Francisco M. Borges. “A amizade e o sacrifício é o que nos une no Évora”
Francisco, tens recordação de quando começou esta brincadeira de jogar rugby todos os fins de semana?
Tenho sim! Sempre gostei de competição e a única coisa que não gostava no Rugby era, precisamente, não haver jogos todos os fins de semana nos escalões de formação. Por essa razão saí uns anos para o Futebol e mais tarde regressei.
Como era o Clube Rugby de Évora há 15 anos atrás? Foi sempre o teu objectivo ser uma das referências do clube?
Muito diferente, em todos os aspectos. Em termos de condições e infra-estruturas é onde as diferenças são mais visíveis. Não tínhamos campo próprio, os equipamentos passavam de escalão em escalão e aparecia um novo muito de vez em quando. O compromisso era maior, no geral os jogadores faziam mais sacrifícios, eram mais dedicados e colocavam o Rugby mais no topo da lista de prioridades.
Não faço nada para ser mediano. Adoro ganhar e odeio perder, quero ser o melhor em tudo o que faço, tudo! Trabalho, desporto, hobbies e até em casa, como filho, irmão e, brevemente, marido. Uma vez disseram-me “nunca vais ser perfeito, mas se trabalhares para o ser vais andar sempre muito mais perto!” Respondendo à pergunta, nunca pensei em sê-lo, mas sempre tive as minhas e se o sou para alguém, fico muito contente.
Considerado como um dos maiores talentos do emblema alentejano, tiveste sempre de aplicar-te ao máximo? Que conselhos darias a jogadores que têm caracteristicas técnicas de valor e estão quase a chegar aos séniores?
Honestamente, não. Sempre me apliquei ao máximo por princípio próprio mas, infelizmente, em clubes como o CRÉ não existe o rigor que deveria existir numa modalidade tão exigente, a níveis físicos e psicológicos. As equipas têm relativamente poucos jogadores, o que faz com que a competição interna por um lugar seja reduzida. Uma grande parte dos jogadores acaba por se acomodar, à titularidade ou ao banco. Acabam por ser os 6 ou 7 que se aplicam a fundo que garantem as boas exibições das equipas, nos diversos escalões, quando esses por alguma razão falham, os resultados refletem-se. O melhor conselho que posso dar é que tentem inverter a tendência! Desde os escalões de formação que me fogem títulos por este motivo. Temos jogadores brilhantes e muitos outros que o podem ser, mas não se comprometem. Comprometam-se! O compromisso faz parte da vida e está sempre na base do sucesso.
Achas que as pessoas dos maiores centros urbanos percebem os sacrifícios que atletas de cidadades mais pequenas fazem para ir treinar? Alguma vez pensaste em abdicar de jogar?
Não! Imaginam, mas quando não passamos pelas situações temos tendência a relativizá-las. Há muitos jogadores que num dia de chuva, vento e frio acabam por dar uma desculpa e não ir ao treino, imaginem o quanto isso nos passa pela cabeça quando temos metade da equipa em Lisboa e temos que nos reunir todos em hora de ponta, demorar mais de meia hora a passar a ponte e depois fazer mais uma hora de caminho. Depois, treinar nessas condições, voltar para Lisboa, parar para jantar uma bífana à pressa, voltar ao caminho e chegar a casa por volta da uma da manhã. Isto praticamente todas as semanas durante 7/8 meses.
O CR Évora é um clube com um potencial tremendo, tendo formado alguns jogadores de alto calibre nos últimos 15 anos. O que há de tão diferente em vocês?
A amizade e o sacrifício que nos une. Os jogadores da minha idade e alguns mais novos ainda fizeram grande parte da formação a treinar num campo pelado, dividido em meio campo para os séniores e a outra metade para dois ou três escalões. Todos os treinos tinham placagem e decorriam segundo a premissa “treina como jogas”. O processo de “selecção natural” encarregava-se de separar quem queria mesmo jogar Rugby dos outros. Estávamos todos para o mesmo, os nossos Pais são amigos, os treinadores são Pais de amigos ou amigos mais velhos, nos séniores até amigos que já jogaram connosco. Somos uma Família!
Como explicarias o espírito e motivação de ser um atleta do CRE?
Não há igual. O CRÉ nasceu no mesmo dia que eu, no mesmo ano, até aí estamos ligados. Só há outra instituição que me diga tanto como esta. Ser atleta do CRÉ é ter a responsabilidade de carregar uma História de grandes jogadores e ter a capacidade da fazer sacrifícios que muito poucos jogadores de Rugby fazem, porque a nossa direcção e equipas técnicas também os fazem. É ter a obrigação de por a Honra do Clube à frente das nossas lesões, se conseguimos entrar em campo, temos que entrar! As lesões passam, umas mais que outras, as derrotas, principalmente as morais, ficam para sempre. Ser jogador do CRÉ é ter um amor enorme a este clube, mais que à própria modalidade.
A certa altura da tua carreira desportiva chegaste a alinhar pela AEIS Agronomia… foi fácil a saída para lá? Tens boas recordações dessa altura?
