Lucas Pacheco continua com a análise ao que se passa na NCAA, mais concretamente com a liga de basquetebol universitário feminino
Lucas Pacheco continua com a análise ao que se passa na NCAA, mais concretamente com a liga de basquetebol universitário feminino
Com quase dez jogos disputados por universidade, algumas considerações já podem ser tecidas desta NCAA. O equilíbrio deve ser a tônica da temporada universitária, diferente de anos anteriores, com claros candidatos ao título nacional. A atual campeã South Carolina começou o ano como equipe a ser batida, na primeira posição de todos os rankings; bastaram seis partidas para a invencibilidade, herdada da campanha passada, ser destroçada.
A derrota por 62 x 77 para UCLA demonstrou, enfim, a falta de uma protagonista no time, capaz de gerar gravidade e atenção da defesa. Sem a pivô Kamilla, o profundo elenco não compensou a ausência de uma jogadora dominante ofensiva. UCLA se impôs durante os 40 min, com a pivô Lauren Betts exercendo o papel que faltou em South Carolina.
O sinal de alerta para as atuais campeãs da NCAA não diminui seu potencial e favoritismo a atingir o Final Four. Dawn Staley ainda não encontrara sua rotação, as calouras ainda tímidas e as demais buscanco o novo balanço de papéis. Já para UCLA o resultado joga luz para um programa capaz de adicionar excelentes peças no portal de transferência a um núcleo já forte. Betts ganhou mais variedade ao seu redor para disputar um inédito Final Four; contra South Carolina, a técnica Cori Close trouxe uma formação alta (Timea Gardiner e Angela Dugalic), que não perde em arremesso externo. Deu certo: o time dominou do início e fim.
A segunda grande favorita ao título da NCAA nas previsões de pré-temporada, capitaneada por uma das favoritas à jogadora do ano, também foi derrotada logo na parte inicial da tabela. A USC de JuJu Watkins não aguentou o ritmo das amadoras de Notre Dame e perdeu por 64 x 71; a dupla com Kiki Iriafen, transferida de Stanford e cotada para a loteria do draft vindouro, não se encaixou, assim como a ausência de uma armação segura pesou. JuJu precisa melhorar a eficiência, bem como a parceria com a outra estrela do elenco.
Notre Dame, tal qual UCLA, subiu nas projeções graças à vitória. Esperava-se que a dupla Hannah Hidalgo e Olivia Miles demorasse um tempo a se entrosar, expectativa que elas logo frustraram. A melhor passadora e um dos maiores QI de basquete uniu-se como água à defensora explosiva e fogosa na condução da equipe; contra USC, porém, sem a defesa impressionante de Sonia Citron sobre JuJu Watkins, o resultado poderia ser outro.
A defesa chamou atenção, vez que a universidade abandonara a tradicional a defesa zona (2-3, ou 1-losango) por uma individual sem muita troca. Niele Ivey mostrou sua genialidade com o movimento: ao liberar Hidalgo para flutuar, ela utiliza princípios de zona em um esquema primordialmente individual. A sequência da tabela tratou de esfriar o entusiasmo; as derrotas seguidas para TCU e Utah expuseram algumas fraquezas de sua defesa individual.
Particularmente a dupla Hailey Van Lith e Sedona Prince, de TCU, causou estragos no pick and roll envolvendo a (ainda lenta) pivô caloura de Notre Dame, a ucraniana Kate Koval. Sem intensidade, o time sofreu a virada no quarto final basicamente a base do pick and roll adversário.
A rotação curtíssima de Ivey, com apenas 6 jogadoras, pesou na sequência de jogos. Contusões têm seu peso, mas a técnica precisará ampliar o uso do elenco. Já TCU, com a surpreendente vitória, recolocou a combo guard Van Lith no radar do draft. Após levar Louisville ao Final Four em 2022, sua transferência para LSU mostrou-se um fracasso total, expondo suas fraquezas dentro de quadra. A ida para TCU, agora, devolve o ânimo sobre a jogadora: contra ND, ela brilhou como armadora principal, com a bola na mão (mais aos moldes de seus tempos de LSU), porém puxando e conduzindo pick and roll (diferente de LSU). Some ao talento em atuar como offball em Louisville e, com um pouco de impacto defensivo, ela se recoloca para a vitrine da WNBA.
