Lucas Pacheco, Author at Fair Play

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Lucas PachecoDezembro 8, 20246min0

Com quase dez jogos disputados por universidade, algumas considerações já podem ser tecidas desta NCAA. O equilíbrio deve ser a tônica da temporada universitária, diferente de anos anteriores, com claros candidatos ao título nacional. A atual campeã South Carolina começou o ano como equipe a ser batida, na primeira posição de todos os rankings; bastaram seis partidas para a invencibilidade, herdada da campanha passada, ser destroçada. 

A derrota por 62 x 77 para UCLA demonstrou, enfim, a falta de uma protagonista no time, capaz de gerar gravidade e atenção da defesa. Sem a pivô Kamilla, o profundo elenco não compensou a ausência de uma jogadora dominante ofensiva. UCLA se impôs durante os 40 min, com a pivô Lauren Betts exercendo o papel que faltou em South Carolina.

O sinal de alerta para as atuais campeãs da NCAA não diminui seu potencial e favoritismo a atingir o Final Four. Dawn Staley ainda não encontrara sua rotação, as calouras ainda tímidas e as demais buscanco o novo balanço de papéis. Já para UCLA o resultado joga luz para um programa capaz de adicionar excelentes peças no portal de transferência a um núcleo já forte. Betts ganhou mais variedade ao seu redor para disputar um inédito Final Four; contra South Carolina, a técnica Cori Close trouxe uma formação alta (Timea Gardiner e Angela Dugalic), que não perde em arremesso externo. Deu certo: o time dominou do início e fim.

A segunda grande favorita ao título da NCAA nas previsões de pré-temporada, capitaneada por uma das favoritas à jogadora do ano, também foi derrotada logo na parte inicial da tabela. A USC de JuJu Watkins não aguentou o ritmo das amadoras de Notre Dame e perdeu por 64 x 71; a dupla com Kiki Iriafen, transferida de Stanford e cotada para a loteria do draft vindouro, não se encaixou, assim como a ausência de uma armação segura pesou. JuJu precisa melhorar a eficiência, bem como a parceria com a outra estrela do elenco.

Notre Dame, tal qual UCLA, subiu nas projeções graças à vitória. Esperava-se que a dupla Hannah Hidalgo e Olivia Miles demorasse um tempo a se entrosar, expectativa que elas logo frustraram. A melhor passadora e um dos maiores QI de basquete uniu-se como água à defensora explosiva e fogosa na condução da equipe; contra USC, porém, sem a defesa impressionante de Sonia Citron sobre JuJu Watkins, o resultado poderia ser outro.

A defesa chamou atenção, vez que a universidade abandonara a tradicional a defesa zona (2-3, ou 1-losango) por uma individual sem muita troca. Niele Ivey mostrou sua genialidade com o movimento: ao liberar Hidalgo para flutuar, ela utiliza princípios de zona em um esquema primordialmente individual. A sequência da tabela tratou de esfriar o entusiasmo; as derrotas seguidas para TCU e Utah expuseram algumas fraquezas de sua defesa individual.

Particularmente a dupla Hailey Van Lith e Sedona Prince, de TCU, causou estragos no pick and roll envolvendo a (ainda lenta) pivô caloura de Notre Dame, a ucraniana Kate Koval. Sem intensidade, o time sofreu a virada no quarto final basicamente a base do pick and roll adversário.

A rotação curtíssima de Ivey, com apenas 6 jogadoras, pesou na sequência de jogos. Contusões têm seu peso, mas a técnica precisará ampliar o uso do elenco. Já TCU, com a surpreendente vitória, recolocou a combo guard Van Lith no radar do draft. Após levar Louisville ao Final Four em 2022, sua transferência para LSU mostrou-se um fracasso total, expondo suas fraquezas dentro de quadra. A ida para TCU, agora, devolve o ânimo sobre a jogadora: contra ND, ela brilhou como armadora principal, com a bola na mão (mais aos moldes de seus tempos de LSU), porém puxando e conduzindo pick and roll (diferente de LSU). Some ao talento em atuar como offball em Louisville e, com um pouco de impacto defensivo, ela se recoloca para a vitrine da WNBA.

Van Lith puxa consigo outra esquecida, a pivô Sedona Prince, outra com três transferências no currículo. O impressionante duplo-duplo de 20 pontos e 20 rebotes contra Notre Dame mostraram que ela protege o aro e pode pontuar em espaço, usando sua mobilidade para alguém tão alta.

Na partida seguinte de um calendário fortíssimo da NCAA, Notre Dame voltou à sua defesa zona no duelo contra outro favorito ao título, Texas. Times de Vic Schafer jogam com ritmo mais cadenciado, explorando o poste baixo e com armadoras que dominam a bola; a zona de Ivey desta vez surtiu efeito e devolveu a intensidade perdida nos jogos anteriores.