Não foi difícil, precisava disso e fico muito contente por tê-lo feito. Evoluí como jogador, joguei com jogadores fora de série e fui treinado por excelentes treinadores. A saída da Agronomia sim, foi uma decisão difícil. Por um lado tinha um projecto muito atrativo a ser-me apresentado pelo CRÉ, por outro tinha uma oportunidade de uma vida na Agronomia noutro patamar do Rugby e com um projecto a nível pessoal muito, muito interessante. Falava com o Lois todos os dias (das grandes pessoas, dos melhores jogadores de Rugby que vi, um treinador de um nível fora do normal e um grande amigo que guardo desta passagem pela Agronomia), ele dizia tudo para me convencer e às tantas, com esse objectivo fez-me a seguinte pergunta “tu queres ser o melhor jogador do CRÉ mas nunca sair daquele nível ou ser um jogador de Seleção Nacional e apontar para objectivos mais altos?” Depois de muitas conversas, tive aqui a minha resposta. Eu queria jogar Rugby com os meus amigos de sempre e representar o meu clube do coração, chegava para mim! Claro que gostava de saber como seria se tivesse seguido o outro caminho, mas não me arrependo nada do que escolhi, foi o melhor ano de Rugby da minha vida!
Tiveste de crescer como jogador para lidares melhor com um clube da envergadura da Agronomia?
Sim, tive de me adaptar em alguns aspectos, principalmente quando comecei a ir aos séniores. Não estavam ali para brincar, não se ouvia um “piu” nos treinos, o tempo de treino era para treinar, no CRÉ, infelizmente, não é assim. Cresci muito como jogador e aprendi muito sobre Rugby, jogado e teórico.
Tanto no clube lisboeta como eborense, sempre foste visto como um fantasista com a bola na mão e um placador nato… são caracteristicas tuas desde sempre? Qual preferes?
Sempre gostei muito de ter bola e sempre gostei muito de defender, gosto de contacto mas também gosto muito da arte de lhe escapar. Diria que a minha preferência depende das fases do jogo e da posíção onde estou a jogar, pela tendência gosto mais de atacar, porque naturalmente a equipa está numa situação mais favorável.
Como consegues conjugar o teu tempo no rugby e o teu serviço nos Forcados de Montemor? Qual é a exigência fisica de estares nos dois “mundos”?
Com vontade conseguimos tudo. Nunca perdi um ano na escola, fiz uma licenciatura e um mestrado no tempo certo e sempre consegui conciliar o Rugby e os Forcados. São dois mundos de muito compromisso e com valores muito idênticos, o truque é tê-los sempre bem presentes, se o fizermos conseguimos conjugar tudo. São basicamente 12 meses sobre 12, há 14 anos, “debaixo de fogo”. Fisicamente é muito exigente, não há pré-épocas, não há tempo para recuperar lesões, o importante é estar a sempre disponível para o colectivo que representamos. Para isso é fundamental a preparação física e os bons hábitos, não para ter um corpo de praia, mas para que consiga recuperar sempre rapidamente.
Chegaste a jogar pela selecção nacional sub-20… gostavas de voltar lá agora enquanto sénior? Vês-te a jogar rugby mais alguns anos?
Não é uma prioridade, se fosse chamado claro que teria orgulho em representar novamente o meu País, mas não é uma coisa em que pense. Sim, vejo. Não faço planos a longo prazo, na fase em que estou da minha vida é uma modalidade que exige que pense época a época.
Como é estar num balneário com o Manuel Murteira e José Leal da Costa? Qual dos dois é o mais rezingão?
É muito bom partilhar o balneário com amigos que fizeram parte da minha formação, com quem joguei em Lisboa e agora voltar a representar o nosso Clube. Rezingão é o nome do meio do Manuel Murteira!
Perguntas mais rápidas: melhor abertura/defesa na tua opinião do CRE, português e internacional?
CRÉ: Francisco Murteira/ Francisco Sepúlveda, Português: Duarte Cardoso Pinto/ Nuno Sousa Guedes, Internacional: Jonny Wilkinson/Jason Robinson (Gosto dos clássicos e daqueles com que mais me identifico).
Quem tinha/tem melhor finta… tu, o João P. Oliveira ou Manuel Murteira?
A visão de jogo do João P. Oliveira e a qualidade do passe permite-lhe que não precise de fintar, a velocidade do Manuel Murteira permite-lhe que contorne os adversários e não precise de os fintar, o meu estilo de jogo é mais entrar no um para um e tentar desequilibrar por aí, por isso diria que sou eu.
Preferias tentar fintar o António Fonseca ou placar o Duarte Leal da Costa?
Em espaço curto placar o Duarte, em campo aberto fintar o António.
Três palavras que definam o que é ser um jogador do CR Évora?
Compromisso, Amizade, Sacrifício.
Equipa ou selecção que gostarias de jogar?
Clube de Rugby de Évora.
Queres deixar umas palavras para os teus amigos do CRE, colegas, membros da equipa técnica e adeptos?
Vamos levantar o raio da tábua! O Clube merece isso, façam um esforço. Atletas: apareçam aos treinos e assumam o compromisso, lembrem-se daqueles que estão lá sempre. Adeptos: venham aos jogos, fazem muita falta! Equipa técnica: Obrigado!
Um dos três ensaios de Francisco Maria Borges numa das maiores vitórias do CR Évora no CN1 (1:07)