Van Lith puxa consigo outra esquecida, a pivô Sedona Prince, outra com três transferências no currículo. O impressionante duplo-duplo de 20 pontos e 20 rebotes contra Notre Dame mostraram que ela protege o aro e pode pontuar em espaço, usando sua mobilidade para alguém tão alta.
Na partida seguinte de um calendário fortíssimo da NCAA, Notre Dame voltou à sua defesa zona no duelo contra outro favorito ao título, Texas. Times de Vic Schafer jogam com ritmo mais cadenciado, explorando o poste baixo e com armadoras que dominam a bola; a zona de Ivey desta vez surtiu efeito e devolveu a intensidade perdida nos jogos anteriores.
Ainda assim, a universidade de Indiana precisou da prorrogação para sacramentar a vitória nesta NCAA. Texas manteve-se competitivo, falhando principalmente no ataque nos 5 minutos adicionais. Madison Booker foi a cestinha de Texas – olho nela, mais esguia em relação ao ano passado e agora jogando em sua verdadeira posição. A montanha russa atravessada por Notre Dame trouxe mais estratégias ao pacote do time, capaz de vencer o título nacional. Para Texas, certa variação seria benéfica – e claramente o principal reforço, a ala Laila Phelia, ainda não se encontrou no esquema tático.
Muita coisa para acontecer, muitas equipes para manter no radar. O texto mal chegou ao fim e surge no horizonte uma continuação. Uconn invicto, as renovadas e jovens Louisville e Kentucky, o todo ataque Oklahoma, a drástica mudança(para melhor!) de Duke, uma LSU sem Angel Reese, Iowa pós Caitlin Clark: a temporada universitária já trouxe bastante assunto. Urge a parte 2 – aguardem as cenas do próximo capítulo.
Lucas Pacheco explica-te o que há de novo com a Euroliga, com a mudança da fase-de-grupos a merecer uma atenção especial
Lucas Pacheco passa em revista o que se passou no Mundial sub-17 que terminou com nova conquista dos Estados Unidos da América
E o que segue para a bola laranja do Brasil? Lucas Pacheco faz um balanço do basquete feminino brasileiro e o que se segue em 2025
O Grupo A da Euroliga feminina está quente, com vários destaques e bons jogos que Lucas Pacheco analisa ao pormenor neste artigo
O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título da WNBA (sem contar a Comissioner’s Cup de 2023) após uma espera de 28 anos. Nada mais significativo para a liga, vez que o Liberty era a última das três únicas franquias originais (além de Los Angeles Sparks e Phoenix Mercury) a se manter em atividade, nem trocar de cidade, sem obter o troféu. A seca acabou e a cidade vê-se livre de uma sina nada auspiciosa para a franquia.
Após o boom inicial, nos anos finais dos anos 90, a liga viveu anos de queda na audiência e pouca valorização. Muitas trocas de cidade, franquias acabando, baixo investimento e um retorno financeiro pouco confiável, processo que começou a ser revertido a partir de 2020. O ‘ano da bolha’ engajou as jogadoras como nunca, mais ativas nas negociações e no planejamento da liga. O Liberty seguiu essa macro-tendência e após os vices em 1997, 1999, 2000 (derrotas para o mesmo adversário, o Houston Comets) e 2002 (perdeu para o Sparks), a franquia histórica passou por décadas de baixa.
O ostracismo coincidiu com o desleixo com que a franquia era gerenciada; a equipe chegou a ser deslocada para um ginásio minúsculo e mal localizado, onde jogou por duas temporadas. Mesmo contratações importantes, como a contratação de Tina Charles, ficavam isoladas em um mar de mediocridade, razão pela qual uma nova final foi atingida somente em 2023 – mas muita coisa havia mudado.
