Visão Global e particular ao Futsal Feminino português

Miguel OliveiraJaneiro 9, 20238min0

Visão Global e particular ao Futsal Feminino português

Miguel OliveiraJaneiro 9, 20238min0
Miguel Oliveira debruça-se sobre os desafios do futsal feminino mundial e português para 2023 com uma reflexão séria e profunda ao que precisa ainda de mudar

Ano novo, vida nova! Pelo menos é o que o ditado popular nos diz. No que ao futsal feminino diz respeito, apesar de muitos esforços feitos de várias entidades entre os quais, treinadores, dirigentes clubísticos, dirigentes federativos e sobretudo o mais importante: jogadoras, para que o futsal feminino cresça e evolua, a verdade é que o futsal a nível internacional está ao abandono e com uma desigualdade (de género) abismal, uma vez que o futsal masculino está totalmente apoiado por todas as entidades de topo – UEFA, COMEBOL, UE e em última análise a FIFA.

Enquanto no futebol feminino temos vindo a verificar uma visibilidade extra também por este motivo, existem as principais provas de clubes – UEFA Champions League, Copa Libertadores, Europeu, Copa América, Copa Asiática e existe um Mundial Feminino, onde esperemos que Portugal esteja presente. Ou seja, existem praticamente TODAS as competições.

Mas o caminho no futsal feminino está feito com mais curvas e subidas. Existem claras lacunas onde conseguimos perceber que o problema vem do topo da montanha. Indicando as mais óbvias, que com a criação do mundial poderão ser criadas/alteradas:

– Não existe um comité especializado com intervenientes que conheçam profundamente o Futsal Feminino;

– Não existe um plano estratégico de uma entidade superior (FIFA), estruturando a modalidade com objetivos claros e sustentados para o crescimento do futsal feminino;

– Crescimento dos campeonatos nacionais para levar à profissionalização;

– Sem competições internacionais quer a nível de clubes, como de seleções.
A nível de seleções, as Federações tentam implementar provas com Europeu, Copa América e a Copa da Ásia. Depois pecamos com uma falta de Finalíssima, como foi realizada ano transato no masculino, ganha por Portugal.

A nível de clubes, de uma forma uniforme, pelo menos, é um deserto, não existe de forma oficial uma competição Europeia (Champions League), mas em compensação, desde 2013 existe a Taça Libertadores Feminina.

A Taça Libertadores feminina (Foto: CONMEBOL)

O que isto tudo acarreta?

– Falta de competitividade entre as equipas/países;

– Falta de exposição mediática, uma vez que estes torneios internacionais são de uma exposição enorme. Exemplo do último Europeu de Futebol Feminino, onde houve imensos recordes de audiências!

– Falta de interesse de patrocinadores que faz com que a modalidade não consiga ser sustentada.

Esta reflexão é um breve resumo do panorama à escala global da nossa modalidade no feminino, mas em Portugal também existe muito trabalho pela frente e há muito por onde crescer e evoluir.

Antes de mais, creio que uma comparação, pela proximidade cultural e geográfica, com Espanha é inevitável. Apesar de estarmos ainda muito distantes deles, deveríamos ter um maior hábito de olhar para aquilo que é bom no nosso país vizinho. Certamente que também terão problemas, visto que nenhum regime é perfeito e existem dificuldades em todo o lado e, no caso deles, não será diferente. No entanto, acho que podemos sempre perceber aquilo que é feito de bom no nosso vizinho e tentar adaptar e/ou tentar inovar/melhorar as boas práticas que tem lá sido realizadas.

Uma das maiores diferenças é que o Campeonato Nacional Português não é profissional, e ainda estamos muito longe dessa realidade na minha opinião, por isso não existem contratos profissionais.

De qualquer forma, ainda estando longe dessa realidade, acho que podemos dividir em pontos fortes e pontos fracos. Comecemos pelo que está menos bom, os pontos fracos:

Não existem contratos de trabalho, mas existem contratos privados – previne em alguns casos a troca constante de atletas entre clubes, mas não é na generalidade.

– O clube não tem cobertura médica, só o seguro desportivo.

