Sébastien Bertrank. “Queremos ter alegria a jogar!”
O novo seleccionador nacional de Portugal, Sébastien Bertrank, chega a território nacional não só para trabalhar com os “Lobos”, mas para ajudar a optimizar processos, encontrar soluções e procurar ajudar a construir novas pontes para a bola oval lusa.
Estivemos numa conversa longa, mas muito produtiva e que podem ler na íntegra no Fair Play, sendo que no Planet Rugby sairá ainda mais completa.
Sébastien Bertrank, consegue dizer-nos um elemento do rugby que para si é fundamental para ter sucesso?
SB. “Alegria… Alegria… e Alegria! Jogar com alegria é algo que eu estimo e valorizo muito, e se não tivermos isso em conta, nunca conseguiremos atingir um patamar elevado ou, mais importante de tudo, sermos felizes. Portugal joga de uma forma tão alegre e divertida, e acho importante mantermos esse rumo e ideia, porque foi isso que elevou a equipa para um patamar superior!”.
Para além desse elemento da ‘alegria’, consegue dizer-nos mais dois factores importantes para si?
SB. “Sermos um colectivo uno e que pensa primeiro em si como uma equipa, e queremos ser felizes. Sei que as estatísticas individuais são importantes e têm feito barulho, mas o rugby é um jogo de equipa e que o grupo está primeiro. Se a equipa não brilhar, como é que um atleta individualmente vai se sobressair? E se não formos atrás da felicidade e ambicionarmos querer nos sentir bem, é impossível o grupo funcionar com a devia qualidade.”
Estava a dizer-nos que Portugal é uma equipa alegre e que subiu de patamar por causa disso. O que achou dos “Lobos” no Mundial?
SB. “Vivi eletrificado todos os jogos. No último encontro, que vi com a minha família, estava aos saltos com a minha mulher e filho porque bem, como é possível ficar quieto e sentado quando o Jerónimo Portela fez aquele chuto? Ou quando o Raffaele Storti foge e faz aquele passe? Portugal joga um jogo entusiasmante, apaixonado, intenso e emotivo. Há algo importante de referir no DNA dos “Lobos” e do rugby português que é a forma como se adaptam às circunstâncias e conseguem encontrar soluções. Há poucas culturas ou países, desportivamente falando, que têm esta capacidade e é algo que me apercebi há muito tempo.”.
Já conhecia Portugal, então?
SB. “Sim, até porque venho cá de férias de tempos em tempos e apaixonei-me desde cedo pelo país. A primeira vez foi em jovem. Um amigo meu deu um ‘empurrão’ após bebermos uma Super Bock e Sagres num bar em Brive. Metemo-nos no carro e guiámos horas a fio até chegarmos a este belo país à beira do oceano Atlântico. Desde então tenho vindo cá. As pessoas sorriem muito aqui, fazem-me lembrar as pessoas do Quebéc, onde estive a trabalhar seis meses. Chegamos ao aeroporto de Lisboa e quando se fala com alguém de cá, é logo um sorriso enorme e boa disposição. Alegria, como eu dizia!”.
Olhando para isso, qual vai ser a sua função com o rugby português? Vai mergulhar mais fundo para além dos “Lobos”?
SB. “Sim, o meu objectivo é ajudar a optimizar processos quer nos “Lobos”, escalões de formação, Lusitanos e, aquilo que acho o mais importante, clubes. Quero visitá-los, perceber como funcionam, quem está envolvido, como ajudar e quais as necessidades imediatas. É importante que tentemos procurar pontes para desenvolver a modalidade cá. Não podemos estar a dar o salto logo para o profissionalismo sem termos uma base definida e uma estrutura sólida, que vai muito para além da Federação ou da selecção nacional. É importante que todos percebam que este Mundial terá um impacto enorme no futuro próximo de Portugal. Vamos ter um aumento de atletas, e é preciso que os clubes e a comunidade tenha calma em querer aceitar todos. Não estou a dizer que não devem aceitarem novos atletas, digo que é importante perceber quais os limites exequíveis dos clubes. Não queremos estar a aceitar novos atletas e depois não oferecer as melhores condições. Queremos oferecer uma experiência extremamente positiva e que permita criar um sentimento ainda mais forte para com o rugby português. Importante fazer este trabalho de análise para percebermos onde e como trabalhar, o que desenvolver e quais os timings certos.”.
