar um momentum de grandes eventos na cidade que irá galvanizar a população para o desporto, e para a natação.
No que diz respeito às outras disciplinas da natação, tivemos no final de 2017 a “José Freitas Águas Abertas”. Será uma prova que passará a integrar o calendário da ANL das Águas Abertas regularmente?
MS: Com toda a certeza. Dentro de muito pouco tempo será já divulgada a data da edição 2018. Temos várias ideias para as Águas Abertas, mas dada a estrutura humana e calendário competitivo extremamente exigente, queremos motivar outras entidades a dar o passo em frente, ainda que sempre com o nosso apoio e know-how. Achamos que Vila Franca de Xira e Seixal devem dar passos nesse sentido, porque possuem excelentes condições para organizações de águas abertas.
Na natação artística, Portugal esteve representado nos últimos Campeonatos do Mundo com três nadadoras de Lisboa que pela primeira vez ultrapassaram os 70 pontos numa competição internacional em ambos os duetos. É uma disciplina em crescimento na região de Lisboa?
MS: Se falarmos em qualidade, achamos que sim pelos resultados obtidos. Mas falando em números de atletas, infelizmente isso não revela sustentação de um percurso a médio-longo prazo para a modalidade! Isto deve-se a existirem poucos clubes com a modalidade, poucos técnicos qualificados na modalidade, por forma a desenvolvê-la a um passo mais acelerado. A ANL criou um evento inovador em Portugal chamado LisboaSyncro, que nos dois últimos anos infelizmente teve um retrocesso, muito motivado pela maior atividade federativa ao nível dos estágios das seleções. Não que isso seja uma coisa má, mas a sua programação e principalmente, constantes alterações, inviabilizaram o correto enquadramento técnico para continuarmos com o LisboaSyncro. Ainda não perdemos a esperança de o colocarmos em prática esta época, mas já tivemos uma alteração de calendário motivado pela alteração da programação dos estágios da seleção. Não temos assim tantas atletas na modalidade pelo que é natural querermos ter cá as melhores atletas.
Já em relação ao polo aquático, há alguns anos que uma equipa de Lisboa não se sagra campeã nacional da 1ª divisão. Está para breve o regresso aos títulos?
MS: Estamos convencidos que está para breve. Mas também aqui é necessária estabilidade e consensos nacionais, coisas que estão longe de serem alcançadas! Mas graças ao investimento e trabalho dos clubes de Lisboa, o trabalho de formação está a realizar-se, e apesar de não se assistir a um aumento digno de nota dos atletas federados na modalidade em Lisboa, não tem havido decréscimo como noutras zonas do país. E a perseverança e dedicação destes irão trazer os títulos. Infelizmente existem sempre alguns agentes desportivos que acham que manter o status quo faz progredir a modalidade. Nós achamos que a competição aberta, justa e com as regras bem definidas e estáveis é que faz todos os agentes quererem mais e melhor. É como vender um produto: se não for atrativo, com um manual de instruções entendíveis por todos e com resultados espectáveis para o que se destina, poucos irão comprar o produto!
Infelizmente existem sempre alguns agentes desportivos que acham que manter o status quo faz progredir a modalidade.
Na natação adaptada os nadadores lisboetas têm trazido medalhas internacionais. Tal como na natação pura, tem aumentado o número de filiados na adaptada?
MS: A natação adaptada sob a égide da FPN é bastante recente. Não existia um quadro competitivo regular anteriormente pelo que há que criar rotinas e objetivos para que o desenvolvimento aconteça com naturalidade. E é a isso que estamos a assistir, ainda que gradualmente. Estou convencido que ainda há um longo caminho a percorrer, mas que está traçado. Agora é esperar pelos resultados, pois com um trabalho estruturado não se pode esperar resultados de um ano para o outro. Leva tempo. Mas são os melhores porque têm consistência. Contudo já temos vários atletas de referência internacional e isso irá chamar cada vez mais nadadores portadores de deficiência para a modalidade.
Para terminar, a nossa pergunta do costume: Acha que há Fair Play na natação e, sobretudo, na natação lisboeta?
MS: De um modo geral sim. O ambiente na natação de um modo geral é bom e saudável. E quando não há, acho que se deve a momentos fracos de alguns agentes, levados pelas rivalidades clubistas, mas no fundo há respeito pelo adversário. Em especial entre os atletas. Claro que as realidades entre as disciplinas da natação são bem diferentes. Mas estou convencido que de um modo geral o Fair Play existe.