Ainda assim, a universidade de Indiana precisou da prorrogação para sacramentar a vitória nesta NCAA. Texas manteve-se competitivo, falhando principalmente no ataque nos 5 minutos adicionais. Madison Booker foi a cestinha de Texas – olho nela, mais esguia em relação ao ano passado e agora jogando em sua verdadeira posição. A montanha russa atravessada por Notre Dame trouxe mais estratégias ao pacote do time, capaz de vencer o título nacional. Para Texas, certa variação seria benéfica – e claramente o principal reforço, a ala Laila Phelia, ainda não se encontrou no esquema tático.

Muita coisa para acontecer, muitas equipes para manter no radar. O texto mal chegou ao fim e surge no horizonte uma continuação. Uconn invicto, as renovadas e jovens Louisville e Kentucky, o todo ataque Oklahoma, a drástica mudança(para melhor!) de Duke, uma LSU sem Angel Reese, Iowa pós Caitlin Clark: a temporada universitária já trouxe bastante assunto. Urge a parte 2 – aguardem as cenas do próximo capítulo.

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Lucas PachecoOutubro 25, 20247min0

O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título da WNBA (sem contar a Comissioner’s Cup  de 2023) após uma espera de 28 anos. Nada mais significativo para a liga, vez que o Liberty era a última das três únicas franquias originais (além de Los Angeles Sparks e Phoenix Mercury) a se manter em atividade, nem trocar de cidade, sem obter o troféu. A seca acabou e a cidade vê-se livre de uma sina nada auspiciosa para a franquia.

Após o boom inicial, nos anos finais dos anos 90, a liga viveu anos de queda na audiência e pouca valorização. Muitas trocas de cidade, franquias acabando, baixo investimento e um retorno financeiro pouco confiável, processo que começou a ser revertido a partir de 2020. O ‘ano da bolha’ engajou as jogadoras como nunca, mais ativas nas negociações e no planejamento da liga. O Liberty seguiu essa macro-tendência e após os vices em 1997, 1999, 2000 (derrotas para o mesmo adversário, o Houston Comets) e 2002 (perdeu para o Sparks), a franquia histórica passou por décadas de baixa.

O ostracismo coincidiu com o desleixo com que a franquia era gerenciada; a equipe chegou a ser deslocada para um ginásio minúsculo e mal localizado, onde jogou por duas temporadas. Mesmo contratações importantes, como a contratação de Tina Charles, ficavam isoladas em um mar de mediocridade, razão pela qual uma nova final foi atingida somente em 2023 – mas muita coisa havia mudado.

A franquia começou sua reconstrução em 2019, partindo do zero. Os novos donos (o casal Tsai) trocou tudo, desde o GM, passando pelo comando técnico, até chegar ao elenco. Em 2020, por exemplo, pela primeira vez o Liberty teve a escolha número 1 do draft, quando recrutaram Sabrina Ionescu, peça chave no título de 2024. Naquele ano, porém, com um time extremamente jovem, formado por jogadoras do draft, com pouca experiência, a campanha naufragou.

Gradativamente, a franquia foi se recolocando como contender, a partir de movimentos originados pelos donos de valorizar e investir na equipe. O time passou a sediar seus jogos no Barclay’s Center, construiu um centro de treinamentos, divulgou pesadamente e, na intertemporada entre 2022 e 2023, atraiu três jogadoras de primeira prateleira da WNBA: a pivô Jonquel Jones (MVP em 2021), a ala-pivô Breanna Stewart (1x MVP e bi-campeã) e a armadora Courtney Vandersloot (campeã em 2021). Elas se juntaram à ala-armadora Ionescu e à ala Betnijah Laney para formar um quinteto logo intitulado de ‘supertime’.

Para comandar o barco, nada menos que Sandy Brondello, campeã pelo Mercury e responsável por montar times competitivos anos após ano. Estava formada a espinha dorsal do elenco campeão. No primeiro ano juntas, a derrota na final (5ª derrota em final) para o Las Vegas Aces, o outro ‘supertime’ da liga, deixou marcas. O time precisaria melhorar ainda mais para atingir seu objetivo último. Veio a intertemporada, preparatória para 2024, e a direção trabalhou incansavelmente, buscando peças pontuais para bater seu arqui-rival Aces.