Fizeram um carro alegórico apenas para as lendas do New York Liberty. Isso é o que eu chamo de reconhecer o seu passado e respeitar quem fez parte dele! 🗽🤍
pic.twitter.com/NgIib3MZIg— NY Liberty Brasil (@nylibertybr) October 24, 2024
A franquia começou sua reconstrução em 2019, partindo do zero. Os novos donos (o casal Tsai) trocou tudo, desde o GM, passando pelo comando técnico, até chegar ao elenco. Em 2020, por exemplo, pela primeira vez o Liberty teve a escolha número 1 do draft, quando recrutaram Sabrina Ionescu, peça chave no título de 2024. Naquele ano, porém, com um time extremamente jovem, formado por jogadoras do draft, com pouca experiência, a campanha naufragou.
Gradativamente, a franquia foi se recolocando como contender, a partir de movimentos originados pelos donos de valorizar e investir na equipe. O time passou a sediar seus jogos no Barclay’s Center, construiu um centro de treinamentos, divulgou pesadamente e, na intertemporada entre 2022 e 2023, atraiu três jogadoras de primeira prateleira da WNBA: a pivô Jonquel Jones (MVP em 2021), a ala-pivô Breanna Stewart (1x MVP e bi-campeã) e a armadora Courtney Vandersloot (campeã em 2021). Elas se juntaram à ala-armadora Ionescu e à ala Betnijah Laney para formar um quinteto logo intitulado de ‘supertime’.
Para comandar o barco, nada menos que Sandy Brondello, campeã pelo Mercury e responsável por montar times competitivos anos após ano. Estava formada a espinha dorsal do elenco campeão. No primeiro ano juntas, a derrota na final (5ª derrota em final) para o Las Vegas Aces, o outro ‘supertime’ da liga, deixou marcas. O time precisaria melhorar ainda mais para atingir seu objetivo último. Veio a intertemporada, preparatória para 2024, e a direção trabalhou incansavelmente, buscando peças pontuais para bater seu arqui-rival Aces.
Curioso que Aces e Liberty representam os dois lados da mesma moeda; ambas franquias, com donos novos, se revitalizaram e ampliaram os investimentos. Por mais que tenham montado verdadeiros esquadrões, repletos de estrelas, ambos só conquistaram seu troféus devido às jogadoras coadjuvantes. Sem coletivo afiado, sem plano e estratégia tática, sem reservas capazes, não se conquista título na WNBA – demonstrando os limites da narrativa dos ‘supertimes’. Em uma liga pequena, de apenas 12 equipes, com tamanho talento, sempre houve esquadrões.
HOLY COURTNEY WILLIAMS pic.twitter.com/JYKu6P2L02
— CJ Fogler 🫡 (@cjzero) October 11, 2024
Quando a engrenagem começa a rodar, tudo se ajusta. NY já havia assegurado a chegada da ala alemã Leonie Fiebich (como moeda de troca em uma negociação) e convenceu-a a estrear na liga. Com uma ala desse quilate disponível, vinda de MVP na liga espanhola, estreia olímpica para seu país e um quase-MVP na Euroliga, Sandy Brondello fez a mudança crucial nos playoffs: sacou Vandersloot do quinteto titular e inseriu Fiebich, entregando a armação para Ionescu.
O ajuste repercutiu como raras vezes na liga: Brondello desmontou a dupla Ionescu/Sloot, maior vulnerabilidade defensiva de sua equipe no vice de 2023, deu liberdade para Ionescu comandar o show e abusar de suas infiltrações e inseriu uma verdadeira sniper no quinteto titular. Não à toa, a alemã assinalou estatísticas históricas (plus/minus essenciais para a vitória na semi sobre o Aces, além do aproveitamento bizarramente bom nas bolas de três pontos), acrescentando ainda a melhor defensora de perímetro do elenco, capaz de defender qualquer posição.