– Não é obrigatório a transmissão dos jogos, temos vindo a ver um esforço por parte do canal da federação, o canal 11 para transmitir jogos do campeonato nacional, mas podia existir um estatuto que os jogos que não fossem transmitidos pelo canal ou pelo canal de Youtube do Canal 11, fossem transmitidos numa plataforma de streaming, por exemplo, algo combinado com a federação e uma plataforma aliada a finalmente existir um main sponsor do Campeonato Nacional;

– Os clubes não são obrigados a ter escalões de formação, se a associação distrital de onde pertence o clube não tem competição. Então os clubes neste regime ficam isentos a ter formação. Sei que isto irá mudar, mas devia ser por lei que todos os clubes inscritos no campeonato nacional – primeira e segunda divisão terem a obrigatoriedade de possuir escalões de formação;
– Calendarização – como nenhum dos campeonatos é profissional e apesar de termos 9 a 10 meses de competição, considero que não existe um planeamento cuidado para perceber as necessidades das atletas. Algumas vezes existem jornada duplas (jogos a meio da semana e ao fim de semana), ou até mesmo erros na calendarização por parte da FPF (como aconteceu no presente mês com a paragem para o Euro), em que se deveria ter mais atenção.

Dentro dos pontos fortes realço:

– Os clubes são obrigados a ter seguros desportivos para os seus intervenientes (mínimo exigido);

– Modelos das competições. Neste momento quatro provas em Portugal: Supertaça, Taça da Liga, Taça de Portugal e Campeonato Nacional;

– Taça da Liga em regime de final four para quem termina a primeira volta do campeonato nas quatro primeiras posições;

– Taça de Portugal com eliminatórias envolvendo equipas dos campeonatos distritais e nacionais até chegarem às quarto últimas e depois jogam uma final four;

– Campeonato Nacional composto em duas fases – primeira fase campeonato a duas voltas e segunda fase – playoffs, onde este ano com a novidade que são as oito primeiras classificadas no final da primeira fase que vão aos playoffs em jogos à melhor de três, até chegarmos à final e aí à melhor de cinco jogos;

– Temos também o Campeonato Nacional da Segunda Divisão feito em duas fases com duas zonas – norte e sul e onde depois na segunda fase – as primeiras duas equipas de cada fase disputam o acesso à vitória no campeonato e subida de divisão (sobem duas) e as restantes equipas disputam a fase de manutenção para se manterem na segunda divisão e descem 3 neste ano;
– E por fim, os campeonatos distritais em que os campeões de distrito participam numa taça nacional para subirem à Segunda Divisão Nacional;

Estes problemas são fundamentais, mas não são só na nossa realidade. Das principais ligas, entre Itália, Brasil, Argentina, Irão e Japão, só Espanha contempla TODOS os pontos falados acima, e na minha opinião estas lacunas são a principal causa do tardio desenvolvimento da modalidade a nível global.

Muito poucas ligas são profissionais, poucas ligas tem uma estrutura por detrás que consiga dar suporte aos clubes, por forma a terem estruturas cimentadas e com capacidade de apoiar as atletas e os seus intervenientes, para que se consiga a tão desejada profissionalização – fica tudo na paixão amadora, que faz com que alguns resultados sejam de um esforço enorme. E não posso deixar de pensar em que como seria se tudo fosse melhor e mais estruturado?

Existem lacunas óbvias que, em jeito de resumo, posso afirmar que a falta de compensação económica, a falta de olhar para a formação de uma forma sustentada, a falta de apoio para coisas ditas banais como vídeo analistas, psicólogos, diretores desportivos, a falta de estruturas de apoio de marketing e comunicação, alguma precaridade das instalações desportivas, tudo isto leva a que o futsal feminino cresça, mas a passos muito curtos e pouco sustentados.

A nossa federação tem um plano – disponível a todos que façam uma pequena pesquisa no site da mesma, mas e os clubes? Têm plano? Têm uma ideia de onde querem estar daqui a dois, três, dez anos? E se sim como chegar lá? Como crescer todos os anos para conseguir chegar lá?

A certificação veio trazer alguma ordem nisto, mas muitos dos clubes por falta de apoios certos referidos neste texto, fazem a dita certificação para ter direito a competir nos diferentes campeonatos, e não como um guia para atingir determinado fim e não para resolver problemas imediatos.

Ainda há um longo caminho a percorrer e todos nós temos de pensar nisto para conseguirmos evoluir e de mãos dadas caminhar no mesmo sentido.

Que 2023 nos faça caminhar juntos para o sucesso desta modalidade tão apaixonante.


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