Qual é que acha que vai ser o maior desafio para o rugby nacional nos próximos dois anos?
SB. “A euforia. Agora estamos num momento alto, em que todos os olhos estão colocados em nós, e teremos de saber lidar com isso e dosear. Não queremos que seja uma montanha-russa de emoções e atenção, porque isso foi o que aconteceu no passado e não funcionou. Precisamos de estabilidade, unir-nos e ajudar a crescer de forma uniformizada.”.
Já agora… quem é Sébastien Bertrank? E porquê o rugby?
SB. “Bem, sou um apaixonado pela modalidade. Sempre fui, desde pequenino! O meu pai não era fã de rugby, mas era louco por Auvergne, uma cidade que sempre foi intimamente ligada à modalidade. Lembro-me de andar pelo café-restaurante dos meus pais e ouvir as pessoas a falarem de rugby. Em 1978, quando o AS Monferrand atingiu a final do Campeonato de França, lembro-me da cidade parar por completo para acompanhar esse momento. Foi nesse momento que Sébastien Bertrank quis jogar rugby. Depois cresci, passei pelos escalões internacionais jovens da França, incluído o militar, e acabei por parar cedo de jogar por razões pessoas. Seguiu-se uma licenciatura e especialização no treino e a partir daí fui passando por diversos sítios, acumulando experiência e conhecimento. Desde as selecções jovens da França, à selecção feminina, a clubes profissionais, a escolas de formação, estive envolvido em diferentes projectos e programas. Nos últimos anos dediquei-me a formar treinadores sob a chancela do Ministério do Desporto francês, estando sediado em Montpellier.”.
Mas há alguma razão pela qual continua tão fascinado pelo rugby?
SB. “Há. Andar para a frente. É o único desporto do Mundo em que estamos obrigados a andar para a frente para conseguir chegar a algum lado. É a regra do jogo. Se cairmos, seremos ajudados por um colega de equipa que está ali para nos amparar… se corrermos e tivermos a cabeça na equipa, vamos passar a bola e ajudar a chegar a algum lado melhor. É como a vida. Para mim, é simples. É um desporto que não descrimina ninguém, aceita todos e tem o mesmo carinho para oferecer.”.
Falando noutro tema… qual é a mensagem que tem para a diáspora portuguesa em França?
SB. “A mesma que tenho para todas as outras, e que é importante tê-las em grande consideração porque são parte deste país. Eu conheço vários portugueses-franceses, como é o caso do Julien Bardy, e sei como eles pensam, sentem e vivem Portugal. Amam profundamente tudo o que tem a ver com este país. Temos de continuar a estabelecer estas ligações, optimizar as relações e manter os canais abertos porque eles são uma parte importante de Portugal. Queremos ter estas comunidades connosco e prontas para o desafio.”.
Regressando ao assunto dos clubes e formação… da sua vasta experiência, o que retira que é importante para o futuro?
SB. “Que os miúdos aprendam a se divertir. Na formação de novos treinadores vi algumas coisas que me preocupam, como o facto de uma parte perder mais tempo a falar e a explicar do que permitir que as crianças joguem e se apeguem à bola. Nós queremos que haja regras, claro, mas se passam a maior parte do tempo a ouvir e parados, que experiência é que estamos a lhes oferecer? Temos de ter este cuidado.”
E em relação à Nations League e o fechar do rugby em 12 selecções até 2032?
SB. “Eu ainda não tive tempo de ler sobre isso [a entrevista foi realizada no mesmo dia do anúncio oficial da World Rugby], mas acho perigoso o rugby continuar a fechar barreiras. Repara… a federação inglesa está com problemas financeiros; a australiana, melhor nem falar; a galesa está também a mãos com problemas eternos massivos; e mesmo em França, se alguns dos investidores tiram o seu apoio, pode cair parte da estrutura. Quando eles caírem, Portugal cá estará para tomar o seu lugar [risos]. Mas é um assunto que quero estudar bem primeiro, antes de formar uma opinião mais forte a favor ou contra.”.
Já aprendeu alguma palavra portuguesa?
SB. “Oh sim! ABRAÇO! É uma boa forma de despedir de alguém. Também já sei dizer outras coisas, algumas que não posso partilhar, mas gosto muito da língua e pelo menos já sei dizer a um grupo de avançados para irem ao ruck!”