SABRINA IONESCU WITH THE DAGGER! 🗡️
She gives Sandy Brondello's New York Liberty a 2-1 lead heading into game 4 of the WNBA Finals! 🗽
WHAT. A. SHOT. 🤩
Get your WNBA action right here on ESPN! 🏀 pic.twitter.com/SHLOiIxW7g
— ESPN Australia & NZ (@ESPNAusNZ) October 17, 2024
Com tudo encaixado, a final (6ª da franquia de Nova Iorque) foi o momento de brilho de Brondello. A série contra o Minnesota Lynx (maravilhosamente descrita em New York Liberty: O grande campeão de 2024 da WNBA) entrou para a história, pelo equilíbrio nunca antes visto na história da liga. O desfecho veio somente na prorrogação do jogo desempate! Aqui, precisamos elogiar o tradicionalíssimo Minnesota: sem tantas estrelas individuais, a equipe de Cheryl Reeve apostou em um jogo coletivo e altruísta, construído em volta do talento indescritível de Napheesa Collier. A ala-pivô era cercada de jogadoras ágeis; uma das melhores defesas da temporada, com cobertura e comunicação acima da média, pareado por um ataque espaçado, com abuso de pick-and-roll.
Se o jogo 1, vencido pelo Lynx nos instantes finais, teve as digitais de Reeve, que apostou na formação baixa (small ball), Brondello deu o troco nas partidas seguintes. O duelo tático das técnicas foi um capítulo a parte na temporada, Reeve e Brondello seguiram ajustando durante a série: a técnica do Liberty praticamente obrigou a saída de Myisha Hines-Allen da rotação do Lynx ao torná-la uma nulidade ofensiva, liberando Breanna para cobrir o restante da quadra. No jogo 3, após um primeiro tempo fraco, Brondello simplificou o jogo e deixou a ala-pivô Breanna Stewart como principal condutora de bola e iniciadora do ataque (Ionescu estava mal até os minutos finais, quando acionou seu modo clutch).
A cereja do bolo veio no jogo 5, quando novamente o Liberty estava atrás do placar e sem poder de reação. Brondello partiu então, em um movimento arriscado, para o tudo ou nada, apostando em uma formação inédita nos playoffs, um big ball que vai na contramão da cartilha atual do basquete. Deu certo: com apenas uma “pequena” e 4 “altas”, o time voltou a ser competitivo, se recolocando na partida. Nyara Sabally (draftada em 2022) e Kayla Thonton (contratada como moeda de troca) mudaram o jogo, aliado ao evidente cansaço do Lynx (com menos peças a disposição). A formação escondeu as péssimas sequências de arremesso das suas protagonistas (Breanna com 9/36 e Ionescu, 6/34 combinados os dois jogos finais da série) e demonstrou, uma vez mais, o trabalho coletivo de New York.
Outros fatores influíram na série, como a contusão de Allana Smith no jogo 3, ou decisões questionáveis da arbitragem. Tampouco ajudou a péssima atuação de Courtney Williams na última partida, ou o calendário apertadíssimo das finais (série final esprimida em míseros 10 dias, impactando na condição física das atletas) mas nada apaga o trabalho formidável do Liberty, cujo título foi mais que merecido.
Antes de pensarmos nos próximos passos da liga, louvemos e exaltemos o indiscutível campeão. O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título e a hora é toda de comemoração. A liga e uma de suas poucas franquias originais fecham um ciclo, com promessas de mais crescimento para os próximos anos. Por ora, deixemos a mascota Ellie ditar as regras e colocar todo mundo para dançar ao ritmo da Big Apple.
In the final Ellie Stomp of 2024, Lil Mama crashes the party and performed her 2008 smash “Lip Gloss” alongside Ellie the Elephant and her dancers. pic.twitter.com/zWWjK6bFYB
— Jackie Powell (she/her) (@ClassicJpow) October 25, 2024
Lucas Pacheco escolhe as atletas mais jovens em grande destaque neste arranque da Euroliga 2024, com algumas surpresas à mistura
A ausência da comunidade brasileira do twitter foi sentida e Lucas Pacheco explica a importância na rede no basquete feminino
Lucas Pacheco traça os caminhos até à Euroliga 2024/25 e os destaques principais deste arranque da maior competição europeia de basquetebol