Curioso que Aces e Liberty representam os dois lados da mesma moeda; ambas franquias, com donos novos, se revitalizaram e ampliaram os investimentos. Por mais que tenham montado verdadeiros esquadrões, repletos de estrelas, ambos só conquistaram seu troféus devido às jogadoras coadjuvantes. Sem coletivo afiado, sem plano e estratégia tática, sem reservas capazes, não se conquista título na WNBA – demonstrando os limites da narrativa dos ‘supertimes’. Em uma liga pequena, de apenas 12 equipes, com tamanho talento, sempre houve esquadrões.

Quando a engrenagem começa a rodar, tudo se ajusta. NY já havia assegurado a chegada da ala alemã Leonie Fiebich (como moeda de troca em uma negociação) e convenceu-a a estrear na liga. Com uma ala desse quilate disponível, vinda de MVP na liga espanhola, estreia olímpica para seu país e um quase-MVP na Euroliga, Sandy Brondello fez a mudança crucial nos playoffs: sacou Vandersloot do quinteto titular e inseriu Fiebich, entregando a armação para Ionescu.

O ajuste repercutiu como raras vezes na liga: Brondello desmontou a dupla Ionescu/Sloot, maior vulnerabilidade defensiva de sua equipe no vice de 2023, deu liberdade para Ionescu comandar o show e abusar de suas infiltrações e inseriu uma verdadeira sniper no quinteto titular. Não à toa, a alemã assinalou estatísticas históricas (plus/minus essenciais para a vitória na semi sobre o Aces, além do aproveitamento bizarramente bom nas bolas de três pontos), acrescentando ainda a melhor defensora de perímetro do elenco, capaz de defender qualquer posição.

Com tudo encaixado, a final (6ª da franquia de Nova Iorque) foi o momento de brilho de Brondello. A série contra o Minnesota Lynx (maravilhosamente descrita em New York Liberty: O grande campeão de 2024 da WNBA) entrou para a história, pelo equilíbrio nunca antes visto na história da liga. O desfecho veio somente na prorrogação do jogo desempate! Aqui, precisamos elogiar o tradicionalíssimo Minnesota: sem tantas estrelas individuais, a equipe de Cheryl Reeve apostou em um jogo coletivo e altruísta, construído em volta do talento indescritível de Napheesa Collier. A ala-pivô era cercada de jogadoras ágeis; uma das melhores defesas da temporada, com cobertura e comunicação acima da média, pareado por um ataque espaçado, com abuso de pick-and-roll.

Se o jogo 1, vencido pelo Lynx nos instantes finais, teve as digitais de Reeve, que apostou na formação baixa (small ball), Brondello deu o troco nas partidas seguintes. O duelo tático das técnicas foi um capítulo a parte na temporada, Reeve e Brondello seguiram ajustando durante a série: a técnica do Liberty praticamente obrigou a saída de Myisha Hines-Allen da rotação do Lynx ao torná-la uma nulidade ofensiva, liberando Breanna para cobrir o restante da quadra. No jogo 3, após um primeiro tempo fraco, Brondello simplificou o jogo e deixou a ala-pivô Breanna Stewart como principal condutora de bola e iniciadora do ataque (Ionescu estava mal até os minutos finais, quando acionou seu modo clutch).

A cereja do bolo veio no jogo 5, quando novamente o Liberty estava atrás do placar e sem poder de reação. Brondello partiu então, em um movimento arriscado, para o tudo ou nada, apostando em uma formação inédita nos playoffs, um big ball que vai na contramão da cartilha atual do basquete. Deu certo: com apenas uma “pequena” e 4 “altas”, o time voltou a ser competitivo, se recolocando na partida. Nyara Sabally (draftada em 2022) e Kayla Thonton (contratada como moeda de troca) mudaram o jogo, aliado ao evidente cansaço do Lynx (com menos peças a disposição). A formação escondeu as péssimas sequências de arremesso das suas protagonistas (Breanna com 9/36 e Ionescu, 6/34 combinados os dois jogos finais da série) e demonstrou, uma vez mais, o trabalho coletivo de New York.

Outros fatores influíram na série, como a contusão de Allana Smith no jogo 3, ou decisões questionáveis da arbitragem. Tampouco ajudou a péssima atuação de Courtney Williams na última partida, ou o calendário apertadíssimo das finais (série final esprimida em míseros 10 dias, impactando na condição física das atletas) mas nada apaga o trabalho formidável do Liberty, cujo título foi mais que merecido.

Antes de pensarmos nos próximos passos da liga, louvemos e exaltemos o indiscutível campeão. O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título e a hora é toda de comemoração. A liga e uma de suas poucas franquias originais fecham um ciclo, com promessas de mais crescimento para os próximos anos. Por ora, deixemos a mascota Ellie ditar as regras e colocar todo mundo para dançar ao ritmo da Big Apple.


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